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Do Sopro se Faz a Ventania: A América Latina diante das Políticas Neoliberais PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Fabiana Soares Mathias   
Sex, 25 de Abril de 2008 21:00
Do Sopro se Faz a Ventania: A América Latina diante das Políticas Neoliberais
Introdução

Este trabalho objetiva analisar e expor brevemente como alguns países latino-americanos, dando certos enfoques a Brasil e Uruguai, resistiram ou adaptaram as ações do Estado em uma lógica de racionalização de recursos, privatizações e de esvaziamento do poder das instituições públicas em detrimento da ação da sociedade civil ou de organizações não-governamentais, ou seja, se adequaram a onda neoliberal, bem como demonstrar os seus reflexos nas áreas sociais destes países, como na educação, por exemplo.

O presente estudo é um recorte da dissertação em desenvolvimento no Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, nomeado "Um estudo comparativo da trajetória de afirmação do direito e da universalização da educação obrigatória no Brasil e Uruguai".

Por que América Latina?

A América Latina possui uma grande pluralidade de modelos e regimes políticos, mas também intensas semelhanças no que se refere ao seu cenário de injustiças sócio-econômicas e sua constante busca pela efetiva democratização. A existência de um sistema normativo e legal, a livre expressão e o pluralismo político não garantem nestes territórios transparência e eqüidade no funcionamento de seus sistemas políticos. Os países latino-americanos, por vezes, deixam desprotegidos a concretização da cidadania e aumentam a distância existente entre a administração pública e o cidadão pleno de seus direitos civis.

O Estado no qual apoio este estudo para analisar o que há entre o Estado real, ideal e o Estado mínimo neoliberal é o apresentado por Bobbio (1982) através de um conceito gramsciano:

O Estado não é um fim em si mesmo, mas um aparelho, um instrumento; é o representante não de interesses universais, mas particulares; não é uma entidade superposta à sociedades subjacente, mas é condicionado por essa e, portanto, a essa subordinado; não é uma instituição permanente, mas transitória, destinada a desaparecer com a transformação da sociedade que lhe é subjacente. (Bobbio, 1982, p.23)

Para Wood (2003) "o Estado exige o cumprimento de certas funções sociais comuns que outras instituições menos abrangentes - lares, clãs, famílias, grupos, etc. - não têm condições de executar" (WOOD, 2003, p.37). Ou seja, os conceitos de Gramsci e Wood se complementam na medida em que este Estado exposto não é somente um organismo de função administrativa, mas de materialização da ação política que reflete os interesses individuais, e por vezes, comuns; que depende da ação dos espaços representativos políticos, mas também, principalmente, das classes dominantes. Portanto, quando Wood (2003) "delega" ao Estado a responsabilidade pela ação social pretende mostrar este como um dos atores responsáveis pelas ações políticas.

Para entender como se desenvolveram as políticas neoliberais na América Latina é importante inicialmente compreender com que conceito de Estado se está trabalhando para depois entender de que forma o neoliberalismo conseguiu ter penetração neste território. Em cada território nacional da América Latina o Estado se apresentará em um formato diferente, representando seu campo político , sendo reflexo dos anseios, das lutas e em grande parte de um modelo coercivo político onde quem vence a luta classista ainda é a parcela burguesa da sociedade.

Neste momento do trabalho uso o exemplo do Estado unitário uruguaio para compreender como este se constitui e como ele se comportou diante de algumas propostas neoliberais.

No Estado unitário uruguaio o país é governado por unidade única, ou seja, o poder político é democraticamente eleito, o governo pode ser transferido para níveis inferiores (hierarquicamente), mas o governo central detém o direito/dever de tomar e delegar as decisões tomadas. Cabe entender que quando se menciona a idéia de estado unitário não se pode pensar que este se constitui em um estado antidemocrático de regime autoritário, por mais que a idéia da centralização decisória seja confundida com falta de autonomia.

Os governos autoritários se dão exclusividade através do poder de uma única "autoridade governamental e diminuem de forma mais ou menos radical o consenso, concentrando o poder político nas mãos de uma só pessoa ou de um só órgão e colocando em posição secundária as instituições representativas" (STOPPINO, 2003). É, portanto, quase inevitável considerar um estado autoritário como um estado antidemocrático e que, portanto, impede a assunção do direito a representatividade direta e indireta, bem como o acesso aos direitos políticos, sociais e, por muitas vezes, humanos.

Portanto, se entendêssemos o Uruguai como um estado antidemocrático por ser unitário não seria possível que o povo participasse diretamente na intervenção de políticas a serem assumidas pelo governo central.

Propostas de privatização de empresas e serviços públicos, fruto de políticas neoliberais no Uruguai, por exemplo, não seriam discutíveis no nível da sociedade civil a ponto de impedir algum processo de venda à iniciativa privada de empresas públicas.

O caso brasileiro se torna delicado de ser analisado, pois se constitui de muitas nuances em sua organização política, ideológica e social no que consta a solidificação da democracia e sua efetividade. Ao mesmo tempo em que este é um país na qual após um período de supressão de direitos sociais e políticos foi restaurado o direito ao voto, a liberdade de expressão, é um país em que este mesmo direito de voto não condiciona a plenamente a representação das necessidades sociais, políticas e econômicas do povo em geral. Ao mesmo tempo não podemos dizer que o Brasil é um país antidemocrático num todo.

No Brasil, as privatizações de empresas estatais ocorridas durante o governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), por exemplo, foram decididas "de cima para baixo" e mesmo sobre diversas pressões de movimentos populares em contraposição a essas políticas aqueles que deveriam representar a vontade popular, pelo menos ao que consta dos partidos da direita, nada fizeram para repudiar a essas políticas.

No caso do Uruguai, a estatal de telecomunicações ANTEL teve mediante um plebiscito popular seu processo de privatização impedido, em 2003 e no mesmo ano a população recusou nas urnas a liberalização do setor energético para fins de privatização. Em 2004, o governo aprovou a emenda constitucional que considera "a água um recurso natural essencial para a vida" e que o acesso a ela e a todos os serviços de saneamento são "direitos humanos fundamentais". Desta forma, ficou impedida toda e qualquer possibilidade de privatização de serviços como os de fornecimento de água e saneamento básico. Essa interferência, entendida como um direito subjetivo e efetivada através do poder do referendo, previsto pela própria Constituição uruguaia e por se tratar de uma prática política que representa diretamente a vontade política popular faz do Uruguai um país que está mais adiantado do que o Brasil no critério de efetividade democrática ao menos, no que diz respeito à participação popular.

Na América Latina, o projeto neoliberal foi originário da crise do capitalismo dos anos 1960 e mesmo que a lógica neoliberal só tenha sido sentida realmente por volta dos anos 1990, foi no período da crise do capitalismo de 1960 que através dos fundamentos anticomunistas da Guerra Fria, do repúdio as políticas keynesianas que o neoliberalismo ia moldado o território latino-americano aos seus interesses. Obviamente não julgo que houvesse um interesse claro dos políticos do período em nomear a onda de reestruturação social, política e econômica de neoliberalismo, mas sim que esta região ia se moldando a ideologia de concepção social democrata.

De acordo com Rosenmann (2006):

As propostas keyneianas só não encontraram concorrências nos anos 50 e 60 em razão da dinâmica expansionista que o capitalismo central demonstrou depois de assumidas as recomendações intervencionistas. O acesso das classes sociais menos favorecidas ao consumo de bens favoráveis ao aumento da demanda devido ao maior poder aquisitivo dos salários mostraram uma fisionomia amável do capitalismo. Este, dizia-se, havia superado os limites de um sistema excludente e desumano.

O otimista generalizado no progresso e na revolução técnico-científica era um argumento consistente para demonstrar essa hipótese. (ROSENMANN, 2006, p.848-849)

No entanto, esse período de promessas logo daria espaço através dos anos 1980 e 1990 de uma face mais verdadeira das tendências e ideais do neoliberalismo. Diferentemente do pensamento liberal original progressista, o neoliberalismo surgiu como "uma doutrina reacionária, que condicionava legitimação da sociedade burguesa à ilegitimação do projeto socialista.". (ROSENMANN, 2006, p.850)

Na América Latina o neoliberalismo se estabeleceu interferindo na superestrutura de vários países que modificavam suas constituições e proporcionavam uma involução política antidemocrática. A crise da dívida externa dos anos 1980 representou a "desculpa perfeita" para apresentar o neoliberalismo como a solução para os problemas sociais dos países latino-americanos, com idéias como: privatização, Estado mínimo , redução de barreiras alfandegárias e flexibilização do mercado de trabalho. Dessa forma, as "características excludentes e antidemocráticas das políticas neoliberais e a descapitalização pelo pagamento da dívida externa" (Rosenmann, 2006) funcionaram como catalisadores para a ampliação do abismo sócio-econômico em todos os países da América Latina, no período dos anos de 1990 os índices de pobreza para o conjunto da região superaram os 44%.

Em resposta a estes resultados, organismos como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial justificavam esses reflexos como parte de um movimento de crescimento que aconteceria no futuro para todos e apelaram para pactos de responsabilidade de ajustes estruturais pelos quais os trabalhadores acabariam por aceitar a insubordinação a lógica de arrocho salarial, demissões em massa e privatização como suas contribuições na etapa de globalização produtiva.
O neoliberalismo encontrou acolhimento e brechas para coerção em governos das mais diferentes ideologias: democratas cristãos, conservadores, progressistas, social democratas e socialistas. Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso (Brasil), Patrício Alwyn (Chile), Carlos Andrés Pérez (Venezuela), Carlos Salinas de Gortari (México), Carlos Menem (Argentina), José Maria Sanguinetti (Uruguai), Alberto Fujimori (Peru) são o presidentes mais lembrados como os instituidores das políticas neoliberais. No caso uruguaio o governo "Blanco" de Luis Alberto Lacalle (1990-1995) foi um dos grandes responsáveis pela implantação das políticas neoliberais, gestão claramente neoliberal que possuía várias semelhanças com as de Menem na Argentina e Fernando Collor no Brasil, ambas ocorreram por volta do mesmo período. Foi no governo Lacalle que aconteceram as tentativas frustradas de privatização e a sua propaganda mais incisiva.

Muitos países deste território, uns em maior outros em menor grau, assumiram a lógica neoliberal, dos quais os denominadores comuns mais marcantes podem ser mencionados como dois: a dependência do FMI e Banco Mundial para que estes determinassem os limites e rumos da gestão das políticas sociais e, consequentemente, o próprio desfinanciamento das áreas sociais.

Os resultados do neoliberalismo foram claros e bastante impactantes através dos anos 1990 e 2000. Na Argentina 3 milhões de crianças vivem ainda agora em condições de pobreza. Na Bolívia 85% da população rural encontra-se abaixo da linha de pobreza e mais de 1/3 da população não tem acesso a serviços de saúde. No Brasil cerca de 48% das famílias encontram-se abaixo da linha de pobreza, já na América Central isso ocorreu com quase 75% da população. Na Colômbia esse índice alcançou 42% enquanto no Uruguai chegou a alcançar ¼ da população total. Neste período o setor de trabalhos informais na América Latina saltou de 40% para 60%, resultado das políticas de flexibilização do trabalho que interferiram nas leis e direitos trabalhistas adquiridos em anos de luta dos movimentos operários locais. A renda nacional per capita no México caiu de 12,4% entre 1980 e 1990. Entre 1982 e 1988 o salário médio mexicano teve uma redução de cerca de 40% e não voltou a crescer. Rosenmann (2006).

Estes dados demonstrações dos reflexos do neoliberalismo na América Latina, mas por mais que sejam números bastante emblemáticos deste fator, ainda não são o reflexo real de cada uma das pessoas que foram atingidas diretamente pelas políticas de exclusão, tendo seus direitos sociais atacados e seus espaços na sociedade fortemente reduzidos. As lógicas que se anexavam ao neoliberalismo também assumiam os mesmos moldes do capitalismo "antes dele", privilegiando a competição acirrada, a transmutação/transposição de valores humanos pelos do mercado e a transformação dos homens e mulheres em números nas pesquisas como se todas as necessidades humanas pudessem realmente ser calculadas.

A democracia e a lógica neoliberal no Brasil e Uruguai - uma questão

As histórias latino-americanas passaram por momentos semelhantes de autoritarismo advindos de um Estado sob regime ditatorial civil-militar instaurado nos períodos de 1960, 70 e 80, mas também por um período de redemocratização gradual instaurado no findar dos anos 1980 fruto do desgaste dos governos militares diante da opinião pública e da imposição de movimentos sociais exigindo eleições diretas.

Mesmo diante da afirmativa sobre um Estado democrático restaurado em ambos os países, é importante questionar se a redemocratização foi apenas no sentido da recuperação do direito ao voto direto e da liberdade de expressão, por exemplo, ou apoiou-se também no conceito da democracia como assunção de direitos de acesso, igualdade, condições de uma vida justa, de participação direta e indireta nas decisões e no desenvolvimento social do país como forma de construir um panorama para o entendimento da assunção dos direitos sociais no caso a educação.

Segundo Touraine (1998):

A democracia no início de sua história moderna foi fundada como esperança num futuro melhor. Durante dois séculos ou mais, a idéia democrática foi inseparável daquela de revolução - ou de um conjunto de reformas profundas - por meio das quais seriam eliminados os obstáculos à entrada numa sociedade moderna que seria ao mesmo tempo racionalmente organizada, protetora dos interesses por todos corretamente entendidos e socialmente justa, uma vez que se fundava sobre um princípio absoluto de igualdade.(Touraine, 1998, p.15)

Utilizar a idéia que Touraine (1998) traz de democracia é importante na medida em que ele se utiliza do ideal de princípio absoluto de igualdade e este é um princípio essencial para compreender como se forma o espaço de direito à educação, por exemplo. A idéia de democracia como um fenômeno que se desenvolve sobre os ideais da república, garante a soberania do poder popular um "poder supremo" derivado do povo e se torna "representativo" no espaço do Estado, conforme Bobbio (2003).

Os conceitos que se referem à democracia como tomada de direitos ou como participação são complementares, mas distam quando o foco é a efetividade, porque o empoderamento de direitos políticos pode não estar seguido da execução destes direitos. É importante, portanto, diferenciar propostas democráticas que existem no plano real e no ideal, pois ao analisar as propostas de uma educação uruguaia e brasileira, é importante entender que a educação é construída cotidianamente e através de esforços dos mais amplos setores políticos, sendo assim, da mesma forma que o acesso à educação se torna uma das condições para a garantia do direito de cidadania é necessária a efetivação do acesso à educação e sua universalização, de forma que o espaço escolar se torne um espaço democrático. Portanto, ações como de retirada do Estado da oferta de ensino público, como propunha o neoliberalismo, seriam um grande exemplo de políticas anti-democráticas.

O Estado brasileiro e uruguaio, por exemplo, são segundo O´Donnell (1998):

"democracias políticas onde se realizam eleições competitivas, os indivíduos podem criar ou participar livremente de organizações, há liberdade de expressão, os cidadãos são portadores de direitos e obrigações que derivam de seu pertencimento a uma comunidade política e de lhes ser atribuído certo grau de autonomia pessoal e, de responsabilidade por suas ações" (O´Donnell, 1998, p.38)

Ou seja, são poliarquias onde existem no espaço político de ambos os países um estado de acesso e, por vezes, garantia de direitos, mas que ainda não é pleno no que consta a efetivação (aplicação destes direitos para construção da educação democrática). Ambos os países se mostram regidos por uma democracia política que em menor ou maior grau não alcança a igualdade de acesso e cumprimento de direitos e oportunidades plenamente.
O Brasil e Uruguai tiveram histórias diferentes no que tange a intervenção dos organismos internacionais para a determinação das reformas educacionais. Sob a "desculpa" de propostas que garantiriam a melhora no acesso, equidade e qualidade na educação o Brasil se viu mais exposto e encurralado por um governo social democrata e pelo discurso de organismos internacionais, nos anos 1990, a permitir as reformas. Ao contrário o Uruguai não possuía índices de escolarização e de produtividade que permitissem apoiar-se nesta desculpa.

O Brasil, através de políticas públicas à educação, poderia desenvolver uma educação de maior qualidade; no entanto, devido ao governo federal eleito representar um dos maiores aliados das políticas neoliberais na América Latina a assunção do pacote de reformas do BIRD, foi assumida como a única alternativa para a manutenção e o desenvolvimento da educação.

No Brasil, o pacote de reformas proposta pelo BIRD foi amplamente implantado pelo governo FHC, que estabeleceu as seguintes propostas: a prioridade de investimentos sobre a educação básica; o privilégio a formação docente em serviço em detrimento da inicial; a priorização do custo para os programas e políticas públicas educativas em detrimento da lógica de custo-qualidade; a convocação da comunidade escolar para assumir a função que deveria ser dos funcionários públicos concursados; o incentivo ao setor privado e organismos não-governamentais para agirem como responsáveis pela educação pública e pelos recursos públicos destinados a educação pública, entre outros aspectos.

Segundo Altmann (2002):

A proposta do governo apresentada por Fernando Henrique Cardoso na sua primeira candidatura à Presidência da República, em 1994, já apontava para as novas perspectivas educacionais a serem adotadas no país. Segundo ele, os maiores obstáculos da escola elementar brasileira eram as taxas de repetência do sistema e o brutal desperdício financeiro e de esforços a ela vinculados. As medidas propostas para a educação incluíam, entre outras: a redução das taxas de responsabilidade do Ministério da Educação como instância executora; o estabelecimento de conteúdos curriculares básicos e padrões de aprendizagem; a implementação de um sistema nacional de avaliação de desempenho das escolas e dos sistemas educacionais para acompanhar a consecução das metas de melhoria da qualidade de ensino. (ALTMANN, 2002, p. 81-82)

Nos anos 1980 e 1990, período de redemocratização em países como Brasil e Uruguai, bem como em grande parte de países na América Latina, as políticas neoliberais encontraram um terreno fértil devido a fragilidade de sedimentar ou reformar um modelo político democrático que realmente (r)estabelecesse um Estado forte. O modelo neoliberal buscava instaurar suas políticas no mundo inteiro dando novas formas a vários setores públicos sob os discursos de um modelo mais participativo, eficiente e avançado que criaria um novo Estado mais de acordo com as lógicas mundiais de progresso, mercado e capital. No caso do Uruguai grande parte das políticas direcionadas para a educação representou uma desestabilização do financiamento e nas políticas públicas para a educação bombardeando a etapa de ensino médio e priorizando a educação primária.

Nos anos 1990, todas as políticas esbarravam num mundo que estava modificando sua política financeira; o capitalismo, sob uma possível crise , adquiria um novo caráter, o mundo aproximava suas fronteiras através da globalização da informação (e do mercado também), mas se distanciava ao mesmo tempo, pois a crise econômica e a instabilidade entre os mercados não abalavam a todas as economias da mesma forma os países de economias ascendentes ainda eram os mais atingidos.

A lógica da globalização não era a do discurso da igualdade de acesso à tecnologia, informação e desenvolvimento. A lógica da globalização imprimia no mundo a redefinição ou reestruturação do imperialismo num processo que delineava novas formas de expansão das grandes potências e a criação de novos mercados de consumo e de mão-de-obra senão escrava pelo menos muito barata, privilegiando, principalmente, os Estados Unidos. (CASANOVA, 2005, P. 66)

Com esse processo de dependência externa e interna o Brasil entrou em uma a crise fiscal durante os anos 80 e teve que ir em busca de um novo arranjo para sua estrutura econômica e política que proporcionasse um "alívio" às responsabilidades do Estado central para com as demandas dos governos subnacionais; desta forma, criou-se um ciclo em que a União recentralizaria os recursos fiscais em suas mãos e, partindo disso, repartiria com os outros organismos da federação (estados e municípios) a responsabilidade para com os investimentos públicos e a gestão de recursos.

No decorrer dos anos 1980 até os anos 2000 quase todos os países da América Latina iniciaram reformas educacionais advindas de um processo de indução externa articulando as políticas de organismos internacionais de empréstimos e conseqüente dependência econômica e política para os países da região. Pesquisas desenvolvidas por estes mesmos organismos eram tidas como justificativas as ações e interferências. (FINNEGAN; PAGANO, 1997)

Segundo Sader (2003), o regime democrático não teve influência na formação de um sistema econômico dependente. O governo democrático foi fruto de reivindicações e surgiu como um movimento bastante intenso diante de anos de regime ditatorial. Assumir, portanto, que o Estado democrático é responsável pela crise do capitalismo é concordar com a lógica de Hayek (1984), na qual o Estado democrático é o responsável pela crise e ineficiência administrativa pública, já que em um contexto democrático os representantes do povo atendem aos reclames populares e não as necessidades do mercado, para ele o real agente das ações sociais.

As idéias de Hayek, um dos arautos da doutrina neoliberal, serviram de base para defender as ações que levaram a onda de privatização de grande parte dos espaços públicos estatais, não apenas na educação, mas em vários outros setores de serviços públicos como da saúde, telecomunicações e energia elétrica.

Segundo Finnegan e Pagano (1997):
Tornaram-se comuns os marcos de referência das políticas educacionais dos países latino-americanos que produzem as orientações dos organismos internacionais de assistência técnica e financiamento, como FMI, OEA, BID, Banco Mundial, Cepal, PNUD. Para realização da meta de "Mais e Melhor Educação para Todos", esses países adotam um conjunto de eixos: "ampliação da obrigatoriedade escolar, a partir da modificação estrutural de níveis de ensino; renovação curricular; formação docente contínua; inovação nos estilos de gestão (específicamente destinada aos supervisores e diretores) e a avaliação permanente da qualidade da educação." (FINNEGAN e PAGANO, 1997, p. 76)

A corrente neoliberal não desestabilizou o Estado brasileiro e uruguaio, nem a materialização de suas políticas e demandas, desta forma não se instalou com toda a potencia pretendida em ambos os países. Os governos dos presidentes Fernando Collor de Mello e Itamar Franco abriam fortes espaços ao capital internacional, mas foi durante os dois mandatos de FHC (1994-1997 e 1998-2001) que o pensamento liberal unido à lógica de menos Estado, mais capital, seguiu o modelo à risca: houve o chamado ajuste fiscal, busca pela estabilidade da moeda, a privatização de empresas estatais, abertura dos mercados ao capital internacional, apoiado também no discurso do aumento no número de empregos, mas que causou um massacre às pequenas e médias empresas (pouco competitivas) que não recebiam todos os incentivos fiscais que as multinacionais recebiam do governo nacional.

Segundo Sader:

A etapa seguinte foi aberta pela crise mexicana de 1994 e definitivamente instaurada com a crise asiática de 1997, seguida pela Rússia em 1998 e pela brasileira em janeiro de 1999. A passagem do capitalismo norte-americano para um novo ciclo recessivo, a partir de 2001, dá a essa etapa um tom acentuado de limite, de esgotamento do potencial hegemônico, com reflexos previsivelmente duros sobre a economia mexicana (...) e o resto do continente." (SADER, 2003, p. 107).

O discurso da estabilidade se desfez na instabilidade financeira a que foram acometidas a economia brasileira pelo endividamento público e nas economias de mercado que não favoreciam mais a atração de capitais. (Sader, 2003) O Brasil sofreu os efeitos das políticas neoliberais de privatização do patrimônio público, ou seja, bens de direito do povo e que prestavam serviços de grande necessidade a população como bancária, fornecimento de luz, água e telefonia. Outro sintoma da política neoliberal foi a redução dos empregos formais e, consequentemente, o aumento do mercado informal de trabalho. O Uruguai aderiu nos anos 1990 às reformas políticas de abertura econômica e redução do papel do Estado, mas essas mudanças foram menos bruscas do que em comparação ao Brasil.

4. Considerações finais

Ao mesmo tempo em que meu interesse pela história política e educacional da América Latina crescia também percebi uma crescente atenção por parte de organismos internacionais em discutir problemas e soluções para o desenvolvimento da América Latina. Foi através do interesse destes organismos internacionais que comecei a entender qual a real função das pesquisas em educação para estes organismos. É importante, portanto, que haja estudos acadêmicos que privilegiem o território latino-americano como objeto de pesquisa de forma que seja possível entender a condição política, educacional ou histórica latina sob o olhar de quem vive a condição política, educacional e histórica latina.

O panorama de injustiças sociais sustentado sob um espaço político cuja democracia havia sido restabelecida recentemente, já que na grande maioria dos países latino americanos haviam saído de ditaduras militares apenas nos anos 1980, bem como a assunção do poder de governos social-democrata formaram o espaço ideal para a sustentação de políticas neoliberais na América Latina.

No Brasil, a partir do governo FHC (1994-2002), as políticas neoliberais seriam modelo para grande parte das ações políticas do governo federal e grande influência aos governos estaduais e municipais na criação de programas e políticas públicas para todos os setores. O governo Fernando Henrique privatizaria grande parte das empresas estatais nos setores mais estratégicos para a economia nacional, como telecomunicações, minas e energia e transportes, deixando o Brasil sob a dependência do capital e serviços estrangeiros. A educação nacional pautou quase totalmente as políticas públicas bem como a otimização de seus recursos, para investimento em educação nos planos e políticas neoliberais pautados por organismos como o Banco Mundial, fragilizando futuramente a educação e as políticas públicas que seriam criadas pelas próximas gestões. A educação pública evoluiu muito no que concerne ao acesso a educação pública obrigatória (ensino fundamental), mas também não mostrou crescimento significativo em índices como permanência e conclusão dos estudos.

O Uruguai também foi alvo das políticas neoliberais, no entanto, devido a que a intervenção popular nas decisões de privatizar empresas públicas foi bastante categórica recusando as ações do governo local e a influência exterior o neoliberalismo não encontrou muito espaço no território uruguaio como no brasileiro. Devido ao fatos dos índices de escolarização e produtividade no Uruguai terem evoluído no decorrer dos anos 60 atingindo altos índices de acesso, universalização, permanência e conclusão, as políticas neoliberais e a justificativa para sua implantação não encontraram um panorama plausível no Uruguai; dessa forma, a educação neste país não sofreu o mesmo impacto que a brasileira, mas sofreu muito impacto mesmo assim!

O modelo neoliberal não trouxe o desenvolvimento que propunha, mas ao contrário, as suas estratégias intensificaram o crescimento do abismo sócio-financeiro entre as camadas de mais baixa renda da sociedade e as camadas que acumulam a maior parte das riquezas do país.
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"O campo político define um campo de produção ideológica que determina a cultura política e condiciona a formação discursiva, tanto da autoridade de falar, a competência política, como do capaz de ser pensado politicamente" (SERNA, 1999, p.51)
O Estado mínimo, a principal bandeira da política neoliberal, propõe/impõe um novo modelo de Estado sob a justificativa que a crise do capital está sobre o próprio Estado e não na fragilidade e nas ações do mercado. O Estado mínimo, portanto, é a retirada do Estado das ações e políticas públicas estatais como a gestão dos serviços públicos como no caso da educação, saúde, transporte e rodovias, luz, telefonia, etc.

Conceito de empoderamento (empowerment) é bastante utilizado para nomear a tomada de direitos através da percepção analítica e da participação ativa da sociedade de forma a assumir o poder da cidadania.

A crise do capitalismo abriu caminho ao modelo neoliberal , e foi uma estratégia para superar a crise do modelo econômico que não mais sustentava (acompanhava) o crescimento do mercado financeiro. A crise portanto caracterizou-se pela releitura do modelo de relações trabalhistas, das organizações de mercado e empresariais, das relações internacionais, entre outros fatores.

Crise nos cofre públicos que tem como sua principal causa o endividamento interno e externo que deu sustento ao modelo econômico assumido no final dos anos 80.

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Referências:
ALTMANN, Helena. Influências do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro. In: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 28, n.1, p.77-89, jan./jun. 2002.
BOBBIO, Norberto. Democracia. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2003.
BOBBIO, Norberto. O conceito de sociedade civil. Rio de Janeiro: Graal, 1982.
CASANOVA, Pablo Gonzáles. O imperialismo, hoje. Tempo, Rio de Janeiro, n. 18, p. 65-75.
FINNEGAN, F. e PAGANO, A. La política educativa oficial y la exclusion socioeducativa em Argentina. Contexto e Educação, Ijuí: Unijuí, jul/set. 1997, no. 47.
O´DONNELL, Guillermo. Poliarquias e a (in)efetividade da lei na América Latina. In: MENDEZ, Juan, O´DONNELL, Guillermo, PINHEIRO, Paulo Sergio (Org.) The rule of law and the unprivileged in Latin América. Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1998.
PERONI, Vera M. Mudanças na configuração do Estado e sua influência na política educacional. PERONI, Vera M. V.; BAZZO, Vera L. e PEGORARO, Ludimar. Dilemas da educação brasileira em tempos de globalização neoliberal: entre o público e o privado. Porto Alegre: Editora UFRGS, 2006.
SADER, Emir. A vingança da história. São Paulo: Boitempo, 2003.
SADER, Emir. (Org.) Latino Americano: Enciclopédia sobre a América Latina e Caribe. 2006.
SERNA, Miguel. Rupturas e fissuras na cultura política democrática uruguaia. In: BAQUERO, Marcello. (Org.) Desafios da democratização na América Latina: debates sobre cultura política. Porto Alegre: UFRGS, 1999.
STOPPINO, Márcio. Autoritário. In: BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2003.
TOURAINE, Alain. Igualdade e diversidade: o sujeito democrático. Bauru: EDUSC, 1998.
WOOD, Ellen Meiksins. Democracia contra o capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo, 2003.

 

Autor deste artigo: Fabiana Soares Mathias - participante desde Seg, 11 de Fevereiro de 2008.

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