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Edições Anteriores 174 Diversidade na Escola: Algumas Provocações

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Diversidade na Escola: Algumas Provocações PDF Imprimir E-mail
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Qua, 01 de Outubro de 2008 21:00
Karina Klinke
(Pós-doutoranda Dto. História IFCH-Unicamp
ADE/PPGE/CE/UFSM)
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Armar um tabuleiro de palavras-souvenirs.
Apanhe e leve algumas palavras como souvenirs.
Faça você mesmo seu micro tabuleiro enquanto jogo lingüístico.
Babilaque, pop, chinfra, tropicália, parangolé, beatnick, vietcong,
bolchevique, technicolor, biquini, pagode, axé, mambo, rádio,cibernética;

Celular, automóvel, buceta, favela, lisérgico, maconha, ninfeta, megafone, microfone, clone, sonar, sputinik, dada;

Sagarana, estéreo, subdesenvolvimento, existencialismo, fórmica, arroba,
antiquarios, motossera, mega sena;

Cubofuturismo, biopirataria, dodecafônico, polifônico,
Naviloca, polivox, polivox, polivox, polivox...

As escolas são compostas por pessoas e as pessoas se humanizam através dos usos das linguagens. Das diversas linguagens, expressas das mais diversas formas, através da expressão do corpo: a voz que fala, grita, assobia, vocifera, canta... movimentos que gesticulam, sentam, encenam, esbarram, acenam, acariciam, dançam, rodopiam, caminham, correm, piscam... São demonstrações de sentimentos, idéias, valores, conceitos, hábitos, costumes, nem sempre conscientes, portanto, nem sempre escolhidos. Mas não sejamos ingênuos, muitos deles são opções deliberadas que demonstram o que vai dentro daqueles que compõem as escolas: mulheres, meninas, homossexuais, homens, gagos, meninos, velhos, velhas, negros, gringos, pais, coxos, mães, índios, drogados, mulatos, avós, tios, tias, surdos, enteados, aparentados, cegos, conviventes, amigos, desempregados, vizinhos, parentes, delinqüentes ou o nome que quiserem dar a quem quer que seja que faça das escolas o que elas são. Arme um tabuleiro de palavras-souvenirs. Apanhe e leve algumas palavras como souvenirs. Faça você mesmo seu micro tabuleiro enquanto jogo lingüístico.

A História da Educação nos mostra que o papel da massificação da escolarização no Brasil no início do século XX foi de uniformizar os saberes transmitidos como parte do ideário de difusão da unidade nacional no Brasil, que já vinha sendo elaborada desde os tempos do Império, quando a situação política era de unidade de pensamento, de comportamento e de hábitos. Mas, como afirma Cynthia Veiga (2002, p.302) "é com a instalação da República que essa perspectiva vai-se consolidar de forma mais efetiva". Aliás, desde os anos setenta do século XIX, a elite intelectual brasileira já produzia o sentido de uma atualização de modernização do País, caracterizada por um esforço de universalização, permitindo se pensar a integração do Brasil na cultura ocidental. Segundo Lucia Lippi Oliveira (1990, p.85), "dentro dessa perspectiva universalista, por conseguinte, a nação não era vista como uma singularidade. O nacional correspondia à pátria, sendo esta o prolongamento da família. Tanto a pátria, como a família, deveriam proteger e integrar seus membros".

Nesta perspectiva, a criança, foco da esperança na conquista de uma integração nacional, deveria receber a proteção da família e, completos os sete anos de vida, caberia à pátria contribuir com o dever de educá-la. De modo que, o Estado era visto como a instância que coordenaria e unificaria os sujeitos através de sua educação escolar, vislumbrada como a fórmula para se conquistar a civilização em uma unidade nacional, rumo ao progresso.

Unificar a educação e homogeneizar a cultura eram, pois, símbolos do nacionalismo promovido no campo das artes, da política e da educação. Roque Spencer de Barros (1959, p.23) usou o termo ilustração para caracterizar aqueles homens "que queriam iluminar o país através da ciência e da cultura", divulgadores da crença de que "a educação intelectual era o único caminho legítimo para melhorar os homens". Consolidar a nação brasileira significava, nesta perspectiva, buscar a uniformidade dos comportamentos, dos hábitos, dos estudos, dos valores, como conquistas da civilização. Por isso a busca da uniformidade significava procurar uma identidade nacional e a unidade da nação brasileira. Para tanto, promoveu-se - para alcançar esta finalidade maior da educação - uma organização sólida para a instrução pública, na qual

A escola, enquanto instituição, define as condições de acesso ao saber, por meio de um sistema hierárquico de estabelecimentos melhores ou piores, com vencimentos maiores ou menores para os professores; estabelece também uma relação institucional com a população escolarizável, na qual a educação, antes de um direito, torna-se um dever de todos para com a nação.(VEIGA, 2002, p.316)

Isto quando, em nível mundial, difundia-se a educação popular moldada pela escola organizada em séries, baseada na classificação homogênea dos alunos, na existência de várias salas de aula e vários professores, em oposição à escola de um único mestre, que ensinava alunos com diferentes níveis de conhecimento, em uma mesma sala de aula. Desta feita, no interior do projeto republicano de educação popular brasileiro, a escola graduada foi implantada como Grupo Escolar, tornando-se seu símbolo. Símbolo da mitificação do poder da educação na regeneração da nação, de modo que os republicanos depositaram nela a esperança na consolidação do novo regime republicano. Assim sendo, o Grupo Escolar foi implantado como modelo de ensino ideal para alcançar as finalidades maiores da educação: alfabetizar as massas, moralizar e instruir a nação brasileira.

Este é o modelo de escola que vigora até os dias de hoje na Educação Básica, apesar da legislação em vigor dar autonomia para outras formas de organização escolar. A grande maioria das escolas continua se organizando em séries, com os conteúdos das disciplinas bem definidos e servindo de pré-requisitos para passar à série seguinte. E a finalidade maior da educação parece buscar atingir os anseios do movimento da Escola Nova de 1932, com outras nuances:

A escola moderna brasileira tem de ser, essencialmente uma escola de caráter. Aliás não é outra a finalidade a que se propõe, de modo geral, a escola moderna. Essa visa educar, e educar é formar caráter. De modo que, quando precisamos essencialmente não de saber, mas de moral, não de ilustração mas de qualidades, vem justamente apelo usarmos a escola nova, escola de formação integral do indivíduo, escola de formação social. (Maria dos Reis Campos, 1936, p. 279-280)

Pode-se perguntar, então, o que mudou? As pessoas que freqüentam as escolas mudaram, a sociedade mudou, a economia mudou, a qualidade de vida mudou. Mas por que, então, as pessoas que organizam e trabalham nas escolas continuam tentando fazer dela a mesma coisa que se fazia há cem anos? Por que era melhor? Por que estão presas a modelos? Por que as finalidades da escolarização permanecem as mesmas?

Seja qual for o motivo, fato é que o ideário escolanovista que revolucionaria a educação brasileira nunca se concretizou em sua totalidade. Novos Programas de Ensino foram proposto pelo País afora, novos métodos foram implementados, novos livros editados, cursos de formação de professores foram atualizados, conferências, simpósios e congressos debateram as antigas e as novas propostas de renovação e pouca coisa se alterou nas práticas escolares.

Talvez o que não tenha sido considerado a contento é que ao se abrir as escolas para as massas não se tenha considerado a diversidade das pessoas que as freqüentaria a partir de então. Não seriam mais as elites que estudariam nos colégios estaduais, mas também os netos e as netas de escravos, os filhos e as filhas das lavadeiras, das prostitutas, dos biscateiros, e mais meninas, na mesma proporção que os meninos, quando não mais. O que fazer com essas crianças? Trataram todos iguais em nome da igualdade de direitos.

Acontece que as pessoas são todas diferentes, têm heranças culturais, sociais, econômicas diferentes. E como a escolarização não consegue desenvolver, fundamentalmente, a mobilidade social, as escolas podem parecer justas num mundo clivado por fortes desigualdades sociais. Desigualdades que permanecem disfarçadas como se as escolas fossem instituições à parte da sociedade, aonde a vida é vivida para a escolarização mesma e não para a vida do cidadão no mundo. Separam-se, por exemplo, os livros para leitura das crianças em algumas escolas por série, geralmente selecionados conforme o tamanho do texto, e só se permitem que o alunado retire livros designados para sua série. As crianças que querem ler outros livros ficam limitadas. Como criar o gosto pela leitura diante deste policiamento?

As possíveis respostas a questões como esta, sempre atuais, são dadas há muito tempo por educadores e pesquisadores do campo da educação e dos estudos literários:

Só se pode despertar e desenvolver o gosto pelos livros, pondo-se ao alcance das crianças os livros que tenham prazer de ler e que são devorados, mal lhes caem nas mãos. E, com o acréscimo incessante dos livros que lhes satisfaçam ao gosto e ao interesse, e com o direito, de escolha, com que se lhes desperta o espírito crítico, pelas oportunidades de comparação, alarga-se o campo de suas leituras e, com elas, o horizonte mental e social dos alunos, adquire-se uma nova sensibilidade, resultante de um mundo de idéias e emoções diferentes das idéias e emoções do mundo em que vive, e multiplicam-se, através dos livros, como através do filme e do rádio, as possibilidades e os pontos de contato com a experiência humana. (Fernando de Azevedo, 1968, p.134)

Antes de Fernando de Azevedo, sobre leitura, tratando especificamente de meu campo de pesquisa, trataram também sobre a questão no Brasil, Ruy Barbosa (1890), Monteiro Lobato (1920), Cecília Meireles (1940), Paulo Freire (1950), Marisa Lajolo (1980), Regina Zilberman (1980), Magda Soares (1980), Graça Paulino (1980), Ezequiel Theodoro da Silva (1990), Izabel Frade (2000), Ana Galvão (2000), entre outros tantos. Autores que têm subsidiado os Parâmetros Curriculares Nacionais e que, embora estudados em nossos cursos de formação de professores, parecem não estar inspirando as práticas escolares.

Apesar de nossos colegas terem explicado a importância da leitura para o despertar do espírito crítico, da sensibilidade e da experiência humana, no cotidiano escolar observamos a manutenção do preconceito contra a diversidade de gostos, de saberes e de experiências que rompem com as possibilidades de desenvolvimento da criticidade, porque desvaloriza o ser em sua essência e quer transformá-lo em um outro ser: o aluno ou a aluna nos moldes da escola. Daquela escola da qual falávamos no início deste ensaio, formatada em um modelo que não condiz com a sociedade atual, nem com a economia atual, nem com a política atual. Ainda em nome da "igualdade de oportunidade".

Acontece que a expressão "igualdade de oportunidade", utilizada à revelia nos discursos políticos e nos planos de governos desde a Primeira República, coloca ênfase no comum, no mínimo necessário quase exclusivamente para continuar a escolarização, finalidade do Ensino Fundamental. No Ensino Médio, os objetivos da "igualdade de oportunidade" se voltam para o mundo do trabalho, seja em cursos profissionalizantes, seja em cursos superiores. No Ensino Superior, os objetivos são "igualdade de oportunidade" para ser um profissional competente. Ou será competitivo? Ou competitivo será na pós-graduação?

O mundo do trabalho da atualidade não oferece igualdade de oportunidades, esta é a questão. E a escolarização também não. Primeiro porque as escolas não são iguais, são diferentes. Querer negar esta realidade é uma falácia. Segundo porque as pessoas que a compõem são diferentes, têm interesses diferentes na escolarização. Isto precisa ser levado em conta ao procurar escolarizá-las. É preciso perguntar aos sujeitos da escola o que eles querem dela para entender o que eles vieram buscar. Talvez para entender que a diversidade de interesses não é nenhum "problema", mas uma realidade a ser trabalhada nas escolas.

A partir do pressuposto de que há diversidade nas escolas, diversidade de pessoas que a compõem e dos interesses dessas pessoas pela escolarização, ficam mais compreensíveis os porquês da violência nas escolas, da ocultação da má qualidade do ensino, do estreitamento das relações entre educação e trabalho, as tentativas de flexibilização curricular e sua conseqüente inclusão excludente, a prioridade postergada das políticas de formação de professores e outras questões pertinentes aos atuais debates sobre os desafios da qualidade na educação escolar.

As escolas, como instituições sociais, não são lugares à parte da sociedade como ingenuamente (ou maldosamente) querem fazer acreditar muitos de seus agentes. Espaços idílicos como se fossem poemas dadaístas nos quais se amontoam palavras desconexas que passam a compor um poema pelo simples fato de estarem ali reunidas para sua composição. Não, as escolas são espaços que devem ser constituídos com respeito às claras funções que devem desempenhar, mas estas devem ser definidas com clareza por aqueles que a organizam, a atual legislação dá possibilidade para isso e não está sendo bem utilizada com esse fim. O tempo utilizado nas escolas, da mesma forma.

As pessoas que compõem as escolas são diferentes, estão mostrando isso das mais diversas formas, e precisam ser ouvidos, lidos, percebidos, respeitados. Esta é a tão deseja Gestão Democrática prevista na legislação sobre educação. Todos nós que somos e seremos (licenciandos) professores e professoras precisamos assumir nossos papéis e apresentar aos demais sujeitos envolvidos com as escolas seus papéis. Nós somos (ou seremos) os/as especialistas em educação e cabe a nós convocarmos os demais à reflexão: Por quê escolarizar? Para atender a qual/quais finalidade(s)? Como escolarizar? Quando? Quem?

Porque se os/as licenciados, especialistas em educação, não fizerem isso, outros o farão, têm feito administradores de empresas, políticos e outros curiosos há mais de um século. E os resultados não têm sido a contento dos objetivos educacionais tão caros a nós, comprometidos com a educação.

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i Remix Século XX. Composição: Adriana Calcanhoto / Waly Salomão.
ii Lima Barreto, Eduardo Prado, Rui Barbosa, José Veríssimo, Barão do Rio Branco, Joaquim Nabuco, Afonso Arinos, Afonso Celso, Araripe Júnior, Quintino Bocaiúva, Euclides da Cunha, Silvio Romero, Gilberto Amado, Monteiro Lobato, entre outros autores que produziram seus trabalhos entre 1870 e 1914.
iii Cf. SOUZA, Templos de civilização, 1996.
iv Refiro-me aos artigos do número especial da Revista Educação & Sociedade n. 100, v. 28, 2007.

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Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Fernando de. A educação e seus problemas. 4ª edição. São Paulo: Melhoramentos. 1968.
BARROS, Roque Spencer Maciel de. A ilustração brasileira e a idéia de universalidade. São Paulo: Ed. USP, 1959.
CAMPOS, Maria dos Reis. Escola Moderna: conceitos e práticas. 2ª edição. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1936.
REVISTA Educação & Sociedade. Campinas. v. 28, n. 100 - Especial , p. 641-1274, out. 2007.
OLIVEIRA, Lúcia Lippi de. A questão nacional na primeira república. São Paulo: Brasiliense, 1990.
SOUZA. Rosa Fátima de. Templos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no Estado de São Paulo (1890-1910). 1996. (Tese de Doutorado em Educação). Faculdade de Educação, Universidade do Estado de São Paulo, 1996.
VEIGA, Cynthia Greive. Cidadania e educação na trama da cidade: a construção de Belo Horizonte em fins do século XIX. Bragança Paulista: EDUSF, 2002.



 

Autor deste artigo: - participante desde Qui, 02 de Maio de 2024.

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