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A Outra Reforma Universitária PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Edson De Oliveira Nunes   
Qua, 21 de Abril de 2004 21:00

A discussão da reforma universitária está naturalmente ocupada por questões prementes e visíveis, tais como o financiamento da universidade pública, o acesso e as emergentes questões associadas à inclusão e às ações afirmativas, a natureza da autonomia, a governança universitária. Outros assuntos de igual, senão mais profunda importância estão deixados à parte. São eles, i) questão dos conteúdos/relevância do que se ensina, ii) volume de trabalho e dedicação dos estudantes, iii) fixação de um padrão de referência acadêmico compatível com os mais altos níveis internacionais. Relevância, volume de trabalho e referência acadêmica deveriam constituir a pauta essencial de uma reforma universitária. Os outros aspectos, de forma, governança, financiamento, embora fundamentais, são decorrência da definição do que se deseja fazer.

Quanto à relevância e conteúdo, o Brasil está amarrado à decisão pregressa de que a universidade existe para oferecer educação profissional. Esta decisão, no rastro de modelagem francesa ancestral, exige que nossos meninos sejam amalgamados e tenham sua visão de mundo simplificada por profissionalização precoce. Desde os 15/16 anos os estudantes secundários precisam começar a optar pela profissão futura, de modo a melhor se prepararem para os vestibulares, principalmente aqueles que almejam ingressar em universidades públicas, acesso para as quais é densamente competitivo. Começamos, portanto, desde o secundário, a estreitar a visão de mundo de nossas gerações futuras. Candidatas à profissão antes de serem candidatas ao saber.

Ingressando nas faculdades, vindo, em geral, de um ensino médio decepcionante, salvo as exceções de elite de praxe, começam nossos jovens a estudar coisas profissionais, deixando de lado, como já haviam deixado no secundário, a formação mais abrangente, humanística, histórica, enfim a educação. O ensino superior brasileiro é refém de 37 profissões regulamentadas pelo Estado. Dos cerca de 12 mil cursos que existiam em 2001, cerca de 9 mil eram de profissões regulamentadas.

Os currículos universitários estão à reboque das corporações. Um emaranhado de leis profissionais, visto que no Brasil profissão é coisa de Estado, coisa de lei corporativa, acaba exigindo da universidade o título de bacharel nesta ou naquela profissão. Este bacharel precisa estar inscrito na entidade corporativa pertinente, para que possa, por exemplo, participar, como técnico de uma empresa, de uma concorrência pública. Sua empresa, não só ele, também precisa estar inscrita no órgão, com suas taxas em dia. Em suma, o ensino superior brasileiro é muito mais um assunto corporativo do que um assunto educacional.

Como diz um crítico de nossa cultura, o Barão de Tafner: não tem perigo de dar certo! Estamos formando meninos/bacharéis, "doutores" em nosso linguajar, que mal sabem escrever, desconhecem história e literatura, estão distanciados dos grandes temas, angústias e heranças de nossa civilização e de nosso país. Freqüentemente, para dar um exemplo, ficamos surpreendidos quando nos deparamos com um texto universitário bem escrito, uma monografia escorreita, uma dissertação de mestrado ou tese de doutorado bem escrita. Nos surpreendemos simplesmente porque escrever direito passou a ser coisa excepcional, não a mais rotineira obrigação do universitário brasileiro. Não tem mesmo perigo de dar certo.

Quanto ao volume de trabalho, a situação é tão ou mais crítica do que a representada pelo perigo corporativo. Nossos alunos estudam pouco, têm poucas aulas, estão majoritariamente matriculados em cursos noturnos, acham que as escolas exigem pouco deles. Dados dos questionários do Provão indicam que dois terços dos estudantes freqüentaram cursos noturnos, com diminuta carga de trabalho discente. E iguais dois terços trabalharam enquanto estudavam. Cerca de 60% de todos os formandos disseram que a universidade deveria ter exigido mais deles.

Vejam, os cursos noturnos normalmente têm carga horária de 20 horas/aula semanais. A hora/aula noturna é de quarenta e cinco minutos. Ou seja, os estudantes noturnos só têm efetivamente, 15 horas/relógio de escolaridade semanal. Três horas por dia. Nos duzentos dias letivos, nossos meninos recebem apenas 600 horas de aulas. Quando recebem! Para se ter uma idéia de quanto isto é pouco, tomem o sistema europeu de transferência de créditos, o ECTS. Tal sistema aponta para uma carga de trabalho no ano letivo em torno de 1560 horas de trabalhos discentes. A carga de trabalho discente não é menor nos Estados Unidos, exceto na "night school" ou "community colleges". Ou seja, um estudante europeu ou americano tem obrigações discentes muitas vezes superiores ao estudante brasileiro. Como se os nossos quatro anos de bacharelado equivalessem a muito menos que dois anos de estudos em universidades do primeiro mundo. Ou por outro ângulo, se temos apenas 600 horas efetivas de trabalho discente/ano, levaríamos cerca 10 anos para receber o total de 6.240 horas de trabalho discente contidas num bacharelado europeu ou americano de quatro anos. Tem razão o Barão de Tafner. Não tem perigo de dar certo.

Terceiro aspecto, ao lado dos conteúdos e da carga de trabalho, refere-se à necessidade permanente de um padrão de referência acadêmica de altíssima qualidade. Nisto, a responsabilidade do setor público adquiriu relevância exponencial por conta da decisão brasileira, caso desviante no planeta, ao lado de outros poucos assemelhados, como Filipinas, Coréia do Sul e Japão, de fazer a expansão da educação superior via setor privado. O Brasil aproxima-se do momento em que terá 80 de todas as sua matrículas no ensino superior providas pelo setor privado. Caso único no planeta. Exatamente por isso, o setor público, através das universidades que mantêm, precisará garantir a referência de qualidade, o termômetro através do qual se mede a qualidade da vida acadêmica e científica, conforme padrões internacionais. Aqui a coisa se complica, no momento em que se fala de inclusão, quotas, cursos noturnos nas federais, desmesurado aumento de vagas.

Moralmente, ninguém pode ser contra as ações afirmativas. A política de inclusão, contudo, não pode nem deve sacrificar a missão imperativa que foi, ainda que contraditória possa parecer a circunstância, imposta à universidade pública, a de servir de referência. Expliquemos: o mercado é péssimo alocador de valores imateriais, tais como aqueles de natureza educacional. Move-se o mercado por ganhos de eficiência, retorno econômico, custos, competição, morte do competidor. Não pode preocupar-se com valores imateriais, "par default". Ora, se escolhemos o mercado como responsável pela expansão, quem vai apontar o caminho da qualidade, quem vai oferecer a régua da medida, quem vai dar ao país e aos pais o norte referencial? O setor púbico, claro. E unicamente. Por isso, qualquer ação afirmativa, qualquer política que quotas, precisa estar baseada na excelência acadêmica. A universidade pública brasileira precisa estar referenciada aos padrões internacionais, tanto em termos de carga de trabalho discente, quanto em termos da qualidade do que se oferece. Claro, defende-se aqui uma versão acadêmica elitizante, não necessariamente excludente, mas elitizante do ponto de vista acadêmico. Transigir nisto, aviltando a universidade pública, é brincar com fogo em termos do futuro do país e das gerações que nos sucedem.

A universidade pública brasileira não pode fugir disso, caso contrário estaremos à deriva em termos de referência. Bom ou ruim, certo ou errado, ideologicamente aceitável ou não, o raciocínio aqui desenvolvido, nada mais que uma versão singelamente pragmática dos fatos, precisa ser tomado em consideração por todos nós envolvidos neste debate.

O Brasil está em vias de ter seu sistema de educação superior permanentemente transformado em imenso "community college" ou em perdulário curso seqüencial que, embora dure quatro anos, de fato é baseado em cursos noturnos, carga horária reduzida, alunos trabalhando enquanto estudam, enfim um enorme colégio profissionalizante do terceiro grau. Nada contra isso, ao contrário, o sistema precisa mesmo ter alternativas para sua massificação. E cursos profissionalizantes, noturnos, inclusive com duração reduzida constituem alternativa relevante. Mas não podem nem devem constituir a única alternativa possível. A referência acadêmica precisa ser buscada, em nome mesmo da diversidade do sistema. Não reside nesta discussão a outra reforma universitária?


 

Autor deste artigo: Edson De Oliveira Nunes - participante desde Ter, 20 de Abril de 2004.

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