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Edições Anteriores 155 A zona de conforto e o pacto da mediocridade no ensino
A zona de conforto e o pacto da mediocridade no ensino PDF Imprimir E-mail
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Escrito por João Welligton Figueredo De Assis   
Qua, 02 de Abril de 2008 21:00
É recorrente nas diversas instituições de ensino o chamado “pacto da mediocridade”, pelo qual o professor finge que ensina, o aluno finge que aprende e a instituição de ensino superior (IES) finge que presta um bom serviço à sociedade.

Por parte dos docentes, a razão da existência do pacto da mediocridade é a decepção com os esforços da dedicação ao bom desempenho profissional, desde os estudos exigidos à formação intelectual, passando pela elaboração das aulas até as exigências feitas aos alunos sem a reciprocidade julgada devida.

Um estudo realizado pelo Professor Artur Stamford da Silvai, em 2003, por intermédio de entrevistas e aplicação de questionários a professores e alunos, revela a razão do descontentamento desses atores sociais.

Os professores julgam o “corpo discente despreparado porque não sabem ler, nem escrever”; “não sabem identificar sequer a idéia central de um parágrafo”; “desinteressados, pois só se dirigem ao professor pedindo para retirar faltas e acrescentar pontos”; “não querem raciocinar, mas reproduzir o conteúdo das anotações em sala de aula”; “querem diploma e não conhecimento”; “medíocres, porque não querem pensar”; “querem tudo mastigado, prontinho”; “só querem estudar por manuais, resumos e cadernos”; “querem passar sem estudar”

Os alunos, por seu lado, têm em suas respostas indicações de insatisfação de igual natureza: “professores despreparados porque não preparam as aulas”; “não dão o conteúdo e sim contam histórias de sua vida”; “ficam sentados lendo o código, para ler leio em casa”; “desinteressados porque querem evitar a concorrência futura”; “não ensinam o que sabem, escondem o jogo”; “donos da verdade; pois se negam a ouvir e discutir, querendo impor seu ponto de vista e exigem a reprodução de sua concepção através do estudo do caderno ou de manuais de baixa categoria”.

Todas essas inquietudes não são de se estranhar, pois as ouvimos rotineiramente nos bastidores de uma universidade. No entanto, o que chama a atenção, segundo a pesquisa realizada, é o fato de nem docentes nem discentes se identificarem como responsáveis pela produção desse pacto, por mais que tal fenômeno se reproduza no sistema educacional.

Obviamente, em quaisquer dos lados que se posicione o observador é muito fácil responsabilizar a outra parte, eximindo-se de qualquer culpa ou responsabilidade, ainda mais quando é possível transferir essa responsabilidade para a instituição de ensino ao qual pertencem.

O habitual é o professor isentar-se de culpa, porém identificando algum colega pelo fomento do “pacto da mediocridade” e, quando reunidos professores e alunos, a culpa restará à instituição de ensino ou ao sistema educacional como um todo. Sistema esse que, por ser um ente abstrato, ninguém se julga responsável.

Por sua vez, a instituição de ensino se comporta como todos os outros atores sociais, fingindo prestar um serviço que verdadeiramente não presta, ao menos no que se refere à qualidade, e nesse aspecto podemos incluir também as universidades públicas, salvo as militares e outras raras exceções.

Nas universidades públicas, temos o velho problema da falta de verbas e a estabilidade dos professores – servidores públicos. No âmbito das instituições particulares temos diversos outros óbices como o baixo salário, que faz o professor-horista ter que multiplicar as horas de seu dia para fazer frente a uma renda mensal adequada. Para tanto se dispõe a lecionar várias e distintas disciplinas ou em várias instituições, sem destinar um tempo para a reflexão e à pesquisa.

É bem verdade que as situações acima descritas não induzem necessariamente ao pacto da mediocridade, contudo podem contribuir para a sua sustentação, sobretudo porque o tempo é um elemento precioso para a preparação de uma boa aula, para a confecção e correção de provas, para sanar as indagações mais complexas dos alunos.

Também o aluno necessita de tempo para o estudo e à pesquisa e nem me refiro à pesquisa científica, mas a busca do conhecimento do que foi ou será ministrado em sala de aula.

Muitos deles, por terem diversos compromissos profissionais, familiares ou de outra natureza, simplificam o estudo à audição de palestras, nas quais se converteram as aulas, e à “decoreba” de textos franqueados pelo professor ou da transcrição das aulas fornecidas para cópia por um dos colegas, chamados de “matrizes de conhecimento”, menos pelo vasto saber, mas por possuírem as aulas em seus cadernos e as disponibilizarem à reprodução.

O tal “pacto da mediocridade” tem sua origem no que chamamos de “zona de conforto”, termo bastante em voga nos dias atuais, citado, por vezes, em sentidos diversos.

Dagomir Marquesiii, escritor, cita a “zona de conforto” como uma região da mente em que se guardam as melhores lembranças do passado. Quando se encontra em situações de estresse, o cérebro recorre a tais lembranças como uma forma de atenuar a realidade, inserindo a fantasia, tornando o ambiente amigável e acolhedor.

Bernardinho, renomado treinador da seleção brasileira masculina de vôlei, nas palestras que ministra e no seu livroiii, utiliza o termo e indica como um dos fatores de sucesso não permitir que sua equipe ingresse na “zona de conforto”. Para tanto, revela que a cada título ganho, o treino da manhã era iniciado uma hora mais cedo. Segundo o autor, criar zonas de desconforto na dose certa acaba por motivar a equipe. Esse desconforto mostra para a comissão técnica e para o atleta que já é campeão, o quanto ele está realmente disposto a ganhar o próximo título.

Entendemos por “zona de conforto” a acomodação diante de certas situações ou circunstâncias quer sejam familiares, sociais ou profissionais em que nos sentimos seguros ou nos habituamos a permanecer e que nos transmite uma sensação de segurança.

Apropriando-nos do termo para o magistério, assim nos parece o comportamento de uma parcela dos professores.

A relação professor-aluno pode ser envolvente e transcende a uma simples prestação de serviço educacional ou de mera transmissão de conhecimento. Nos parece que o vínculo transforma-se em uma relação passional, pois faz do mestre objeto de paixão ou ódio do aluno, transpondo, por vezes, os limites da razão.

Como costumamos expressar aos nossos “discípulos”, a relação professor-aluno possui alguma semelhança com a relação paterna, posto que o professor, copiando o pai no âmbito familiar, deve “forçar” o aluno ao estudo e à aprendizagem, contrariando muitas vezes o interesse imediato do próprio estudante, que espera, via de regra, uma aula do tipo palestra, preferencialmente com todo o texto disponibilizado em pastas, uma boa revisão da matéria com base em questionário do qual serão extraídas as questões da prova e, sobretudo uma correção bem elástica, e, se necessário, uma revisão da prova ainda mais elástica que permita alcançar o grau mínimo de aprovação ou aumentar o CR (coeficiente de rendimento).

Evidente que o professor mais exigente pode angariar antipatias na turma e será cobrado por isso. Essa cobrança será mais rigorosa do que a de qualquer outro professor mais “simpático” e “permeável” às necessidades imediatas dos discentes.

Provavelmente as exigências recaiam na assiduidade, pontualidade, forma de se expressar, padrão da aula ou qualquer outra vulnerabilidade que possa apresentar, seja ela de cunho pedagógico ou não.

É bem provável que o aluno ou grupo de alunos que se sintam prejudicados por um baixo grau “aplicado” pelo professor se utilize desse expediente para explicar o insucesso na avaliação.

Decerto que todos aqueles que comungam do magistério de nível superior já tiveram a oportunidade de presenciar situações nas quais o aluno que obtém o grau máximo na avaliação costuma dizer “tirei dez”, justificando o esforço individual típico dos mais capazes. No entanto, quando a performance é diminuta e não consegue a aprovação na disciplina, pergunta ao professor: “por que o senhor me deu essa nota?” ou ainda que “foi reprovado pelo professor”.

Diante de tais considerações é que inserimos a zona de conforto como um aspecto do incremento do pacto da mediocridade no ensino.

O professor é um profissional sujeito a toda sorte de pressão, incluindo a perpetrada pelos outros atores sociais que compõem a academia: alunos, coordenação acadêmica, direção de curso ou de escola, direção administrativa entre outros.

Quanto maior o desagrado de um ou mais desses atores sociais, mais está sujeito à diminuição da carga horária ou, na pior hipótese, à própria demissão, transformando-se num professor problemático para a coordenação ou para a direção, responsável por sua avaliação profissional, e alvo constante de reclamações dos alunos.

Sendo assim, pode, por insegurança profissional ou qualquer outra razão, levando em consideração suas fraquezas e vulnerabilidades, ingressar na zona de conforto desviando-se lentamente da nobreza do ofício magisterial.

A opção pelo refúgio em sua zona de conforto, tornando-se maleável às vicissitudes dos discentes, pode encobrir a falta de conteúdo pedagógico, incapacidade para a pesquisa e aprimoramento profissional, tempo para uma maior e melhor dedicação ao trabalho, entre outras tantas outras hipóteses, feitas a partir da observação diária do cotidiano.

Entende o profissional que na zona de conforto não será incomodado pelos alunos e, conseqüentemente, não será um problema para a coordenação. Nesse caso estará tranqüilo quanto à manutenção de sua carga horária para o semestre letivo seguinte.

Os enfrentamentos por vezes necessários, trazem o desconforto e a insegurança e requer uma elevada confiança na sua capacidade e no acerto das suas decisões, bem como necessita do apoio dos seus superiores.

Muitos coordenadores, por corporativismo ou não, entendem que sua tarefa consiste tão-somente em escalar os professores nas disciplinas, cobrar faltas e atrasos e ouvir as queixas dos discentes.

A colaboração da coordenação de curso deve ser a de não permitir que o professor ingresse na zona de conforto, apoiando-o, mas também realizando a constante observação de seu desempenho, buscando orientar de forma transparente naqueles aspectos que julga merecedores de uma maior atenção do profissional avaliado.

Muitos coordenadores só sabem da capacidade do seu professor por intermédio de comentários ou da avaliação do aluno, tratando este como um informante secreto do comportamento do professor em sala. Esquece que o aluno formula seus comentários e avaliações, em muitos casos, sem qualquer critério e condicionado à empatia que o professor lhe causa.

Consideramos mais apropriado que o coordenador faça uma avaliação direta, verificando não só o horário de entrada ou saída antecipada do professor, mas também assistindo a uma ou mais aulas, até para que possa orientar o docente em determinados aspectos que possam contribuir para uma melhor atuação.

Deve verificar o desempenho da turma nas avaliações, a fim de saber se o que foi ministrado foi entendido em maior ou menor grau pela turma e os motivos pelo qual houve uma performance positiva ou negativa extremamente exagerada que possam revelar excesso de rigor ou leniência.

Do exposto, é possível concluir pela importância do papel da coordenação no desempenho profissional dos docentes e conseqüentemente na melhoria do ensino e formação dos alunos.

Mais importante será o papel do coordenador quanto possa contribuir para que o professor não aceite, por acomodação profissional, ingressar na zona de conforto.

i Anuário ABEDI / ano 2, n. 2. 2004 – Florianópolis: Fundação Boiteux. p. 23-42.
ii MARQUESI, Dagomir, Revista Época, nº 493, 29 de outubro 2007. Ed Globo. p. 133.
iii REZENDE, Bernardo Rocha de. Transformando suor em ouro. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. p. 18.
 

Autor deste artigo: João Welligton Figueredo De Assis - participante desde Sex, 18 de Janeiro de 2008.

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