Os PCNs de Educação Física e o reflexo do documento na prática docente contextualizada: realidade ou utopia? Imprimir
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Escrito por Luiz Fernandes Geronimo   
Qua, 26 de Maio de 2004 21:00
Análise sobre os avanços e retrocessos da Educação Física Escolar Brasileira a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais e do contexto sócio-econômico.

Passaram-se aproximadamente sete anos desde a promulgação da atual LDB (Lei nº 9.394 de 23 de dezembro de 1996) e da divulgação dos Parâmetros Curriculares Nacionais(1) (divulgados no início de 1997).

Idealizados e elaborados pelo Ministério da Educação e do Desporto, segundo MACHADO (1998, P.91) "tem como finalidade subsidiar a elaboração ou revisão curricular, orientar a formação inicial e continuada de professores, a produção de livros e outros materiais didáticos, o fomento da discussão pedagógica, a elaboração de projetos educativos, o trabalho cooperativo das Escolas e a avaliação de aprendizagem e do sistema educacional brasileiro".

Porém não são documentos neutros, concordando com ARROYO (2000; P.94) que: As equipes que os elaboraram tem suas visões de ciência, de conhecimento, de sua construção e apreensão. Trazem, sobretudo, ainda que não tão explicitadas, concepções de Educação básica e do papel e perfil de seus profissionais. Trazem as marcas dos debates teóricos e políticos, optam por uma visão de educação e docência e secundarizam ou ignoram outras. Concretizam estratégias e políticas de um governo e dos interesses sociais e políticos que representam.
Torna-se necessário interpretar todas as variáveis que estão presentes: a visão de educação e de docência de quem elaborou os documentos; as estratégias e políticas do governo e dos interesses sociais e políticos que atendem.
É preciso ressaltar o que ALVES (1998; p.46) cita: "a lei que rege a educação no país (Lei nº 9.394/96), em nenhum momento sugere a existência de parâmetros nacionais (...) Este foi um dos motivos porque, quando a Secretaria de Educação Fundamental (SEF) começou a fazer circular sua proposta de parâmetros houve um protesto nacional, contrário à sua existência".

Cabe analisar todos aspectos que envolvem iniciativas como os PCNs sobre diversos enfoques: político, social, educacional, cultural e econômico:

Reflexão do contexto de origem: projeto político-social-educacional, LDB e PCNs: projeto social-educacional numa ótica neoliberalista.

Partimos da compreensão de que nos últimos anos temos presenciado profundas modificações em todo o mundo, modificações estas que ocorrem nos setores político, econômico e social, com repercussões nas esferas da educação, trabalho e cultura.

Segundo CORAGGIO (1996: p.20), estas modificações: "conjugam uma nova revolução tecnológica, a globalização dos mercados, um novo balanço de poder político na esfera internacional e a predominância do mercado como instituição central". E, HARVEY (1992: p. 117), nos diz que o que vemos na verdade: "é uma transição no regime de acumulação e no modo de regulação social e política e ele associado". Entre outras palavras, vivemos em meio ao processo de transição do antigo sistema capitalista (o produtivo), para o atual (o financeiro).

Autores como GENTILLI (1995), DRAIBE (1997) e APPLE (1998) citam que, atualmente as ações capitalistas são orientadas pela ideologia Neoliberal, identificando os neoliberalistas como uma aliança entre neoconservadores, populistas autoritários e um setor particular da nova classe média ascendente. Citando CORAGGIO (1996: p.13): "Em suma, os neoliberais vêem o cidadão como capital humano e a cidadania é a de mercado".

Enfim, SCHNEIDER apud DRAIBE (1997: P.7), vai nos dizer que: "Em lugar de ideologia, os neoliberais têm conceitos. Gastar é ruim. É bom ter prioridades. É ruim exigir programas. Precisamos de parcerias, não de governo forte. Falem de necessidades nacionais, não de demandas de interesses especiais. Exijam crescimento, não distribuição. Acima de tudo tratem do futuro. Repudiem o passado. Ao cabo de pouco tempo as idéias neoliberais começam a soar como combinações aleatórias de palavras mágicas".

Tratando especificamente da política de investimentos do Banco Mundial para a educação no Brasil, CORAGGIO (1996: p.77) nos mostra que:
"as atuais políticas sociais defendidas pelo Banco consubstanciam-se sob três eixos:

1. Estão orientadas para dar continuidade ao processo de desenvolvimento humano. Em síntese, investem no capital humano entendido apenas como condição de sustentação do modelo de produção e acumulação capitalista.

2. Estão direcionadas para compensar os efeitos (aumento da instabilidade, do desemprego e da pobreza, são alguns exemplos) das desigualdades provocadas pela revolução tecnológica e economia globalizada. Em outras palavras, desenvolvem projetos assistencialistas e conformistas, que burlam a sociedade através de políticas despolitizadoras.

3. São elaboradas para introjetar nas funções públicas, os valores e critérios do mercado. Este ultimo aspecto, materializa-se em campanhas de desmoralização dos serviços públicos, abrindo as portas para as privatizações.
Orientados por princípios economicistas, do mesmo modo acontece com aquelas elaboradas para o setor educacional que acaba por reproduzir a estrutura e interesse do mercado. É o próprio Banco quem, com outras palavras, nos diz isso in CORAGGIO (1996: p.75):

"O Banco Mundial está fortemente comprometido com o apoio à Educação. Entretanto, embora financie na atualidade aproximadamente uma quarta parte da ajuda para a educação, seus esforços representam somente cerca de meio por cento do total das despesas com educação nos países em desenvolvimento. Por isso, a contribuição mais importante do Banco Mundial deve ser o seu trabalho de assessoria, concebido para ajudar os governos a desenvolver políticas educativas adequadas às especificidades de seus países. O financiamento do Banco, em geral, será delineado com vistas a influir sobre as mudanças nas despesas e nas políticas das autoridades nacionais".

Concluindo, no Brasil, a LDB e PCNs surgem neste contexto e também por isso, não fogem e nem seria intenção do governo da época fugir, do alvo de ação das deliberações do Banco Mundial. É bem por isso, que estas políticas educacionais são formas de tradução e regulamentação dos interesses do capital hegemônico: são ferramentas do aparelho ideológico do Estado.

Contudo é importante lembrar que estas políticas educacionais não são absolutas, foram construídas estão sendo significadas por seres humanos, podendo, por eles serem reconstruídas e resignificadas.

Gênese e sentido dos PCNs: É nesse espaço de interseção entre políticas educacionais, educação física e parâmetros curriculares nacionais que se coloca o problema objeto de nossa reflexão: o sentido e a gênese dos PCNs, buscando apreender seus desdobramentos para a educação física, suas prioridades e seus compromissos.

Tentando identificar as categorias que explicassem a essência do problema, apoiamo-nos em CHEPTULIN (1982) que auxiliou-nos a compreender o conceito de categoria como imagens ideais que expressam os aspectos e os laços correspondentes da aparência das coisas materiais (o fenômeno). Entendendo que a essência nem sempre coincide com o fenômeno, podendo, ainda, diferenciar-se e até contradizê-lo. Nesta perspectiva apontamos as categorias de integração (CHAUÍ, 1978), ecletismo (GOMES. 1990) e resignificação conceitual (FRIGOTTO, 1996) como os que mostram a essência dos PCNS.

RODRIGUES (2001) resume com extrema propriedade:
"O que se observa, porém, em uma análise mais detalhada, é que há uma atualização do discurso sobre a função social da educação física, justificando-a no contexto das novas exigências do processo de globalização para a sociedade brasileira, ou seja, a educação física vive o mesmo processo que a Escola e as demais disciplinas curriculares no interior dessa reforma educacional, em que metamorfoseiam conceitos sem, contudo, alterar as relações que os mascaram".

A atual legislação e os PCNs.
Parafraseando Ivo Ribeiro de Sá e Kathya Maria Ayres de Godoy (PUC/SP), com a promulgação da lei n.º 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que é a referencia da educação atual, podemos fazer algumas reflexões.

Segundo esta lei, a educação
"(...) abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais" (art.1).

De acordo com a mesma lei, a educação deve ter como finalidade o pleno desenvolvimento do educando.

A partir desta legislação, o Ensino Fundamental, juntamente com a Educação Infantil e o Ensino Médio, compõe a educação básica, que tem por finalidade
(...) desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores (lei 9.394//96, arts. 21 e 22).

Pela Lei de Diretrizes e Bases, cabe aos estados e municípios definir formas de colaboração na oferta do Ensino Fundamental, o que de certa maneira pode trazer grandes benefícios, pois são consideradas as peculiaridades de cada região do Brasil e se confere aos estados e municípios autonomia política de organização.

Entretanto, os recursos humanos e os econômicos e financeiros disponíveis em cada região podem criar grandes disparidades no sistema educacional como um todo, reforçando o atraso educacional de algumas localidades e privilegiando os grandes pólos culturais.

A legislação determina, nas disposições gerais, que:
A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular da educação básica, ajustando-se às faixas etárias e às condições da população escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos (lei n. º 9.394/96, cap. II seção I, art. 26, § 3º).

NEGRÃO (1999, P. 45) diz: "O texto legal menciona a integração da Educação Física à proposta pedagógica da escola, a fim de que ela seja considerada componente curricular, o que pode levar a um entendimento de que a Educação Física esteve anteriormente, desvinculada das propostas pedagógicas e, portanto, distante das preocupações educacionais".

É importante perceber que a lei é contraditória, pois, antes de dizer que a Educação Física é facultativa nos cursos noturnos, determina que ela deve "ajustar-se às condições da população escolar" (Art. 26, § 3º) e faz referencia a uma educação vinculada ao mundo do trabalho (art. 1º, § 2º).

Segundo SOUZA e outros (1992), "Isso pode ser interpretado como uma punição, na medida em que impede o acesso ao estudante /trabalhador do curso noturno a essa prática pedagógica ou área de conhecimento, o que demonstra uma certa ambigüidade da legislação, que permite diferentes interpretações".

Estudando a Deliberação n. º 10/97 do Conselho Estadual de Educação de São Paulo, aprovado em 30 de julho de 1997, que, ao fazer referencia à Educação Física nas disposições gerais, entende que ela:
"é componente obrigatório da educação básica para todos os alunos, desvinculado do conceito de séries e de conformidade com a proposta pedagógica da escola, devendo ajustar-se às faixas etárias e às condições da população escolar e não deve levar à retenção, já que, no ano seguinte, o aluno estaria, de qualquer forma, obrigado a freqüentá-la com os mesmos colegas ou, por reclassificação, seria incluído em turma mais ajustada à sua faixa etária e desenvolvimento físico (item 2.9)".

Com base nesse pressuposto, a Educação Física retorna à categoria de atividade, uma vez que o comprometimento com a formação integral do aluno se restringe ao seu desenvolvimento físico.

Esta interpretação da lei pode ter como conseqüência a descaracterização da Educação Física como um componente curricular da educação escolar, tornando-a uma área técnica ou recreativa desprovida de função no processo educativo.

A legislação, representada pela LDB, ao incluir desta forma a Educação Física nos currículos escolares, dá a impressão de que esta pode cumprir funções, desvinculadas dos propósitos educacionais, fortalecendo a idéia de que ela é um apêndice, uma academia de ginástica e de esportes dentro da escola, podendo ser considerada pelo senso comum um curso extracurricular.

Para responder a algumas questões organizacionais, torna-se necessário um instrumento que oriente as propostas curriculares escolares, respondendo a esta demanda, foram elaborados, a partir de 1996, pelo MEC, os Parâmetros Curriculares Nacionais, considerados como referencia de qualidade para o Ensino Fundamental de todo o país. Este documento foi elaborado com o objetivo de melhorar a qualidade da aprendizagem dos alunos. Sem caráter de obrigatoriedade, constituem um instrumento de aperfeiçoamento da prática dos professores, auxiliando na elaboração e na execução do projeto pedagógico da escola, assim como na revisão das propostas curriculares das secretarias e na definição de critérios de avaliação dos sistemas municipais, estaduais e nacional de ensino. Na efetivação de tal proposta, deve ser considerada a pluralidade dos campos de conhecimento e de cultura de nosso tempo, em que cada área de conhecimento possui um corpo que o define. Este corpo conceitual é determinado pela concepção que fundamenta a área de conhecimento e que, neste caso, segue a tendência da abordagem crítico-superadora, concepção que evidencia a natureza dos conteúdos tratados, definindo claramente que conhecimentos serão abordados.

SOUZA e outros (1992), diz "No Brasil, os trabalhos desenvolvidos na área de Educação Física de forma geral pautam-se na conceituação de corpo e de movimento, levando em consideração, na construção de seus conteúdos, aspectos fisiológicos e técnicos" Os PCN ressaltam a necessidade de se superar esses conceitos e baseiam-se em uma abordagem que engloba, além dos aspectos fisiológicos e técnicos, os aspectos socioculturais que caracterizam as pessoas, que interagem e se movimentam. Foram eleitos dois conceitos que pretendem nortear esse componente curricular. O primeiro deles é o organismo, definido como um sistema estritamente fisiológico, e o segundo é o corpo, que se relaciona dentro de um contexto sociocultural.

Com essas preocupações, a visão que se tem da Educação Física foi direcionada para a expressão de produções culturais e de conhecimentos historicamente acumulados e socialmente transmitidos. Em outras palavras, a Educação Física passou a ser entendida como uma cultura corporal de movimento, pois parte-se do pressuposto de que o movimento humano e o corpo adquirem significações que estão inseridas em um contexto social e cultural e que se modificam de acordo com os diversos momentos históricos de uma sociedade.

Nesse sentido, Educação Física, segundo o SEF-PCN de Educação Física (1996; p. 62) "busca garantir a todos a possibilidade de usufruir de jogos, esportes, danças, lutas e ginástica em benefício do exercício crítico da cidadania".

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(1) Foram aprovados pelo Conselho Nacional de Educação com o Parecer nº 03/97, da relatora Regina Alcântara Assis da Câmara de Educação Básica.
 

Autor deste artigo: Luiz Fernandes Geronimo - participante desde Sex, 21 de Maio de 2004.

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