Um olhar sobre a identidade surda Imprimir
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Escrito por Márcia do Socorro Eugênio da Silva   
Qua, 08 de Junho de 2011 00:00

Resumo: Nos estudos sobre a surdez é importante ressaltar vários questionamentos e críticas acerca das interpretações a respeito do sujeito surdo, da sua língua, comunidade, cultura, diferenças e peculiaridades. Nesse contexto a representação que se apresenta na sociedade como um grupo em minoria em que são considerados até então como “deficiente” aquele apontado como doente, inferior e desviado dos padrões da normalidade.



No entanto nas ultimas duas décadas tem – se delineado discursos e práticas buscando uma ressignificação em um contexto mais apropriado à situação cultural, lingüística e identitária dos surdos, onde o surdo é visto como autor e ator de uma cultura minoritária, sendo um usuário de uma língua natural a LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais e como grupo que demanda uma educação bilíngüe e multicultural, pessoas com suas diferenças, normalidades e identidades legítimas.

Assim sendo, surdez não diz respeito à “deficiência Auditiva”, diz respeito às experiências e identidades surdas, que se referem à maneira como os surdos definem a si mesmo, ou seja, de forma cultural e lingüística.

Palavras - chave: Comunidade; Cultura; Língua Brasileira de Sinais; Identidade surda.

INTRODUÇÃO

Há uma luta pela prevalência sobre os poderes e os saberes que operam nas sociedades e o palco desta luta é o meio social como um todo, onde se tem como pano de fundo a opressão social e cultural, manifestadas aparentemente nas reais e precárias condições de vida impostas às minorias. Na dimensão cultural os sujeitos que são considerados diferentes estão à mercê do aculturamento e imposição quanto as suas identidades.

Ao discutir a questão da identidade, logo é remetido à questão da diferença, visto que a identidade cultural somente pode ser compreendida em sua ligação com a produção da diferença, que não é outra coisa senão um processo discursivo social. O que vai sustentar um novo olhar sobre as diferenças são as novas formas de representar e ressignificar a diferença. Nesse contexto aparecem os SURDOS, pessoas geralmente colocadas às margens do mundo econômico, social, cultural, educacional e político, pessoas narradas como deficientes, incapazes, desapropriadas de seus direitos e da possibilidade de escolhas.

Portanto as identidades surdas advêm de uma construção imperativa de identidade cultural dos sujeitos com suas peculiaridades e especificidades que vão além dos aspectos clínicos – patológicos. Compreender que as identidades surdas advêm de uma construção imperativa de identidade cultural dos sujeitos com suas peculiaridades e especificidades que vão alem dos aspectos clínicos – patológicos.

1 AFIRMAÇÃO DA IDENTIDADE SURDA

A oficialização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), em abril de 2002 (Lei n.10.436, de 24de abril de 2002), com essa oficialização começou a surgir vários caminhos, porém gerando polêmicas entre profissionais que trabalham com surdos e por surdos oralizados, que não se consideram parte da comunidade surda, portanto não acreditam que seja uma vitória para os surdos. Muitos profissionais que trabalham na área da surdez consideram a Língua de Sinais como tão somente uma alternativa de comunicação para os surdos que não conseguem desenvolver a língua oral, tirando assim o mérito da língua de sinais. Segundo Skliar (1997, p.256), O oralismo é considerado pelos estudiosos uma imposição social de uma maioria lingüística sobre uma minoria lingüística. Como conseqüência do predomínio dessa visão oralista sobre a língua de sinais e sobre a surdez, o surdo acaba não participando do processo de integração social.

Essa citação reafirma que o oralismo é a integração do surdo na comunidade ouvinte, entretanto isso não acontece na prática, pois a grande maioria dos surdos não consegue ter êxito, prejudicando o desenvolvimento de sua linguagem, sendo então o surdo silenciado pelo ouvinte por não ser compreendido.

A LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) surge, como um mecanismo de afirmação da identidade surda, identidade anulada e silenciada durante muito tempo, através da prática da oralização imposta pela sociedade ( o surdo era ensinado a “falar” através do método  da repetição) . Por não dominarem a oralidade, eram excluídos e considerados incapazes de desenvolver qualquer atividade além de não poder ser dono de si mesmo.

O surdo que não domina a LIBRAS traz sérias conseqüências no fortalecimento da comunidade surda.  Quando um surdo não domina a língua de sinais ele é excluído, enfraquecendo sua identidade surda e dos demais grupos que ele representa de: gênero e raça. Hoje, a campanha para a difusão e prática da LIBRAS no campo educacional estão bem amplas, várias instituições que defendem os direitos  dos surdos, organizam-se para traçar estratégias   de expansão  da Língua de Sinais. O reconhecimento da LIBRAS como língua e assim, como uma representação de um grupo, trouxe sem dúvida contribuições a comunidade surda.  É importante que ele estabeleça o contato com a comunidade surda, para que realize sua identificação com a cultura, os costumes, a língua e principalmente, a diferença de sua condição.

2. CULTURA E IDENTIDADE SURDAS EM QUESTÃO

O termo “cultura” possui significados variados dentro de seu conceito geral, entretanto na área da surdez, a palavra cultura representa para os sujeitos surdos como uma afirmação de sua identidade de forma peculiar e específica, onde se centraliza o seu espaço lingüístico. Esse espaço lingüístico definido pela sua língua de sinais marca subjetiva que oferece sentido.

A esta cultura diferenciada em que cidadão surdo se expressa como “jeito de ser e estar no mundo”. Sobre a cultura podemos dizer com a afirmação de Nídia Limeira que:

(...) “cultura” é definida como um campo de forças subjetivas que dá sentido(s) ao grupo (2006, p.01).

Sendo assim os Surdos são socialmente e politicamente organizados, possuindo um estilo de viver que é próprio de quem utiliza a visão como meio principalmente de obter conhecimentos. Assim também a cultura surda é mística e híbrida, pois esta não se encontra isolada do mundo, sempre está interagindo com outras culturas evoluindo da mesma forma que o pensamento humano. Os sujeitos surdos vivem numa sociedade com uma demanda linguisticamente superior, ou seja, uma sociedade de pessoas que ouvem e falam e que detém uma relação de poder por usar um a língua oral-auditiva, neste caso a Língua Portuguesa, dessa forma acham que as pessoas surdas são: sub-culturais, não tem cultura própria, têm algumas adequações, deficientes que necessitam entrar na linha da normalização, precisam urgentemente ser iguais a maioria, precisam falar, ver, ouvir, andar, fazer parte de uma cultura dita padrão para serem então considerados inclusos na sociedade. Dessa maneira Silva retrata que:

A identidade cultural ou social é o conjunto dessas características pelas quais os grupos sociais se definem como grupos: aquilo que eles são, entretanto é inseparável daquilo que eles não são, daquelas características que os fazem diferentes de outros grupos (1998, p.58).

Portanto a identidade surda sempre está em proximidade em situação de necessidade com o outro igual, onde as pessoas com surdez revelam que não vivem de adaptação ou reabilitação, vivem em evolução, criam meios de ser e estar no mundo, como qualquer ser humano faz. Possuem a necessidade de  permanentemente interagindo com outros surdos , porque os ouvintes não o compreendem , mas pela força da identificação cultural, pela força da subjetividade que os atrai  como imã da mesma forma que acontece com outros grupos sociais.

3 DIFERENTES IDENTIDADES SURDAS

A construção da identidade surda sempre impera a identidade cultural, ou seja, é como ponto de partida para identificar as outras identidades surdas. As diferentes identidades surdas são bastante complexas, diversificadas. Isto pode ser constatado na divisão por identidade.

De acordo com Nídia Limeira de Sá (2001) a Identidade Surda (identidade política) trata-se de uma identidade fortemente marcada pela política surda. São mais presentes nas comunidades surdas a que pertencem onde apresentam características culturais regionais que carregam consigo a sua língua de sinais possuindo, assim, experiências visuais que determinam maneiras de comportamentos, aceitando-se e assumindo como Surdos, lutando politicamente como cidadãos com suas especificidades. Ainda com a autora a Identidade Surda Híbrida são surdos que nasceram ouvintes e devido a fatores como doenças, acidentes, dentre outros, se tornaram surdos. Estes conhecem a estrutura do português falado.

A autora afirma que Identidades Surdas Flutuante são surdos que tem ou não consciência de sua surdez, entretanto se acomodam sendo vítimas da ideologia dos ouvintistas, oscilando, portanto de uma comunidade a outra, prejudicando-se na falta de comunicação tanto da Língua Portuguesa como da Língua de Sinais. Nídia ressalta que a Identidade Surda Embaçada é a representação estereotipada da surdez ou do desconhecimento da mesma por conta da questão cultural dominante que o sujeito surdo estar inserido. Os surdos são completamente dominados pela comunidade ouvinte, determinando seus comportamentos, vida e aprendizados, assim como a privação do aprendizado da sua língua natural desconhecendo-a totalmente, sendo também considerados incapacitados, deficientes e até retardados mentais.

Na Identidade Surda de Transição são surdos oralizados, mantidos numa pura comunicação auditiva, sendo filhos de pais ouvintes, que tardiamente conhecem a comunidade surda, e nesta transição os surdos passam do mundo auditivo para o visual, porém essa “desouvintização” – rejeição da representação da identidade ouvinte. Para os surdos ficam seqüelas da representação, o que fica evidenciado a sua identidade em construção. A Identidade Intermediária vai determinar que os surdos apresentam porcentagem de surdez, mas levam a vida como determinam os ouvintes dando maior importância os aparelhos de audição, treinamento oral, amplificadores de som, não utilizam o trabalho de intérpretes, e muito menos quando estão em comunidade surda considera os seus pares semelhantes como menos dotados,portanto tem dificuldades de encontrar sua identidade, visto que não são surdos, nem ouvintes.

Segundo Stuart Hall (2006) citado pela autora Nídia a Identidade Surda Incompleta são surdos que não conseguem quebrar o poder dos ouvintes que fazem de tudo para medicalizar o surdo, negam a identidade surda como uma diferença. São surdos estereotipados, acham os ouvintes como superiores a eles. E a Identidade surda de Diáspora apresenta divergências da identidade de transição, pois estão presentes entre os surdos que pas­sam de um país a outro ou, de um Estado brasileiro a outro. Ou ainda, de um grupo surdo a outro podendo ser identificados como surdo carioca, surdo brasileiro, sur­do norte-americano. É uma identida­de muito presente e marcada.

Quando se fala em identidade, no geral mostra que não é um conceito factual e acabado, é mais do que isso, é uma proposta de aproximação na qual a história retrata sob diferentes interpretações em três concepções definida por Hall: O iluminista como sendo o primeiro, objetivando a perfeição do ser humano; o segundo, sociológico, mostra que as identidades se moldam nas representações sociais; e por ultimo a modernidade tardia que aponta as fragmentadas identidades. (1997, p. 8-13).

É nessa ultima concepção de identidade que se situa o sujeito surdo, pois é o mais que se aproxima do conceito identitário, na pós – modernidade, no nosso ponto de vista, como sendo de identidades múltiplas, plurais, que estão em constantes transformações, não são fixas, imóveis ou imutáveis, que podem ser contraditórias, ou seja, está em construção e movimento, onde levam os cidadãos surdos as diferentes posições.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas relações sociais onde se mostram as representações de alteridade surda são de fato as relações de poder, nesse interior dessas relações sociais, estão sempre presentes as relações de poder. Foucault (1990) ensinou a ver as relações de poder como internas, comuns, misturadas na praticidade dos encontros.

São notórias como as pessoas ouvintes tecem redes de poderes e como elas vêm camufladas sobre o discurso da fala, da integração e do colonialismo, ou seja, significa ter em conta a questão da problemática das diferenças culturais colocando a prática da autoridade, a exemplo de poderes criados pelos ouvintes para disciplinar e colonizar os surdos: a implementação recente da política da integração que transfere para política educacional o patrimônio, os recursos públicos, o que de certa forma pode ser interpretado como relação de poder sobres os surdos, poder esse que divide, distingue, reprime, explora e que forma uma teia de controle sobre uma cultura nativa;

A escola também se sobressai com as filosofias de ensino - a oralista, bimodal, comunicação total e o bilingüismo, sendo assim a prática da ouvintização assumem diferentes modelos de escolarização ao surdo; No meio familiar a desinformação sobre o surdo é total e predomina a avaliação medica que rotula o surdo como um doente que necessita ser curado, ou seja, uma reprodução de uma ideologia contra a diferença. Todos esses mecanismos de poder construído sob uma representação dos ouvintes sobre a surdez criam um mito de que a norma para os seres humanos consiste em falar e ouvir levando a olhar para os surdos como um ser geralmente selvagem.

Entretanto queremos enfatizar, a importância da identidade surda, que os surdos e ouvintes simpatizam com essa identidade precisa torna-se lutadores contra a incerteza, sendo necessário desde cedo começar a pensar na identidade política do surdo, e como ele pode defender-se e não perder sua capacidade de ser cidadão surdo. De como o sujeito surdo vai entrar em contato com a representação da política de sua identidade.

Talvez assim os ouvintistas se comprometam juntos aos surdos por um multiculturalismo atentando-se por uma especificidade da diferença, diminuindo suas posições que mantém o surdo a sua forma dominante em respeito aos direitos universais para as condições de desenvolvimento de cultura e justiça. A educação, ainda que esteja saindo do domínio do oralismo, tem de se livrar do desprendimento de grandes números de preconceitos, dentre eles o de querer fazer do surdo um ouvinte. A educação tem que caminhar em direção no sentido da identidade surda, permitindo a presença do professor surdo.

Portanto é importante salientar que todas as pessoas são diferentes é necessário respeitá-las como surdas, nômades, negras, índias, brancas... Importa deixar que os surdos construam sua identidade, assumam suas fronteiras em posição mais solidária do que crítica.

5 REFERÊNCIAS
MACHADO, Aline Dubal. Identidade: quem é o “nosso” surdo? In: INES, ARQUEIRO. Rio de Janeiro: 2004. Vol. 9 p. 32-37.
MIRANDA, Wilson de Oliveira. Comunidade dos Surdos: olhares sobre os contatos culturais. Dissertação de mestrado. Programa de Pós-graduação em Educação. UFRGS, Porto Alegre: 2001.
SKLIAR, Carlos (org.) A Surdez: um olhar sobre a diferença Mediação. Porto Alegre: 1998.
_____A surdez: um olhar sobre as diferenças. 2ª edição. Porto Alegre: Editora mediação, 2001.
SANTOS E. Identidade social e construção de conhecimento. Porto Alegre: Prefeitura Municipal, 1997. P. 242-306.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 6. Ed. São Paulo: Atlas, 2001.
PERLIN, Gladis. Histórias de vida surda: identidades em questão. Dissertação de mestrado do programa de pós-graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. UFRGS/FACED, Porto Alegre: 1998.
GOLDFELD, Márcia. A Criança Surda: linguagem e cognição numa perspectiva sócio-interacionista. Plexus, São Paulo: 1997.
SÁ, Nídia Limeira de. Educação de Surdos: a caminho do bilingüismo. EDUFF, Niterói: 1999.
____A produção de significados sobre a surdez e sobre os surdos: práticas discursivas em educação. Porto Alegre: UFRGS/FACED/PPGEDU, 2001. (tese de doutorado).
____Existe uma cultura surda? Artigo disponível em http:WWW.eusurdo.ufba.ba.br/arquivo/cultura_surda.doc. Acessado em 28/03/2007.
QUADROS, Ronice Müller de. Educação de surdos: a aquisição da linguagem. Artes Médicas, Porto Alegre: 1997.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-modernidade. DP&A, Rio de Janeiro: 1997.
SILVA, T.T. contrabando, incidentes de fronteiras: ensaios de estudos culturais em educação. Porto Alegre, 1998.


Graduada em pedagogia, especialista em Educação Especial, pós-graduada em LIBRAS, educadora e intérprete de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, coordenadora de Educação Especial na cidade de Entre Rios, e-mail: Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. ,/ Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo. , tel: (75) 9933-6669/9153-6831.

 

Autor deste artigo: Márcia do Socorro Eugênio da Silva - participante desde Qui, 17 de Fevereiro de 2011.

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