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Cotas: algo está fora da ordem PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Magno de Aguiar Maranhao   
Qua, 21 de Abril de 2004 21:00

Não podemos minimizar a gravidade dos desdobramentos da implantação das cotas raciais nas universidades ou deixar de destacar certa arrogância do governo, ou dos que o representam, quando indagados sobre as chances da medida ser julgada inconstitucional, uma vez que a Constituição de 1988 estabelece como crime discriminar por critérios raciais, e as cotas legitimam a adoção destes critérios. O Ministro da Educação, Tarso Genro, em recente entrevista, alega que as críticas vêm da elite brasileira, sempre propensa a questionar políticas de caráter reformador que visam proteger camadas de baixa renda. Incorreto. As críticas têm partido de indivíduos de variados segmentos da sociedade. O governo sabe disso. Aliás, não há notícias de que uma suposta elite tenha vindo a público protestar contra políticas educacionais que, de fato, teriam como efeito a promoção social dos excluídos, e que consistem na melhoria da educação pública, expansão da educação infantil e erradicação do analfabetismo - objetivos que o governo deveria perseguir obstinadamente, se ambicionasse ser o pai de um feito histórico: a redução das desigualdades entre classes sociais, sexos e raças.

A conveniência das cotas é discutível e é imprudente insinuar que há - ou incitar - indisposição entre jovens de diferentes classes, como se os filhos da classe média empatassem a vida dos filhos das camadas carentes (e não a falta de investimentos no ensino público), especialmente se autodeclarados negros ou pardos, já que as cotas não miram os pobres. Estudantes brancos pobres merecem uma explicação por terem ficado em segundo plano nessa história. História que começa a fugir ao controle, está tomando rumos inesperados e constrangendo até os que defendem a reserva para negros. O constrangimento, como a imprensa noticiou, começou no campus da UnB, que resolveu tirar fotos dos que se autodeclararem negros e formar uma comissão (composta por um sociólogo, um antropólogo e três representantes da comunidade) que checará se o candidato possui tom de pele, tipo de cabelo e traços faciais típicos da raça.

Onde isso vai chegar? Se um filho de mãe negra e pai branco puxar ao pai, e seu irmão à mãe (como ocorre em tantas famílias brasileiras), só um poderá se autodeclarar negro? A primeira comissão de triagem racial do país deve se preparar para os protestos. Logo, logo, terá que pesquisar a ascendência dos alunos até a quinta geração. Afinal, se meu tataravô foi negro e pobre e isso prejudicou a ascensão da minha família, tenho o direito de ser reparado pelo Estado, segundo os princípios que dão sustentação ao sistema de cotas.

As ações afirmativas foram importadas de um país não miscigenado e com um histórico de discriminação brutal. Nos Estados Unidos, um aluno poderia ser rejeitado na universidade por ser negro, índio, asiático, latino (escolham a etnia). No Brasil, a seleção não leva em conta raça ou renda, mas os conhecimentos do candidato. E, se a maioria dos negros e brancos pobres não vencem a disputa, é por terem se sujeitado a um ensino público tão sofrível que é de espantar que os ativistas negros que se acorrentaram na USP para protestar contra a indefinição da instituição quanto às cotas não se plantem nas portas das escolas públicas, exigindo sua melhoria imediata, adoção do horário integral, elevação dos salários dos professores, instalação de computadores, bibliotecas e laboratórios e expansão da educação infantil. Ou não sabem que o drama começa aí?

Implantam-se cotas raciais no alto da pirâmide educacional, e o massacre continua na base. Considerando crianças de 10 a 14 anos, a taxa de analfabetismo é duas vezes maior entre negras e pardas (9,9 e 8,5 por cento) que entre brancas (3,3 por cento). Segundo o IPEA, a média de anos de estudo dos brancos é de 6,6 anos e dos negros e pardos, 4,6 anos - estima-se que os negros demorem 21 anos para alcançar o nível atual dos brancos. Porque não estender ações afirmativas à educação básica, incluindo, em clima de urgência, a educação infantil? De 20 milhões de crianças de zero a seis anos, 6,3 milhões são atendidas, sendo que, das que vivem com famílias cuja renda é de até meio salário, só 50 por cento das que têm entre quatro e seis anos, e seis por cento das que têm entre zero e três. Como os negros representam 64 por cento dos pobres e 69 por cento dos indigentes no Brasil, qual a explicação para não exigir ações sociais onde são mais necessárias?

Vivemos em um país onde 75 por cento de uma população de 169 milhões se encaixam em algum grau de analfabetismo, 69,7 milhões com mais de 15 anos não concluíram o ensino obrigatório, 3,4 por cento concluíram o ensino superior e 11 por cento dos jovens de 18 a 24 anos chegam a uma graduação. Cerca de 90 por cento dos alunos da educação básica freqüentam escolas que, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, primam pela precariedade: 65,3 por cento das escolas de ensino médio não possuem recursos pedagógicos adequados, como 53,2 por cento das que oferecem a oitava série e 46,2 por cento das que oferecem da primeira à quarta série; recursos financeiros escasseiam em 87,2 por cento das escolas de ensino médio, 73,5 por cento das que oferecem da primeira à quarta série e 85,1 por cento das que oferecem da quinta à oitava. Para piorar, o funcionamento dos estabelecimentos onde estuda a maioria negra está vinculado à ditadura da violência. Os problemas dessas escolas e seus efeitos sobre a aprendizagem são conhecidos, mas estão longe de serem sanados.

Acredito, piamente, que parte do esforço que os defensores das cotas despendem deve ser direcionado para o drama que se desenrola na rede pública, atingindo em cheio crianças que nunca chegarão perto de um exame vestibular. No entanto, o bom senso tirou férias, o governo insiste na tese do racismo para justificar as cotas e abre uma brecha perigosa, pois, se ele adota critérios raciais (não importa com que objetivo, o que importa é ter se valido destes critérios), por que outros grupos não poderão se arrogar o mesmo direito? Enquanto esperamos uma resposta que não virá, as universidades imaginam como mensurar a cor dos candidatos e a UnB cria um tribunal de pureza racial que, aliás, deve-nos um esclarecimento: no caso de um hipotético empate entre dois candidatos incluídos no sistema de cotas, quem ganha a vaga: o mais negro? Algo fugiu ao controle da bem intencionada discriminação positiva. Não devemos ignorar seus desdobramentos indesejáveis e o desconforto que vêm causando. O Brasil não merecia.

 
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