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Se cada um diz o que pensa, cada um pensa o que diz? Percepções da juventude acerca do mundo do trabalho PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Anália Bescia Martins de Barros   
Qua, 02 de Abril de 2008 21:00
Se cada um diz o que pensa, cada um pensa o que diz?
Percepções da juventude acerca do mundo do trabalho.

Introdução
O presente artigo, objeto de conclusão da Disciplina entre a formação e o trabalho: trajetórias e identidades profissionais, ofertada pela professora Naira Franzoi, tem por objetivo fazer um leitura das opiniões de jovens que participaram do II módulo do Consórcio Social da Juventude, do Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), Programa Primeiro Emprego, e que foi executado em Porto Alegre por um consórcio de entidades que teve como âncora a Escola Técnica Júlio César de Mesquita, no ano de 2006.

Os jovens atendidos compõem o perfil definido pelo Programa: ter entre 16 e 24 anos, nunca ter trabalhado com carteira assinada, ter concluído o ensino médio e/ou estar vinculado a escola, além de outros critérios de vulnerabilidade econômica e social.

Os cursos ofertados foram: Atendimento ao público, Educadores Populares, Garçom e Garçonete, Auxiliar de Escritório, Serralharia, Manutenção e Conserto da rede de telefonia (cabistas). Foram 40 horas aulas com cada turma, além das atividades gerais de formação. Eles aconteceram na cidade de Porto Alegre (100 alunos) e na região metropolitana, nas Cidades de Viamão (25 alunos) e Eldorado do Sul (50 alunos).

O presente artigo é resultado da minha experiência como educadora da Fundação Solidariedade, durante o Consórcio Social da Juventude em 2006 (trabalhando com o componente curricular OST – Organização Sustentável do Trabalho) e 2005 (através de oficinas com os jovens sobre as relações sociais de gênero e o mundo do trabalho) e de várias experiências como professora da Rede Pública Estadual, onde as questões referentes às expectativas, sonhos, necessidades desses jovens sempre despertaram minha curiosidade; além de outras experiências através das atividades de formação desenvolvidas através do Instituto Popular Porto Alegre, instituição da qual participo.

Pretendo no presente artigo construir um diálogo entre as experiências vividas como educadora popular no CSJ e as contribuições teóricas de vários autores estudados na disciplina Entre a Formação e o Trabalho: trajetórias e identidades profissionais.

O objetivo inicial é tentar compreender como estes jovens das classes populares constroem suas identidades neste novo contexto de desregulamentação dos direitos dos trabalhadores, do desaparecimento das vagas no mercado de trabalho e de aumento inconteste do número de trabalho informal.

Para tanto, o presente artigo inicia apresentando a opinião dos jovens acerca das dificuldades encontrada para se alcançar o sonho do trabalho de carteira assinada. Em um segundo momento faz uma relação entre estas opiniões e as questões que se apresentam a partir delas. Busco na interlocução com autores como Frigotto, Dubar, Vendramini, Franzoi, subsídios que ajudem a compreender como se dá o processo de construção de identidade desses jovens aprendizes de trabalhadores, através da análise sobre o mundo do trabalho hoje e as diferentes interfaces entre o mundo do trabalho e a escola.
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Vida Severina
Apresentamos a seguir a sistematização de uma das questões que fizeram parte do roteiro aplicado ás turmas com as quais trabalhei no consórcio social da juventude, durante o ano de 2006.

A questão analisada foi problematizada nos percursos de aprendizagem e retomada nos instrumentos de avaliação no final do curso. Ao longo da experiência como educadora, fui fazendo o registro de suas percepções, expressa oralmente e em trabalhos escritos em atividades de aula, a partir de painéis, textos, filmes, músicas, reportagens. A questão destacada para análise no presente trabalho é a seguinte:

Em sua opinião, porque tantos trabalhadores/as não conseguem realizar seu sonho de ingressar no mundo do trabalho formal (carteira assinada, 13º salário, férias, licença saúde, etc..)

(AA, CSJ, 2006) “1º Porque existem pessoas desqualificadas. Muitas que sequer concluíram o ensino fundamental e/ou médio.”
“2º As empresas estão dando preferência por contratar estagiários para não ter esses compromissos com os funcionários.”
“3º E as pessoas que são qualificadas não conseguem os seus espaços no mercado de trabalho porque existem 10 pessoas para 1 vaga.”

(CA, CSJ, 2006) R. “Depende do perfil da vaga que os trabalhadores e trabalhadoras estão procurando o emprego e da empresa. O ideal é achar saídas para minimizar os obstáculos.”

(CS a CSJ, 2007)
R. “Eu acho que o desemprego é muito e então a procura de emprego é muita também. E aí os patrões preferem contratar as pessoas sem carteira assinada e as pessoas aceitam por que estão desempregadas e precisando do emprego.”
(JC, CSJ, 2006)
R. “Talvez nem seja tanto pela qualificação, mas sim pela falta de experiência. Temos, por exemplo, os jovens que estudam para terem uma boa qualificação profissional, mas quando chegam às empresas falta-lhes a experiência na função que se formaram.”
(GIS a, CSJ, 2006)
R. “Porque na maioria dos cargos em que o salário vale a pena às exigências são escolaridade, experiência e ter boa influência, e isso nem todos têm, pois não tiveram tanta oportunidade”.
(CA a, CSJ, 2006)
R. “Com a tecnologia fica cada vez mais difícil conseguir um emprego ou trabalho formal, pois as máquinas estão assumindo o lugar das pessoas. Com isso a solução encontrada são os trabalhos informais, autônomos, entre outros”.
(JO, CSJ, 2006)
R. “ Por que eles não têm qualificação”.
(Mi a, CSJ, 2006)
R. “Por que eles querem viver empregando estagiários que recebem uma miséria, para não ficar pagando mais e não dando direito à décimo terceiro e férias remuneradas.”
(FAB, CSJ, 2006)
R. “Porque no mundo industrializado e globalizado de hoje, o mercado de trabalho é muito exigente e pouco abrangente. As máquinas substituíram a mão de obra humana, reduzindo mais ainda a oferta de emprego. Fazendo com que este cidadão tenha que se “virar” por conta própria”.
(LJ a, CSJ, 2006)
“R. Porque muitas trabalhadores não agarram com garra os seus objetivos, muitas pessoas até agarram mas desistem na metade, porque talvez entre outra pessoa qualificada melhor do que aquela pessoa, ou cai em brigas, discussão, fofoca, etc.”
(TI, CSJ, 2006)
R. “São três razões básicas que provocam essa triste realidade. a) Não há uma preocupação com o pleno emprego, b) Não se paga um salário condizente com a dignidade do trabalho e c) não se leva a sério a segurança do trabalhador e de sua família”.”
(ER, CSJ, 2006)
R. “Por que os que não tem estudo não tem profissão e os que conseguem ter um bom estudo, tem uma profissão é porque não tem trabalho para todo mundo”.

Se tu pensas que pensas
Detendo-nos nas falas dos (as) jovens podemos observar que os mesmos apresentam opiniões diferenciadas acerca dos motivos que fazem com que as pessoas não alcancem o sonho de ingressar no mundo do trabalho formal.

Primeiro: alguns demonstram perceber as estratégias de dominação do mercado, tendo uma visão crítica sobre o mercado de trabalho e os limites hoje em relação às disponibilidades de vagas, aos tipos de cargos que surgem com as novas tecnologias e a necessidade das pessoas em se adequarem ao que está sendo solicitado, como exemplo podemos destacar a resposta de (CS ?, CSJ, 2007) “Eu acho que o desemprego é muito e então a procura de emprego é muita também. E aí os patrões preferem contratar as pessoas sem carteira assinada e as pessoas aceitam por que estão desempregadas e precisando do emprego.” Ou ainda (CA, CSJ, 2006) “Depende do perfil da vaga que os trabalhadores e trabalhadoras estão procurando o emprego e da empresa. O ideal é achar saídas para minimizar os obstáculos.”

Segundo: aparece um conjunto de opiniões que consideram que o problema é a falta de qualificação e de escolaridade do trabalhador, além da falta de experiência, centrando no sujeito a responsabilidade pela situação de desemprego como aponta a fala a seguir: (LJ ?, CSJ, 2006) “Porque muitas trabalhadores não agarram com garra os seus objetivos, muitas pessoas até agarram mas desistem na metade, porque talvez entre outra pessoa qualificada melhor do que aquela pessoa, ou cai em brigas, discussão, fofoca, etc.”

Terceiro: evidenciam-se aquelas opiniões que relativizam o problema, achando que a situação de desemprego tanto pode ser um problema devido à falta de qualificação do trabalhador quanto pela reestruturação do mercado que gera novas necessidades, particularmente as novas tecnologias que geram novos desempregados1. (GIS ?, CSJ, 2006) “Porque na maioria dos cargos em que o salário vale a pena às exigências são escolaridade, experiência e ter boa influência, e isso nem todos têm, pois não tiveram tanta oportunidade”.

Por último aparece em diferentes falas o fato da formação em um ofício não dar experiência no ofício exercido, o que limitaria a sua possibilidade de conseguir um trabalho. Além do problema da “falta de experiência” ter surgido em praticamente todas as respostas.

Estas opiniões se constituem a partir de diferentes experiências vividas por estes jovens e seus familiares. É necessário reconhecer que desde o lugar da escola já existe um olhar voltado para educar o jovem para “vida” ou mais precisamente para o mercado de trabalho. Isto aparece em diferentes situações e contextos, por exemplo, na opinião que os professores expressam sobre o estágio atual do mundo do trabalho e em que capacitam os jovens para um mundo que não existe mais, como afirma Arroyo (1991:2)

“Na escola pública, em sua maioria escola popular, se manifestam as conseqüências deformadoras das relações capitalistas de produção e de trabalho. Bastantes profissionais do ensino ficaram assustados diante dessa realidade. Se a escola de certa forma dava conta de preparar os setores populares para a vida tradicional nos campos e cidades e para as formas de trabalho na agricultura, nos serviços, na construção, no comércio, no biscate...como preparar agora para esses monstros modernos das fábricas, dos bancos, dos conglomerados de serviços onde operam tecnologias novas e processos sofisticadíssimos de divisão do trabalho?
Não podemos esquecer que esses jovens passam grande parte de suas vidas nos bancos escolares. Para aqueles que não puderam freqüentar creches e escolas infantis, pode-se afirmar que desde o primeiro ano das séries iniciais, considerando que muitos deles ficaram retidos mais de uma vez em algumas das séries estudadas, pode-se contabilizar em média 13 a 15 anos vividos em espaços escolares. Na escola, embora haja uma intenção declarada dos educadores de preparação para “a vida” vigora predominante uma lógica adaptativa e subordinada, seja naquilo que se refere aos conteúdos estudados, seja naqueles aspectos referentes à organização, disciplina, postura, hábitos, como afirma Arroyo (1991:1 e 2)

“Esses diagnósticos sobre o trabalho ajudam os jovens estudantes, futuros trabalhadores de fábricas, escritórios, bancos, comércio e serviços a entenderem e se posicionarem com uma postura moderna frente aos novos processos de produção e de trabalho que, sem dúvida, tenderão a se modernizar ainda mais.”
Nessa etapa da vida, em que se encontra “apto” para ingressar no mundo adulto, mundo do trabalho, o jovem depara-se com uma baixa qualificação/formação, seja escolar, seja profissional, necessitando portanto participar de ações de inclusão pelo trabalho. Como afirma Franzoi (2006:30).

“...em cada período histórico se desenvolveu uma forma de inclusão à esfera do trabalho por meio de grupos, redes sociais ou espaços de pertencimento, que garantiam o reconhecimento social do conhecimento e dos serviços a serem prestados por seus membros.”.
Importante perceber que o jovem que consegue ter um olhar crítico sobre o atual mundo do trabalho é o mesmo jovem que não consegue ter o tão desejado sucesso escolar. São jovens, que em sua maioria, vêm de experiências familiares bastante complexas, seja por conta das dificuldades de natureza econômica, seja por outras vulnerabilidades sociais vivenciadas, como o uso de substância psicoativas, violência familiar e sexual, gravidez na adolescência, paternidade prematura, passagens por instituições como abrigos, conselho tutelar, FASE, DECA, etc..

Outro grupo de respostas aponta uma visão que responsabiliza os sujeitos pela sua situação de desemprego. Seja porque não têm qualificação suficiente e necessária, seja porque não possuem a escolaridade exigida. As pessoas são responsáveis por sua situação de desemprego, por seu insucesso profissional, pelo fracasso. A qualificação profissional aparece como a salvadora da pátria, como aquela que será a redentora. Agora, diferente da experiência vivida na escola, para o jovem, será diferente, ele será um bom trabalhador. Mesmo que mal consiga escrever, ler, fazer relações, expressar verbalmente suas opiniões. Contradição importante que aponta os limites em relação a como vivemos a vida, sobre como somos responsáveis por nossas vidas e por nossas escolhas, sobre como esses jovens das classes populares se relacionam com o saber, com o conhecimento.

Se os jovens conseguem ter uma leitura crítica da realidade que aponta no sentido de que eles são responsáveis pela sua formação e qualificação, por que então sua vida escolar e pessoal tem sido marca pela negação desses espaços? Por que em alguma medida nas atividades de formação do Consórcio e outros que participam repetem esta história de contra-cultura?

Que identidades atravessam suas visões sobre o mundo do trabalho? Qual a importância da formação para estes jovens? Aspectos importantes se pensamos efetivamente contribuir para sua inclusão através do trabalho. È como os educadores ouvirem que estes conhecimentos não são necessários, que não têm tempo para isso, que será diferente a postura em relação ao trabalho, pois o trabalho é outra coisa.

Como afirma Santos (2000:51) “Trata-se da experiência de sujeitos singulares e da relação que estes sujeitos estabelecem com o saber”. Os jovens fazem uma separação entre o seu comportamento enquanto “educandos” e enquanto futuros trabalhadores, acham que mudaram a postura, que terão novas identidade no espaço de trabalho, como bem identifica Canário (1997: 47)

“...alguns trabalhadores ou trabalhadores motivados pela incitação a “formarem-se”, explicaram-nos por que é que a formação praticada... “não era para eles”, dadas as funções que desempenhavam, as relações que mantinham com o “chefe” e o modo como tinham aprendido o seu trabalho. A sua identidade... de “fora do trabalho”, exclui a idéia de se formarem, se isso não for “para ganharem mais” e se essa formação não estiver “diretamente ligada ao trabalho”.
Empiricamente podemos dizer que os jovens aceitam participar das atividades de formação em troca da bolsa auxílio e da possibilidade de trabalho remunerado. Este segundo item muitas vezes é frustrado, pois nem todos os jovens são “escolhidos” para as vagas que surgem como resultado do projeto. Esta não escolha gera frustração e repete a experiência vivida até de fracasso em relação a educação, formação e trabalho, alimentado a idéia de que o problema de conseguir o tão sonhado trabalho formal é da falta de qualificação dos jovens aprendizes de trabalhador.

Quais as identidades entre esses jovens aprendizes de trabalhadores e os jovens trabalhadores de classe média? Entre esses jovens e os jovens das próprias classes populares que não precisam se utilizar do projeto para conseguir seu lugar ao sol, digamos assim? Que papel cumpre a formação e a escola em suas vidas? Que papel cumpre estes cursos de qualificação em sua personalidade? Conseguem eles construírem uma identidade enquanto jovens a procura de trabalho? Mobilizam-se para isso?

Estas respostas necessitariam mais do que uma reflexão sobre a prática educativa. Necessitaria um amplo estudo sobre os processos que constroem identidades nesses jovens das classes populares mais desprivilegiadas. A formação adquirida em outros territórios acaba tendo um peso maior, mesmo que o esforço seja grande no sentido de se enturmar, se tornar aceito para ocupar espaços no mundo do trabalho.

Tudo indica que não é a escola, não é o trabalho, não é o curso de qualificação que constituem centralmente essas identidades. São os territórios, os bailes, as tribos – a cultura juvenil. Como estes jovens se relacionam com o trabalho escolhido? Gostarão, terão identidade, será o sonho das suas vidas, o trabalho prático, executivo, mecânico lhes garante um melhor desempenho que as experiências vividas como estudante e aprendiz? Os jovens deixam entender que sim, como já referimos anteriormente, que será diferente, que serão “bons” trabalhadores. Que na escola é diferente, chato, ruim.2 Que no curso as aulas teóricas não tem nada a ver. Como afirma Dubar (1997: 49)

“...para delimitar estas formas identitárias, não compreender a relação com o trabalho dos empregados inquiridos (ou dos jovens à procura de emprego). Tem de se detectar também a relação entre estes diversos “sentidos do trabalho” e as concepções de formação... Trata-se de concepções “práticas” porque essas justificam as práticas de formação (ou de não formação) dos indivíduos considerados...”.
Estes jovens que abandonaram sua formação escolar e/ou que atrasaram sobre modo3 sua formação básica, construíram uma opinião sobre a formação, como afirma Dubar (1997: 49)

“.... a formação tipo “escolar” é rejeitada porque esta não tem nada a ver com seu trabalho e suscita-lhes recordações desagradáveis sobre seu insucesso escolar. A única formação que lhes interessa é a formação prática, diretamente ligada ao trabalho, que parte dos problemas concretos e permite resolvê-los proporcionado-lhes um benefício tangível. A formação válida é aquela que desenvolve saberes práticos, úteis para o trabalho e adquiridos diretamente pelo seus exercício....Da mesma forma que os jovens que freqüentam cursos de “inserção” não pretendem formação mais trabalho...”.
Esta afirmação de Dubar lembra em muito os dilemas vividos pelos educadores e instituições executoras dos cursos de “qualificação profissional”, pois ao mesmo tempo em que pensar o ingresso destes jovens adultos no mercado de trabalho é importante, têm-se o desafio de contribuir na construção de sua cidadania. Aspecto bastante questionado pelos jovens visto que a formação técnica é o que importa, existe uma tensão permanente entre seus interesses e as suas necessidades... pois buscamos cada vez mais, como afirma Nossela (2006:7) a “superação da dicotomia entre o trabalho produtor de mercadorias e o trabalho intelectual)4. Tarefa contraditória considerando o papel do próprio programa e das instituições parceiras em sua implementação.

A caminhada se faz caminhando
Nunca é demais lembrar que são, em sua maioria, jovens com longa trajetória de exclusão e de frágil experiência no campo escolar e pessoal, que vivenciam experiência de luta pela sobrevivência sem maiores previsões pro futuro e que alimentam a idéia que ser “rebelde”, “ser do contra” é o que faz a diferença. Mas que no momento de garantir a sobrevivência necessitam superar os trabalhos precários e inseguros, como afirma Franzoi (2006:23)

“a característica dessa população é justamente a alternância entre ocupação e não ocupação: assim, profissão precisa se entendida para além da ocupação em determinado momento.”
A grande maioria dos participantes das turmas do CSJ – Consórcio Social da Juventude têm por objetivo central o ingresso no mundo do trabalho formal, com carteira assinada, salários fixos e direitos sociais garantidos. Podemos afirmar com base no diagnóstico efetuado nas turmas nas quais trabalhamos que a maioria já experimentou a experiência de desenvolver atividades laborativas remuneradas, mesmo que não formais.

É importante destacar que a maioria são jovens que se encontram em descompasso em relação à idade e a escolaridade, com retenções e evasões freqüentes. Em seus depoimentos deixam claro a passagem difícil pela instituição escolar, inclusive aqueles que já concluíram o ensino médio.

Possuem uma tendência em repetir à mesma postura de resistência às regras e principalmente ao hábito de estudo e de organização. Reproduzem quase de modo automático a contracultura escolar de estar presente nas atividades formativas, mas em negar a possibilidade de envolvimento e do papel do conhecimento sistematizado (ao menos estes conhecimentos oferecido na escola e na qualificação profissional) como algo importante para suas vidas.

Esta postura ficou mais evidenciada nas atividades formativas que trabalharam aspectos como a formação geral e política, cidadania, participação, direitos e mundo do trabalho. A grande expectativa está concentrada nas aulas técnicas, nas quais visualizam a aprendizagem de um ofício que vai lhes possibilitar uma profissão, mesmo que provisória.

A experiência escolar e de vida, que muitas vezes são marcadas pelo fracasso, tendem a se repetir neste espaço de inclusão. A experiência entendida aqui como uma vivência coletiva destes setores mais excluídos das classes populares, como afirma Célia Vendramini (p.29), citando Thompson.

“A experiência não espera descuidadamente, fora de seus gabinetes, o momento em que o discurso da demonstração convocará a sua presença. A experiência entra sem bater a porta e anuncia mortes, crises de subsistência, guerra de trincheira, desemprego, inflação, genocídio”.
Fica evidente nos jovens uma resistência em aceitar como dado que seu destino é o de “ocupar” as funções mais precárias no mundo do trabalho, investindo cada vez mais em sua qualificação. Assim como existem aqueles que mantêm a mesma postura dos grupos que não reconhecem nas escolas e ou nos espaços formais de convivência as regras de convivência coletiva se colocando num lugar que alimenta a sua auto-exclusão, bem como cita Paul Willis (1991:11)

“A coisa difícil de ser explicada a respeito da forma como jovens de classe média obtêm empregos de classe média é por que os outros deixam que isso aconteça. A coisa difícil de ser explicada a respeito da forma como jovens de classe operária acabam em empregos de classe operária é por que eles próprios deixam que isso aconteça.”
Que experiências são estas que organizam pensamentos, atos, desejos das juventudes das classes populares que optam por freqüentar os cursos de qualificação profissional ofertados pelo Estado? Quais as percepções e práticas que indicam um “direcionamento” rumo ao mundo adulto, em que o trabalho remunerado é fundamental para sobrevivência, para o lazer e o prazer.

Como estes jovens “caminham” na busca de saídas, em sua maioria saída individualizadas rumo a inserção profissional, a busca do tempo perdido, principalmente em relação a sua escolarização.

São capazes estes cursos de curta duração, vamos chamar assim, qualificar estes jovens aprendizes para a acirrada disputa pelas parcas vagas disponíveis no mercado de trabalho? São estas são reais necessidades?

Penso que não. A inserção no mercado de trabalho para a juventude do programa pressupõe muito mais que aulas de qualificação profissional em ramos extremamente rotativo e de baixa remuneração. Além de que estes jovens acabam “estudando” um ofício e sendo incluído em uma atividade laborativa que não é necessariamente aquela “aprendida”, colocando um hiato entre os sonhos e desejos construídos e alimentado e a vida real. Muitos dirão que o mais importante é a retirada destes jovens das ruas e das situações de risco nas quais podem se envolver e neste intervalo de tempo “ganhá-lo” para um projeto de vida que lhe garanta dignidade, lazer, prazer, socialização. Ainda assim fica o questionamento: conseguimos em quatro meses de aula mais um mês para o processo de inserção influenciar estes jovens a este ponto?

Corroendo corações
Os jovens que participam das atividades de formação profissional têm um “olhar” próprio em relação à conjuntura de hoje e as possibilidades objetivas de sua inserção no mercado de trabalho. De Primeiro: Acham que quanto mais qualificações tiverem mais têm chance de conseguir um trabalho. Segundo compreendem que por mais formação que possuam seu trabalho não está garantido. Terceiro: podemos dizer que de alguma forma “sentem”, pressentem seu destino de “condenados” da terra e acreditando no que fazem desacreditam e o fazem assim, assim. Seja na escola, nos cursos de formação, na vida.

Assim sendo estabelecem uma relação objetiva com os projetos de qualificação e formação que vivenciam. Uma dessas relações se estabelece em topar participar da formação visto que estão vulneráveis e precisam de apoio para dar conta da situação de desemprego. Sendo assim submetem-se a assistir às aulas e oficinas de formação geral, inclusão digital, políticas sociais, multiculturalidade, sempre tendo como prioritário o momento das aulas técnicas (práticas) em que de fato estarão aprendendo um ofício. As demais formações fazem parte do acordo tácito entre os educandos, os educadores e as instituições parceiras.

È importante destacar que estes/as jovens são de origem popular e suas famílias encontram-se em situação de vulnerabilidade social e econômica, algumas participam do programa família do governo federal, outros são acompanhados pelas pastorais sociais, um número significativo destes jovens encontram-se em defasagem escolar.

Estes jovens são organizados em turmas de acordo com as escolhas que fazem dos cursos ofertados pelas instituições. Não possuem maiores pertencimentos identidades declarados, mesmo quando a maioria pertence a mesma comunidade e/ou vila. O que os une ali é o interesse em ter uma profissão, ser alguém na vida, ajudar a família, em alguns casos manter os filhos (principalmente as jovens adolescentes).

Muitos deles já possuem experiências de trabalho. Cabe destacar que não são experiências de trabalho formal, pois isto os eliminaria na seleção. Grande parte deles desde cedo já trabalharam por conta própria. As jovens adolescentes sendo babás, ajudando a família em casa, trabalhando de doméstica, pedicure e manicure, e os jovens adolescentes em trabalhos informais tais como ajudante de pedreiro, garçom, vendedor, ambulante, tocando em bares e outros trabalhos informais.

Vários destes jovens buscam um lugar ao sol a partir do seu lugar na divisão social de trabalho capitalista, querem o prático, o técnico, o saber fazer, “aceitando” assim que lhes cabe esta parte do latifúndio do saber, do conhecimento do trabalho neste sentido Santos (2000:56) é feliz quando afirma “A relação de um sujeito com o saber, além de incorporar os aspectos objetivos presentes nos processos educativos supõe também, aspectos subjetivos marcados pela incidência do inconsciente.”

Analisar esta realidade utilizando um método que a compreenda como uma “atividade dos homens, como uma produção da vida, que se constitui no ato histórico, portanto, num ato de transformação, num movimento social permeado por contradições.”(Vendramini, 29). Esta é a nossa tarefa no sentido de superar esta Vida Severina.

Se é verdadeiro que há uma íntima relação entre o pensamento e a realidade, e se esta relação está permeada de contradições e das condições objetivas encontrada pelas juventudes das classes populares visando a sua superação, cabe a nós todos o compromisso de serramos fileiras no sentido de garantir a cada jovem o direito de ser feliz, de conquistar seus sonhos, de sair do brete imposto por uma sociedade que vive da exclusão.

Há muitos diálogos (...)
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Tua melhor palavra
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Silêncio.
Mesmo no silêncio
E com o silêncio
dialogamos”
Carlos Drumonnd de Andrade


Referências Bibliográficas
ARROYO, Miguel. “Revendo os vínculos entre trabalho e educação: elementos materiais da formação humana” em SILVA, Tomaz Tadeu da (org) Trabalho, educação e prática social: por uma teoria da formação humana. POA: Artes Médicas, 1991.

DUBAR, Claude. Formação, trabalho e identidades profissionais. In: CANÁRIO, Rui (org.). Formação e situações de trabalho. Porto: Porto Editora, 1997. pp 43-52.

FRANZOI, Naira L. Entre a formação e o trabalho. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 2006.

WILLIS, Paul. Aprendendo a ser trabalhador: escola, resistência e reprodução social. Porto Alegre; Artes Médicas, 1991. 241 p.

SANTOS, Eloísa Helena. O sujeito nas relações sociais e formativas. In: Trabalho, formação e currículo ou ______. Ciência e cultura: uma outra relação entre saber e trabalho. In: Trabalho e Educação, Belo Horizonte, n. 7, jul/dez –2000.

VENDRAMINI, Célia Regina. Experiência humana e coletividade em Thompson. In: Revista Esboços n.12 –UFSC. 2004. pp.25-36.
 

Autor deste artigo: Anália Bescia Martins de Barros - participante desde Dom, 03 de Fevereiro de 2008.

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