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Preconceito lingüístico e variações lingüísticas: Desmistificando a lenda da unidade do português brasileiro. PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Carine Frank   
Qua, 05 de Março de 2008 21:00
RESUMO: O presente artigo visa ao combate do preconceito lingüístico gerado pela idéia falsa da unidade da língua portuguesa falada no Brasil. Assim, muitos defendem que há uma língua falada padrão, correta, que deve ser respeitada por todos e por todos falada, esquecendo-se, assim, das variações lingüísticas presentes em nosso imenso país, e de que não há, em hipótese alguma, uma língua portuguesa falada correta. Essa idéia gera um grave problema: o preconceito lingüístico, que afeta os falantes das variantes ditas não-padrão, incorretas, fazendo com que eles mesmo desprestigiem sua maneira de falar, envergonhando-se de sua cultura.

RESUMEN: El artículo abajo intenta combater la preconcepción lingüística generado por la idea falsa de una unidad de la lengua portuguesa hablada en Brasil. Así, muchos defienden que hay una lengua hablada estándar, correcta, que debe ser respetada por todos y por todos hablada, se olvidando, así, de las variaciones lingüísticas presentes en nuestro inmeso país, y de que no hay, en ninguna hipótesis, una lengua portuguesa hablada correcta. Esa ideia genera un gran problema: la preconcepción lingüística, que afecta a los hablantes de las variaciones dichas no-estándares, incorrectas, haciendo con que ellos mismos desprestigien a su manera de hablar, teniendo verguenza de su propia cultura.


Um mito bastante arraigado na sociedade brasileira e que é um dos fios alimentadores do preconceito lingüístico é a o mito da unidade da língua portuguesa falada em nosso país. Quantas vezes já ouvimos a seguinte afirmação: no Brasil todos se entendem porque todos falam da mesma maneira; o português falado é um só.
Essa afirmação, apesar de errônea, é repetida inúmeras vezes por estudiosos da Língua Portuguesa no Brasil. Todavia, esses mesmos estudiosos se olvidam de que nosso imenso país possui variações lingüísticas, ou seja, uma mesma palavra é pronunciada de uma determinada forma do Rio Grande do Sul e de outra maneira em São Paulo. É o caso, por exemplo, da fruta mexerica, que no sul do Brasil é conhecida como bergamota. Isso sem falar nos dialetos e regionalismos, e nas diferenças fonológicas das pronúncias de inúmeras palavras.
Ensina Bortoni-Ricardo que “No Brasil, a variação regional se manifesta mais na pronúncia de alguns sons, no ritmo, na melodia e em algumas palavras.” (BORTONI-RICARDO: 2004, p. 30).
O mito da unidade da língua falada gera, por sua vez, uma conseqüência gravíssima: o preconceito lingüístico. Defendo que a língua falada é una, e esquecendo das diferenças regionais tanto de pronúncias quanto de nomenclaturas, acaba-se tipificando uma determinada região como aquela que fala bem o português e aquela que fala o português todo errado.
Existe uma crença sobre a superioridade de uma variedade ou falar sobre as demais, sendo isso um mito enraizado na sociedade brasileira. Cabe destacar que toda a variedade de falar é um instrumento identitário de determinada região, ou seja, esse recurso confere aos seus falantes a identidade de um grupo social. Destaca Boroni-Ricardo que “Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca etc. é um motivo de orgulho para quem o é, e a forma de alimentar esse orgulho é usar o linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais”.(BORTONI-RICARDO: 2004, p. 33).
A escola, por sua vez, ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, tenta impor, assim como a mídia, sua norma lingüística como se ela fosse, de fato, a língua comum de todos os brasileiros.
Destaca Bagno:

Ora, a verdade é que no Brasil, embora a língua falada pela grande maioria da população seja o português, esse português apresenta um alto grau de diversidade e de variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país – que gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas delas, de muito preconceito -, mas principalmente por causa da trágica injustiça social que faz do Brasil o segundo país com a pior distribuição de renda em todo o mundo. São essas graves diferenças de status social que explicam a existência, em nosso país, de um verdadeiro abismo lingüístico entre os falantes das variedades não padrão do português brasileiro – que são a maioria de nossa população – e os falantes da (suposta) variedade culta, em geral mal definida, que é a língua ensinada na escola. (BAGNO: 2005, p. 16).

Quanto a questão da variação lingüística e a estigmatização de uma língua falada padrão, os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fundamental, datados de 1998, já abriam nosso olhos para tal problema, reconhecendo que existe:

muito preconceito decorrente do valor atribuído às variedades padrão e ao estigma associado às variedades não-padrão consideradas inferiores ou erradas pela gramática. Essas diferenças não são imediatamente reconhecidas e, quando são, são objetos de avaliação negativa.
Para cumprir bem a função de ensinar a escrita e a língua padrão, a escola precisa livrar-se de vários mitos: o de que existe uma forma “correta” de falar, o de que a fala de uma região é melhor do que a de outras, o de que a fala “correta” é a que se aproxima da língua escrita, o de que o brasileiro fala mal o português, o de que o português é uma língua difícil, o de que é preciso “consertar” a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO: 1998, p. 31).

A questão da variação lingüística está inteiramente ligada ao preconceito lingüístico, já que quando uma variante é tida como correta, as demais são denominadas incorretas, sofrendo, assim, as pessoas que a pronunciam preconceito lingüístico.
É preciso, urgentemente, que se abandone esse pensamento preconceituoso de existir somente uma variante falada correta do português brasileiro. Assim, “É preciso, portanto, que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a cultura abandonarem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passarem a reconhecer a verdadeira diversidade lingüística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto à população amplamente marginalizadas dos falantes da variedade não-padrão”. (BARGNO: 2005, p. 18).
Contudo, o em que se baseia o preconceito lingüístico? Por que ele ocorre?
Infelizmente, o preconceito lingüístico ocorre porque, em pleno século XXI, ainda vigora na sociedade brasileira a ideologia lingüística conservadora e retrógrada que sustenta um forte preconceito lingüístico abastecido pela perpetuação de uma série de mitos irracionais sobre a língua falada no Brasil. Esse preconceito acaba, por sua vez, sendo assumido pelo próprio falante-vítima, despertando nele um sentimento de auto-aversão lingüística.
Ensina Bagno, quanto ao embasamento do preconceito lingüístico:

O preconceito lingüístico se baseia na crença de que só existe [...] uma única língua portuguesa digna desse nome e seria a língua ensinada nas escolas, explicada nas gramáticas e catalogada nos dicionários. Qualquer manifestação lingüística que escape desse triangulo escola-gramática-dicionário é considerada, sob a ótica do preconceito lingüístico, “errada, feia, estropiada, rudimentar, deficiente”, e não é raro a gente ouvir que “isso não é português”. (BAGNO: 2005, p. 40).
O preconceito baseado na fala de determinadas regiões, preconceito esse transmitido pela mídia, através de novelas, programas televisivos, reportagens, além de ignorante é cruel, pois estigmatiza determinadas regiões do Brasil.
Assim, o povo brasileiro que não fala a língua tida como padrão pela mídia e pelas classes sociais mais altas é duplamente marginalizado. Uma vez por sentir-se fora dos padrões sócias ditados pela mídia, e outra vez por ver, nessa mesma mídia, seu jeito de falar retratado inadequadamente, com objetivo de deboche. Infelizmente, a televisão brasileira tipifica um modo somente de falar, pois é expressamente proibido aos seus atores e atrizes apresentarem algum sotaque em novelas e demais programas, existindo um treinamento para que todos falem a mesma língua, como se no Brasil só existisse uma maneira de pronunciar as palavras.
Já passou da hora dessa concepção de língua única ser enterrada. É a hora do povo valorizar a sua cultura, e a língua faz parte da cultura, o sotaque e a variação lingüística brasileiras fazem parte de nossa cultura e tornam a nossa língua mais rica.
Conforme Luft:

Uma língua viva está em constante evolução: dialetos, gírias, neologismos, estrangeirismos, tudo faz parte dela, dessa ebulição que a mantém animada. Portanto, ainda que hoje se conseguisse uma Gramática explícita do português brasileiro, digamos da década de 90, em breve ela estaria desatualizada, e o professor, obrigado a novos ajustes. (LUFT: 1998, p. 98).
Há diferentes maneiras de se nomear determinadas plantas, determinados objeto, como ocorre com a mandioca, que é conhecida na região Sul com o nome de aipim. Isso só acrescenta ao nosso português brasileiro, tornando-o cada vez mais rico culturalmente. Por isso, é preciso garantir a todos os brasileiros o reconhecimento da sua variação lingüística, e não o deboche das mesmas. Essa deve ser mais um luta do nosso povo, contra mais esse tipo de preconceito, dentre tantos outros sofridos por nós, cidadãos brasileiros afinal, respeitar a variedade lingüística de toda e qualquer pessoa equivale a respeitar a integridade física e espiritual dessa pessoa como ser humano, nunca nos esquecendo que qualquer comunidade sempre apresentará variação lingüística.

Referências
BAGNO, Marcos. Dramática da língua portuguesa: tradição gramatical, mídia & exclusão social. São Paulo: Loyola, 2005.

BAGNO, Marcos. Preconceito lingüístico: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2005.

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. São Paulo: Parábola, 2002.

LUFT, Celso Pedro. Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna. 6º ed. São Paulo: Ática, 1998.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Parâmetros curriculares nacionais: Língua Portuguesa, Ensino Fundamental. Brasília, 1998.

RICARDO-BORTONI, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolingüística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004.
 

Autor deste artigo: Carine Frank - participante desde Qua, 28 de Novembro de 2007.

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