O desafio das engenharias Imprimir
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Escrito por Samuel José Casarin   
Qui, 04 de Novembro de 2010 00:00

Há muito vem se ouvindo falar que os cursos de graduação oferecidos pelas instituições de ensino superior (públicas e privadas) estão em descompasso com a realidade do mercado de trabalho. Em vista disso, muitas empresas (nacionais e multinacionais) adotaram duas medidas paliativas: criaram um extenso programa de treinamento para os recém formados que são contratados (Programas Trainee) ou, indo mais a fundo, criaram as suas Universidades Corporativas visando capacitar seus profissionais com competências e habilidades de interesse da empresa. Ambas as medidas tem um custo considerável para as empresas que as adotaram.



Um dos cursos de graduação que mais vem sofrendo críticas em função do problema mencionado no parágrafo anterior é a Engenharia, ou melhor, as Engenharias. Que diferença de cenário se comparado aos anos 80 e 90 do século passado!

Não é incomum ouvirmos sugestões em seminários, eventos da área de engenharias e em artigos na mídia da necessidade de se criar novos cursos de engenharia que atendam a nichos específicos A, B, C etc carentes de profissionais capacitados para atuar nessas áreas específicas.

Há dados[2] que indicam que o Brasil vai precisar, até 2013 (vejam, faltam só três anos!) de 207.643 profissionais (engenheiros inclusos) qualificados na área de petróleo e gás. Esta estimativa foi feita pela PROMINP (Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural). Neste programa serão oferecidos cursos grátis com bolsas de auxílio de até R$ 900,00.

Em recente anúncio[3] da General Motors do Brasil (GM do Brasil) oferecendo vagas para engenheiros de diversas formação, observa-se oportunidades de emprego em 19 ocupações para 14 formações de engenharia a saber:

Requisitos de formação indispensáveis: Engenharia Mecânica – Engenharia Mecatrônica – Engenharia Eletrônica – Engenharia Elétrica – Engenharia Eletroeletrônica (aí já começa a confusão das engenharias) – Engenharia Automobilística/Automotiva – Engenharia (geral) – Engenharia Aeronáutica – Engenharia Naval – Engenharia de Produção – Engenharia de Software – Engenharia Metalúrgica – Engenharia de Materiais e  Engenharia Química.

As ocupações oferecidas: engenheiro de integração de powertrain -  engenheiro de integração veicular - engenheiro de ruídos e vibrações - engenheiro de energy - engenheiro de integração de veículos - engenheiro de HVI e carrocerias - engenheiro de validação de produto - engenheiro de chassi e ar condicionado - engenheiro de carroceria (exterior) - engenheiro de carroceria (interior) - engenheiro de cálculo estrutural - engenheiro de integração virtual de compartimento de veículos -  engenheiro experimental - engenheiro de gerenciamento de materiais - engenheiro de fabricação experimental - engenheiro de gerenciamento de programas de produto - engenheiro projetista (de produto) e engenheiro de massa (????).

Vale notar também que no mesmo classificado do jornal, outras empresas ofereciam vagas para engenheiro projetista cadista, engenheiro elétrico/obras, engenheiro de planejamento de obras e engenheiro de campo (???).

Aprendi em um artigo do professor Roberto Macedo (infelizmente não tenho a referência, apenas guardo na memória) a diferença (gritante) entre profissão e ocupação. Será que um das causas de se criticar os descompassos existentes entre os cursos de engenharia e o que exige o mercado não reside na confusão (ou sobreposição) desses dois conceitos: profissão e ocupação?

Imaginem se as IES (públicas e privadas) tivessem que oferecer cursos de engenharia para formar profissionais aptos (com competências e habilidades tão específicas) para atuar nas vagas oferecidas não só pela GM do Brasil, mas por várias empresas de setores variados? Seria algo absurdo e impraticável! O CREA que o diga, na hora de indicar as competências específicas.

Comparando, a “grosso modo”, seria o equivalente aos cursos de Medicina mudarem seus projetos pedagógicos e passarem a formar especialistas antes da fase da residência médica. Assim teríamos cursos de Medicina (sem necessidade de residência médica) para formar cardiologistas, cirurgiões gerais e específicos, dermatologistas, endocrinologistas, gastroenterologistas, ginecologistas, neurologistas, otorrinolaringologistas, pediatras etc. Seria absurdo! As engenharias não podem ser diferentes disso também.

Há dados[4], ainda, que indicam haver cursos de engenharia com até 80% de desistência de alunos (a média, segundo esses mesmos dados é de 60% - elevadíssima!). Retorno aos cursos de Medicina. Alguém conhece algum curso de Medicina que tenha tal índice de desistência (mesmo sendo o curso mais caro oferecido) ou com carga horária mínima para integralização e oferecido em um único período (manhã, tarde ou noite) apenas? Não existe e nunca existirá. O mesmo deveria acontecer com os cursos de engenharia. Não se pode, como existe hoje (e eu quase cai nessa ilusão), oferecer cursos de engenharia com carga horária de integralização mínima (3.600 horas conforme a Resolução CNE-CES  no. 2 de 18 de junho de 2007) em períodos únicos (manhã, tarde ou noite – principalmente a noite) e querer formar um engenheiro de qualidade.

Cursos de engenharia têm a mesma complexidade e grau de dificuldade que um curso de Medicina. Não dá para comparar (com todo o respeito) aos cursos de Administração ou Direito, por exemplo, por motivos óbvios. Engenharia tem que ser um curso de período integral, senão “não cola” (com o perdão da gíria).

Se os “notáveis da CAPES” irão, de fato, criar um plano para intervir na engenharia, esse plano deveria contemplar algo parecido com uma “residência para engenheiros” que poderia ser realizado no último ano do curso (em tempo integral), nos moldes de uma especialização e, aí sim, em parceria com empresas dos diversos setores produtivos que poderiam, com essa tal “residência” capacitar os alunos, substituindo (ou adaptando) seus programas de trainee. Fora isso, não vejo a curto prazo algo eficaz para solucionar o problema existente. Os próximos 10 anos serão cruciais para o desenvolvimento do país e o papel dos engenheiros será fundamental.

Há de se considerar, ainda, um problema de solução mais difícil. Cursos de engenharia exigem gosto e familiaridade com matemática (cálculo diferencial e integral, trigonometria, geometria, equações diferenciais etc)e física (estática, dinâmica, termodinâmica, ótica, eletricidade, magnetismo etc). Esse gosto e familiaridade por essas áreas o aluno deveria adquirir nos ensinos fundamental e médio, que não cabe aqui comentar a qualidade desastrosa que se encontram. Esse buraco é fundo demais!

Assim, acredito que o curso de engenharia ideal seria aquele realizado em cinco anos, em período integral, com a seguinte divisão: dois anos iniciais de disciplinas básicas de formação (com concentração em matemática e física), dois anos de formação específica (civil, mecânica, elétrica, química, produção etc) e o quinto ano de “residência” que substituiria o estágio obrigatório e seria realizado em parceria com empresas (que reformulariam seus programas de trainee e, assim o aluno sairia com emprego garantido); ao fim desse quinto ano o aluno apresentaria um trabalho final de curso com base na experiência adquirida na “residência”. Além disso, em quatro anos de curso na IES em período integral seria possível (nesses quatro anos) utilizar uma carga horária de 3.600 horas com folga! 


Samuel José Casarin - Com formação em Engenharia Mecânica, Mestrado em Engenharia Metalúrgica, Doutorado e Pós-doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais e com ocupação atual em Consultoria para IES.
[2] Jornal O Estado de São Paulo: “Cursos grátis preparam para o setor de petróleo”, de 15 de agosto de 2010, pág.3 do Caderno de Empregos.
[3] Jornal  O Estado de São Paulo, de 12 de setembro de 2010, pág.5 do Caderno de Empregos.
[4] Jornal O Estado de São Paulo: “Notáveis criam plano para intervir na engenharia”, de 05 de setembro de 2010, pág. 3 do Caderno de Empregos.

 

Autor deste artigo: Samuel José Casarin - participante desde Qui, 16 de Junho de 2005.

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