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Edições Anteriores 11 Ainda as perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo, o que deve ser o curso de pedagogia
Ainda as perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo, o que deve ser o curso de pedagogia PDF Imprimir E-mail
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Escrito por José Carlos Libâneo   
Qua, 21 de Abril de 2004 21:00
Os debates e polêmicas em relação ao curso de Pedagogia podem não Ter o progresso que se espera se os intelectuais e pesquisadores não enfrentarem a questão: o que queremos dizer quando utilizamos o termo "pedagogia". É verdade que ele se presta a vários significados conforme a tradição cultural, científica e epistemológica a que se recorra. Em vários países europeus, a pedagogia é reconhecida como ciência mas, em outros, é substituída por ciências da educação ou tem seu conteúdo identificado com a didática. Mas, a despeito dessa diversidade de significados, sempre há uma arrazoado teórico que o justifique. Entre nós, todavia, tem sido muito frequente certa improvisação quando se trata de conceituar pedagogia ou de argumentar sobre questões de formação pedagógica de professores. Por exemplo, padece de suporte conceitual e histórico a idéia corrente entre educadores brasileiros de denominar pedagogia o curso de formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental e o pedagogo o professor formado por esse curso. Certamente o campo da pedagogia e do exercício pedagógico inclui o trabalho dos professores e sua formação profissional, mas não há identidade conceitual entre pedagogia e formação de professores. Diferentemente desta posição, este texto apresenta um ponto de vista explícito sobre a natureza e identidade da pedagogia e o trabalho dos pedagogos, tentando situar a pedagogia como um campo científico e campo profissional. Em diversos outros textos tenho tratado desta questão (especialmente em Libâneo, 1988; Libâneo e Pimenta, 1999) e o que trago aqui é uma versão sintética das minhas posições que, resumidamente, são as seguintes:

- Pedagogia é, antes de tudo, um campo científico, não um curso. O curso que lhe corresponde é o que forma o investigador da educação e o profissional que realiza tarefas educativas seja ele docente ou não diretamente docente. Somente faz sentido um curso de pedagogia pelo fato de existir um campo investigativo - o da pedagogia - cuja natureza constitutiva é a teoria e a prática da educação ou a teoria e prática da formação humana

- Há uma diversidade de práticas educativas na sociedade que se realizam em muito lugares e sob várias modalidades. Como a toda educação corresponde uma pedagogia, também há uma diversidade de trabalhos pedagógicos para além das atividades de educação escolar e ensino;

- Todas as pessoas que lidam com algum tipo de prática educativa elacionada com o mundo dos saberes e modos de ação, são pedagogos. Explicitando: são pedagogos, em sentido amplo, todos os que exercem atividades de magistério em qualquer lugar mas, também os que trabalham em meios de comunicação, formadores de pessoal nas empresas, animadores culturais e desportivos, produtores culturais etc. São pedagogos, em sentido estrito, os professores e os pedagogos especialistas;


- Curso de pedagogia pode, pois, desdobrar-se em múltiplas especializações profissionais, uma delas a docência, mas seu objetivo específico não é somente a docência. Portanto o curso de pedagogia não se reduz à formação de professores. Ou seja, todo trabalho docente é trabalho pedagógico, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente. O professor está no pedagogo, o pedagogo está no professor, mas cada profissional desses pede uma formação diferenciada;

- Disso decorre que a base da formação de educadores não é a docência, mas a formação pedagógica. A docência é uma das modalidades de trabalho pedagógico. A formação de educadores extrapola, pois, o âmbito escolar formal, abrangendo também, esferas mais amplas da educação não-formal e formal.

- Para atender às necessidades de formação profissional para atividades educativas diversificadas, propõe-se uma faculdade de pedagogia com três cursos distintos, mas articulados entre si de modo a constituírem uma concepção unitária de formação: o curso de pedagogia, o curso de formação de professores e os cursos de formação continuada

1. Pedagogia: teoria e prática da educação
Há uma idéia recorrente, inclusive entre os próprios pedagogos, de que Pedagogia é o modo de ensinar, tem pedagogia quem ensina bem. Uma pessoa estuda ou se serve da pedagogia para ensinar melhor a matéria, a utilizar técnicas de ensino; desse modo, o pedagógico seria o metodológico. Tal entendimento poderia até ser compreensível, caso fosse atribuído a professores de matérias sem vínculo direto com a educação, ou seja, profissionais do ensino mais ou menos leigos em relação ao campo investigativo da educação. Mas seria impróprio a professores ligados ao campo da educação manter uma idéia de senso comum sobre o caráter do pedagógico.

Há, de fato, uma tradição na história da formação de professores no Brasil segundo a qual pedagogo é alguém que ensina algo. Essa tradição teria se firmado no início da década de 30 com a influência tácita dos chamados "pioneiros da educação nova", tomando-se o entendimento de que curso de pedagogia seria um curso de formação de professores para as séries iniciais da escolarização obrigatória. O raciocínio que teria dado suporte a essa idéia é simples: educação ,ensino, dizem respeito a crianças (inclusive porque o "peda" do termo pedagogia vem do grego "paidós" que significa criança). Ora, ensino dirige-se a crianças, então quem ensina para crianças é pedagogo. E para ser pedagogo, ensinador de crianças, faz-se um curso de pedagogia, isto é, um curso que forma professores para ensinar crianças. Foi essa idéia que permaneceu e continua reincidente na experiência brasileira de formação de professores (e que alguns educadores a chamam de "conquista histórica"). Aliás, a aceitar esse raciocínio, também os cursos de licenciatura deveriam receber, também, a denominação de cursos e pedagogia, porque preparam professores para ensinar crianças e jovens.

Conceber o curso de pedagogia como destinado apenas à formação de professores é, a meu ver, uma idéia muito simplista e reducionista. A pedagogia ocupa-se, de fato, da formação escolar de crianças, com processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo de conhecimentos; diz respeito ao estudo e à reflexão sistemática sobre o fenômeno educativo, sobre as práticas educativas, para poder ser uma instância orientadora do trabalho educativo. O didata alemão Schimied Kowarzik chama a pedagogia de ciência da e para a educação, portanto, é a teoria e a prática da educação. Tem um caráter ao mesmo tempo explicativo, praxiológico e normativo da realidade educativa, pois investiga teoricamente o fenômeno educativo, formula orientações para a prática a partir da própria ação prática e propões princípios e normas relacionados aos fins e meios da educação.

O campo do educativo é bastante vasto, uma vez que a educação ocorre em muitos lugares e sob várias modalidades: na família, no trabalho, na rua, na fábrica, nos meios de comunicação, na política, na escola. Ou seja, ela não se refere apenas às práticas escolares, mas um imenso conjunto de outras práticas educativas. Ora, se há uma diversidade de práticas educativas, há também uma diversidade de pedagogias: a pedagogia familiar, a pedagogia sindical, a pedagogia dos meios de comunicação, a pedagogia dos movimentos sociais, etc., e também, obviamente, a pedagogia escolar. Com esse raciocínio conclui-se que não podemos reduzir a educação ao ensino, nem a pedagogia aos métodos de ensino. A atividade escolar, a docência, constituem-se em desdobramentos da Pedagogia e, sendo assim, ela é a base, o suporte da docência, não o inverso. E a pedagogia não pode ser reduzida a um curso, já que ela é, antes, um campo científico.

Para se compreender com mais profundidade o que é Pedagogia, é preciso explicar seu objeto de estudo, a educação ou prática educativa. Educação compreende o conjunto dos processos, influências, estruturas, ações, que intervêm no desenvolvimento humano de indivíduos e grupos na sua relação ativa com o meio social e natural, num determinado contexto de relações entre grupos e classes sociais, visando a formação do ser humano. A educação é, assim, uma prática humana, uma prática social, que modifica os seres humanos nos seus estados físicos, mentais, espirituais, culturais, que dá uma configuração à nossa existência humana individual e grupal.

Tais processos formativos que constituem o objeto de estudo da Pedagogia atuam por meio da comunicação e intercâmbio da experiência humana acumulada, isto é, dos saberes e modos de agir construídos pela humanidade. A educação está ligada a processos de comunicação e interação pelos quais os membros de uma sociedade assimilam saberes, habilidades técnicas, atitudes, valores existentes no meio culturalmente organizado e, com isso, ganham o patamar necessário para produzir outros saberes, técnicas , valores, etc. É intrínseco ao ato educativo seu caráter de mediação mediante o qual favorece o desenvolvimento dos indivíduos na dinâmica sociocultural de seu gruo, sendo que o conteúdo dessa mediação são os saberes e modos de ação, isto é, a cultura que vai se convertendo em patrimônio do ser humano.

Trata-se, pois, de entender a pedagogia como prática cultural, forma de trabalho cultural, que envolve uma prática intencional de produção e internalização de significados. É esse caráter de mediação cultural que explica as várias educações, suas modalidades e instituições, entre elas a educação escolar. Também daí decorrem as várias projeções do educativo em projetos nacionais, regionais, locais, que expressam intenções e ações logo materializadas nos currículos.

Mas há, ainda, um elemento importante do conceito de educação a ser destacado. A educação é uma prática social que busca realizar nos sujeitos humanos as características de humanização plena. Todavia, toda educação se dá em meio a relações sociais. Numa sociedade em que essas relações se dão entre grupos sociais antagônicos, com diferentes interesses, em relações de explorações de um sobre o outro, a educação só pode ser crítica, pois a humanização plena implica a transformação dessas relações. Isso significa que pedagogia lida com o fenômeno educativo enquanto expressão de interesses sociais em conflito na sociedade em que vivemos. É por isso que a pedagogia expressa finalidades sócio-políticas, ou seja, uma direção explícita da ação educativa relacionada com um projeto de gestão social e política da sociedade. Dizer do caráter pedagógico da prática educativa, é dizer que a pedagogia, a par de sua característica de cuidar dos objetivos e formas metodológicas e organizativas de transmissão de saberes e modos de ação em função da construção humana, refere-se, explicitamente, a objetivos éticos e a projetos políticos da gestão social.

Sendo assim, ao investigar as questões atinentes à formação humana e práticas educativas correspondentes, a pedagogia começa perguntando que interesses estão por detrás das propostas educativas. Precisamente por isso, a ação pedagógica dá uma direção , um rumo às práticas educativas, conforme esses interesses. O processo educativo se viabiliza, portanto como prática social precisamente por ser dirigido pedagogicamente. Em outras palavras, é o caráter pedagógico que introduz o elemento diferencial nos processos educativos que se manifestam em situações históricas e sociais concretas. Precisamente pelo fato de a prática educativa desenvolver-se no seio de relações entre grupos e classes sociais é que se ressalta a mediação pedagógica para determinar finalidades sócio-políticos e formas de intervenção organizativa e metodológica do ato educativo.

Podemos, finalmente, resumir:

a) A Pedagogia é a teoria e prática da educação. Mediante conhecimentos científicos, filosóficos e técnicos profissionais, investiga a realidade educacional sempre em transformação, para explicar objetivos e processos de intervenção metodológica e organizativa referentes à transmissão- assimilação de saberes e modos de ação. Ela busca o entendimento global e intencionalmente dirigido dos problemas educativos e, para isso, recorre aos aportes teóricos providos pelas demais ciências da educação.

b) O pedagogo é o profissional que atua em várias instancias da prática educativa direta ou indiretamente ligadas à organização e aos processos de transmissão e assimilação de saberes e modos de ação, tendo em vista objetivos de formação humana previamente definidos em sua contextualização histórica.

Este entendimento permite falar de três tipos de pedagogos:

1) pedagogos latosenso - todos os profissionais que se ocupam de domínios e problemas da prática educativa em suas várias manifestações e modalidades

2) pedagogos stricto sensu -especialistas que, sempre com a contribuição das demais ciências da educação, e sem restringir sua atividade profissional ao ensino, dedicam-se a atividades de pesquisa, documentação, formação profissional, educação especial, gestão de sistemas escolares e escolas, coordenação pedagógica, animação sociocultural, formação continuada em empresas, escolas e outras instituições.

3) pedagogos stricto sensu - professores do ensino público e privado que atuam em todos os níveis e modalidades de ensino.

Vê-se que acaba bastante empobrecedor, do ponto de vista conceitual, identificar pedagogia com docência. Na verdade, a docência subordina-se a pedagogia, uma vez que o ensino é um tipo de prática educativa, vale dizer, uma modalidade de trabalho pedagógico. Dessa forma o trabalho docente é trabalho pedagógico porque é uma atividade intencional, mas nem todo trabalho pedagógico é trabalho docente.

2. O exercício profissional: somos muito pedagogos
Pelas considerações anteriores, fica claro que há uma diversidade de práticas educativas na sociedade e em todas elas, desde que se configurem como intencionais, está presente a ação pedagógica. A contemporaneidade mostra uma "sociedade pedagógica", revelando amplos campos de atuação pedagógica. No campo da ação pedagógica extra-escolar distinguem-se profissionais que exercem sistematicamente atividades pedagógicas e os que ocupam apenas parte de seu tempo nestas atividades:

a) formadores, animadores, instrutores, organizadores, técnicos, consultores, orientadores que desenvolvem atividades pedagógicas em órgãos públicos, privados e públicos não estatais, ligadas às empresas, à cultura, aos serviços de saúde, alimentação, promoção social etc.

b) formadores ocasionais que ocupam parte de seu tempo em atividades pedagógicas em órgãos públicos estatais e não estatais e empresas referentes à transmissão de saberes e técnicas ligados a outra atividade profissional especializada. Nesta categoria incluem-se trabalhadores sociais, monitores e instrutores de recreação e educação física, bem como profissionais das mais diversas áreas profissionais onde ocorre algum tipo de atividade pedagógica como: administradores de pessoal, redatores de jornais e revistas, comunicadores sociais e apresentadores de programas de rádio e TV, criadores de programas de TV, de vídeos educativos, de jogos e brinquedos, elaboradores de guias urbanos e turísticos, mapas, folhetos informativos, agentes de difusão cultural e científica, etc.

3. A formação profissional de pedagogos docentes e não-docentes
Tudo o que vimos dizendo até aqui nos leva a afirmar que todos os profissionais que lidam com alguma modalidade de prática educativa de caráter intencional são, a rigor, pedagogos, uns especialistas outros docentes. Esses profissionais da educação devem ser formados, predominantemente, nas atuais faculdades de educação que oferecerão o curso de Pedagogia para atividades escolares e extra-escolares, curso de formação de professores para a educação Básica, programa especial de formação pedagógica e programas de educação continuada. Dissolve-se, assim, a designação "pedagogia" para identificar apenas o curso de formação de professores para as séries iniciais do Ensino Fundamental.

O curso de pedagogia destinar-se-á à formação de profissionais interessados em estudo do campo teórico-investigativo da educação e no exercício técnico-profissional como pedagogos no sistema de ensino, nas escolas e em outras instituições educacionais, inclusive as não escolares.

Os cursos de formação de professores e os programas mencionados, abrangendo todos os níveis da educação básica, serão realizados num Centro de Formação, pesquisa e Desenvolvimento Profissional de Professores - CFPD, que integrará a estrutura organizacional das Faculdades de educação e destinar-se-á à formação de professores para educação básica, da educação infantil ao ensino médio.

O curso de pedagogia e a formação de pedagogos escolares e não-escolares

O curso específico de pedagogia destina-se à formação de pedagogos-especialistas que venham a atuar em vários campos sociais da educação, decorrentes de novas necessidade e demandas socioculturais e econômicas. Tais campos são: as escolas e os sistemas escolares, a pesquisa educacional, os movimentos sociais, as diversas mídias, incluindo o campo editorial, as áreas de saúde e assistência social, as empresas, os sindicatos, as atividades de animação cultural e lazer, a produção de vídeos educativos e outros que se fazem necessários. Em todos esses campos de exercício profissional, o pedagogo desenvolverá funções de formulação e gestão de políticas educacionais; organização e gestão de sistemas de ensino e de escolas, planejamento, planejamento, coordenação, execução e avaliação de programas e projetos educacionais, relativos às diferentes faixas etárias; formação de professores, assistência pedagógico-didática a professores e alunos; avaliação educacional; produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional.

O Centro de Formação de Professores nas Faculdades de Educação
O Centro de formação, Pesquisa e desenvolvimento Profissional de Professores teria quatro objetivos:

a) Formar e preparar profissionalmente professores para atuar na educação Básica;

b) Desenvolver, em colaboração com outras instituições a formação contínua e o desenvolvimento profissional dos professores;

c) Realizar pesquisas na área de formação e desenvolvimento profissional de professores;

d) Preparação profissional de professores que atuam no Ensino Superior.
Esses objetivos configuram um projeto pedagógico próprio para a formação e o desenvolvimento profissional de professores.

A inserção na estrutura das faculdades de educação do CFPD pretende ser uma virada de rumo na formação de professores. É preciso uma mudança radical nas formas institucionais e curriculares de formação de professores, superando o atual esquema do bacharelado e da licenciatura que não responde mais às necessidades prementes de qualificação profissional para um tempo novo. Centrar a formação de professores numa instituição modelar como têm sido as Faculdades de Educação e atribuir-lhe a responsabilidade de concatenar, no âmbito da universidades, as políticas e planos de formação de professores, em estreita articulação com os institutos, faculdade ou departamentos das áreas específicas, pode ser a garantia não apenas de melhoria da qualidade da formação, mas de assegurar a profissionalidade do professorado, de modo que se configure sua identidade e estatuto profissional.

A institucionalização do CFPD possibilita a incorporação dos princípios que os educadores construíram ao longo dos últimos anos em seus movimento, encontros, pesquisas e debates, tais como:

a) Instituição de uma escola específica para a formação de professores, voltada para a profissionalidade docente, o desenvolvimento profissional e construção da identidade de professor;

b) Reconhecimento de que a identidade profissional do professor constitui-se da dimensão epistemológica e profissional. A epistemologia compreende a docência como confluência de quatro campos de conhecimento específicos: conteúdos das diversas áreas do saber e do ensino; conteúdos pedagógicos-didáticos, conteúdos de saberes pedagógicos mais amplos; conteúdos relacionados com o sentido da existência humana;

c) Indissociabilidade entre teoria e prática, observando um regime elo qual o estudante alterna períodos de permanência nas escolas e nas universidades;

d) Compreensão da pesquisa como componente essencial da/na formação, de modo que a pesquisa da prática se constitua como princípio formativo e cognitivo e objeto de reflexão/ formação;

e) Permanência dos graduandos nas escolas, em atividade de estágio, com a finalidade de promover a observação, experimentos e análises das situações de ensino e aprendizagem, o desenvolvimento de atividades que propiciem a reflexão, a discussão teórica e a elaboração de hipóteses, o exercício da docência;

f) Instituição de formas de trabalho coletivo e interdisciplinar;

g) Visão de totalidade do processo escolar/ educacional; compromisso social e ético;

4. Uma menção ao quadro atual da estruturação legal da formação de educadores no Brasil
Em texto publicado em 1999 (Libâneo e Pimenta, p.241) se reclamava a necessidade de definição explícita por parte dos órgãos oficiais de uma estrutura organizacional para um sistema nacional de formação de profissionais da educação, incluindo a definição dos locais institucionais do processo formativo. Decorridos quase três anos, essa organização institucional e legal está por ser criada. O que temos hoje são documentos legais desencontrados, soluções legais parciais, instabilidade na constituição de comissões de especialistas para elaboração de diretrizes curriculares e para outras ações normativas. Atualmente, as três instancias oficiais envolvidas com a formação de educadores, o CNE, a SESu, o INEP não estão articuladas para pensar e organizar o sistema de formação de educadores. Nem sequer há clareza sobre quais são as responsabilidades desses órgãos quanto a gerir, legislar, avaliar, quais suas efetivas competências e como suas atividades podem ser interligadas de acordo com uma concepção pedagógica e curricular, se é que ela exista.

Por outro lado, as instancias não oficiais (Anfope, Anped, Forumdir, por exemplo) insistem em não apresentar propostas concretas de currículo institucional e legal, nem tem conseguido consenso político ou um entendimento mínimo em torno de propostas pedagógico-curriculares, de modo a se chegar a uma pauta comum de negociação, seja com o governo, seja com as várias e diferentes posições sobre as questões existentes no campo investigativo e profissional da educação. Com isso, a própria área não tem um consenso mínimo sobre objetivos da formação e composição curricular, as instituições de formação não tem referenciais para reorganizar seu formato institucional e seus currículos.

O documento normativo que expressa de forma mas cabal o ponto de vista defendido pela ANFOPE é a proposta de diretrizes curriculares para o curso de pedagogia, elaborada pela comissão de especialistas de ensino de Pedagogia. (texto final divulgado em 6.5.1999). Extraio desse documento suas posições sobre o perfil do pedagogo, as áreas de atuação do profissional, os conteúdos básicos e a duração dos cursos.

Perfil comum do pedagogo: profissional habilitado a atuar no ensino, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, tendo a docência com base obrigatória de sua formação e identidade profissionais.

Áreas de atuação profissional: docência na educação infantil, nas séries iniciais do ensino Fundamental e nas disciplinas da formação pedagógica do nível médio. E ainda:

- Organização de sistemas, unidades, projetos e experiências educacionais escolares e não-escolares.
- Produção e difusão do conhecimento científico e tecnológico do campo educacional
- Áreas emergentes do campo educacional

Conteúdos básicos:
a) Referentes ao contexto histórico e sociocultural: fundamentos filosóficos, históricos, políticos, econômicos, sociológicos, psicológicos e antropológicos
b) Referentes ao contexto da educação Básica; conteúdos curriculares da educação básica escolar, conhecimentos didáticos, teorias pedagógicas em articulação com as metodologias, tecnologias da informação e comunicação e suas linguagens específicas aplicadas ao ensino; processos de organização do trabalho pedagógico, gestão e coordenação educacional; relações entre educação e trabalho.
c) Referentes ao contexto do exercício profissional em âmbitos escolares e não-escolares

Duração do Curso: 3200 horas

Há que se reconhecer o empenho da Comissão em ampliar o campo profissional do pedagogo, superando estreiteza das formulações anteriores. Todavia, permaneceu os mesmos equivocos conceituais que tenho mencioado: o termo pedagogia continua sendo utilizado como sinônimo de formação de professores; a área preponderante de atuação profissional continua sendo a docência na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental; mantém-se a idéia já veiculada por outros legisladores de "formação do especialista no docente"

O que também chama a atenção é o papel previsto para aquele pedagogo que, segundo o documento, exerceria outras função que não a docência.

Note que a formação de todos os profissionais deve ser incluída no mesmo percurso de formação, no mesmo currículo, com a mesma duração global do curso, ao lado da parte específica diretamente relacionada com a formação de professores. Além disso, a indicação de conteúdos básicos não contempla elementos teóricos específicos para o exercício dessas funções, como também não contempla elementos para a formação do pesquisador.

Dispenso-me de argumentar pela necessidade de formação do pedagogo-especialista, especialmente para a direção e coordenação pedagógica das escolas, uma vez que boa parte deste texto ocupa-se, justamente em destacar essa necessidade.

5. Desafios contemporâneos postos ao curso de Pedagogia
Destaco, a seguir, alguns desafios postos presentemente á Pedagogia e que precisam constituir-se em projetos de investigação

1) Reafirmar a educação como capacitação para a autodeterminação racional, pela formação da razão crítica.

A pedagogia precisa reafirmar seu compromisso com a razão, com a busca da emancipação, da autonomia, da liberdade intelectual e política. O pensamento pós-moderno critica a possibilidade dessa busca de autonomia num mundo contemporâneo. Há restrições à autonomia do sujeito face às relações do poder, à vigilância das ações individuais, à burocratização, à racionalidade instrumental, à subjugação da subjetividade. Todavia, uma pedagogia para emancipação precisa continuar apostando na possibilidade do desenvolvimento de uma razão crítica precisamente como condição para desvelar as restrições à autonomia no contexto do mundo moderno.

2) Pôr em desta que as investigações que fortaleçam a articulação entre o cognitivo, o social e o afetivo.

É verdade que as escolas e os professores ainda se apegam demasiadamente aos aspectos cognitivos do processo de aprendizagem, à medida em que persiste a dependência aos conhecimentos formais, factuais. Mas os alunos são, também, sujeitos concretos, condicionados por culturas particulares e origem social, portadores de saberes de experiências. Na sala de aula os alunos vão constituindo sua subjetividade. O ensino envolve sentimentos, emoções. Daí a necessidade de conhecer e compreender motivações, interesses, necessidades de alunos diferentes entre si, capacidade de comunicação com o mundo do outro, sensibilidade para situar a relação docente no contexto físico, social e cultural do aluno. A pedagogia contemporânea não pode mais desconhecer o fato de que as escolas precisam responder pela ajuda ao fortalecimento das subjetividades dos alunos, ao lado de desenvolver também o sentimento de pertencimento à humanidade, às coletividades, implicando valores de compartilhamento e solidariedade.

3) Redefinir o conceito de qualidade democrática numa pedagogia emancipatória.

Na ótica neoliberal, qualidade da educação tem significado o provimento das condições para que os indivíduos sejam preparados para o enfrentamento da competitividade internacional. Para isso investe-se nos processos de gestão do sistema e das escolas através de novos padrões de gerenciamento.

Na busca da qualidade democrática, o paradigma economicista-empresarial resolve pouco. A escola não é uma empresa, o aluno não é um cliente, nem meramente um consumidor. A qualidade é um conceito implícito aos processos formativos e ao ensino, implica educação geral onilateral, voltada para a cidadania, para a formação de valores, para a valorização da vida humana em todas as dimensões. Isso não leva a educação escolar a eximir-se do seu contexto político e econômico, nem sequer de suas responsabilidades de preparação para o trabalho; mas, também, não pode estar subordinada e a serviço exclusivo do modelo econômico.

Educação de qualidade é aquela em que a escola promove para todos o domínio de conhecimentos e o desenvolvimento de capacidades cognitivas e afetivas necessários ao atendimento de necessidades individuais e sociais dos alunos, à inserção no mundo do trabalho, à constituição da cidadania, tendo em vista a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A articulação da escola com o mundo do trabalho torna-se a possibilidade de realização da cidadania, pela internalização de conhecimentos, habilidades tecnicas, novas formas de solidariedade social, vinculação entre trabalho pedagógico e lutas sociais pela democratização da sociedade.

Para isso é preciso que os sistemas de ensino e as escolas prestem mais atenção à qualidade cognitiva das aprendizagens, colocando essa exigência como foco central da gestão escolar e do projeto pedagógico. Não adianta defender a gestão democrática das escolas, eleições para diretor, aquisição de novas tecnologias, etc. , se os alunos continuam sendo reprovados, tendo um baixíssimo rendimento escolar ou níveis insatisfatórios de aprendizagem. Se o aluno não aprendeu bem, se as crianças continuam repetindo ou com aprendizagens frágeis a escola não estará cumprindo suas funções mais imediatas. A democratização da sociedade e a inserção dos alunos no mundo da produção supõem um ensino fundamental como necessidade imperativa de proporcionar às crianças e jovens os meios cognitivos e operacionais que atendam tanto a necessidades pessoais como as econômicas e sociais.

4) Articular a vida da escola com o mundo social, mundo informacional e mundo comunicacional, tornando a escola um "espaço de síntese".

No mundo de novas tecnologias da comunicação e informação, a escola continua cumprindo funções que não são providas por nenhuma outra instancia. Como já se disse, o que está errado com a educação não é possível ser corrigido pela tecnologia. Além de suas funções de provimento da formação geral, capacidade de ler, escrever, e formação científica básica e estética, é preciso pensar a escola convertendo-se num espaço de síntese.

O enfrentamento de novas exigências educacionais e novas realidades das práticas educativas inclui, também, repensar os processos de ensino e aprendizagem. Há uma efetiva transformação na concepção de conhecimento, em decorrência do surgimento de novos paradigmas da ciência, das inovações tecnológicas e comunicacionais. Para essa nova racionalidade, é preciso reavaliar a investigação sobre o ensino e a aprendizagem. Ante o paradigma tecnicista do aprender a fazer, aprender a usar e aprender a comunicar, trata de fortalecer a investigação sobre os processos cognitivos, em que se destaca o movimento do ensinar a pensar. Das escolas e dos professores está sendo requerida a ajuda aos alunos no desenvolvimento da qualidade do pensar, de habilidades e estratégias de pensamento autônomo, crítico e criativo.

5) Autonomia da escola é o contraponto da centralização da gestão do sistema escolar, que retira das escolas, dos professores, pais, especialistas o poder de iniciativa e decisão. Implica uma organização escolar que supera a visão verticalizada do sistema de ensino, de modo que as escolas possam traçar seu próprio caminho. Essa é a idéia de suporte do processo pedagógico.

6) Formação e profissionalização dos professores

A atividade essencial de uma escola é assegurar a relação cognitiva do aluno com a matéria, a aprendizagem dos alunos, com a ajuda pedagógica do professor. O professor é o mediador desse encontro do aluno com os objetos de conhecimento. O professor introduz os alunos no mundo da ciência, da linguagem, para ajudar o aluno a desenvolver seu pensamento ,suas habilidades, suas atitudes. Sem professor competente no domínio das matérias que ensina, nos métodos e procedimentos não é possível aprendizagens duradouras. Se é preciso que o aluno domine solidamente os conteúdos, o professor precisa ler, ele próprio, esse domínio. Se os alunos precisam desenvolver o hábito de raciocínio científico, que tenham autonomia de pensamento, o mesmo se requer do professor. Se queremos alunos capazes de fazermos uma leitura crítica da realidade, o mesmo se exige do professor. Se quisermos lutar pela qualidade da oferta dos serviços escolares e pela qualidade dos resultados do ensino, é preciso investir mais na pesquisa sobre formação de professores.

7) Assegurar uma vinculação mais estreita da pedagogia com a ética

É certo que as práticas educativas não suportam mais certezas absolutilizadas, mas é impossível à pedagogia ceder ao relativismo ético. No âmbito da atividade pedagógica, marcos teóricos e morais são cruciais, pois a todo momento, são requeridas opções sobre o destino humano, tipo de sujeitos a formar o futuro da sociedade humana. A pedagogia, do mesmo modo que outras ciências práticas como a ética e a política, realiza atividades envolvendo relações entre pessoas e grupos sociais, de modo que carrega consigo uma intencionalidade voltada para finalidades formativas implicando um comprometimento moral de seus agentes. Se é verdade que os caminhos da formação humana são hoje mais espinhosos, entre outras razões porque não dispomos de tantas certezas como em outros tempos, por outro lado, não há motivos sólidos para renunciar à necessidade de formar sujeitos racionais mediante a valorização da razão crítica, e ao resgate do sentido da busca da autonomia e a afirmação de uma ciência não absolutilizada conectada ao contexto social e cultural.

8) Um reforço da formação teórica dos pedagogos, num curso de pedagogia

O mundo contemporâneo não apenas apresenta-se como sociedade pedagógica como pede ações pedagógicas mais definidas, implicando uma capacitação teórica e profissional de pedagogos e professores mito além daquela que apresentam hoje. Diferentemente de filósofos, sociólogos, historiadores da educação, pedagogos e professores exercem uma atividade genuinamente prática, implicando capacidade de decisão, conhecimentos operativos e compromissos éticos. A inserção do pedagogo na condição pós-moderna os obriga a uma abertura científica e tecnológica, de modo a desenvolver uma prática investigativa e profissional interdisciplinar. Precisamente porque a pedagogia envolve trabalho com uma realidade complexa, faz-se necessário que invista a explicitação da natureza do seu objeto, no refinamento de seus instrumentos de investigação na incorporação dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos, bem como que se insira na gama de práticas e movimentos sociais de cunho intercultural e transnacional referentes à luta pela justiça, pela solidariedade, pela paz e pela vida.

Para o enfrentamento de exigências colocadas pelo mundo contemporâneo, são requeridos dos educadores novos objetivos, novas habilidades cognitivas, mais capacidade de pensamento abstrato e flexibilidade de raciocínio, capacidade de percepção de mudanças. Para tanto, repõe-se a necessidade de formação geral e profissional implicando o repensar dos processos de aprendizagem e das formas do aprender a aprender, a familiarização com os meios de comunicação e o domínio da linguagem informacional, o desenvolvimento de competências comunicativas e capacidades criativas para análise de situações novas e cambiantes.

9) A afirmação da especificidade do campo teórico-prático da pedagogia

A síntese interdisciplinar é apenas uma passo prévio para definir o que é próprio da pedagogia, ou seja, investigação da realidade educativa visando, mediante conhecimentos científicos, filosóficos e técnico-profissionais, à explicitação de objetivos e formas de intervenção metodológica organizativa relacionados com a transmissão/assimilação ativa de saberes. Ressalta-se aí, a intencionalidade educativa própria de toda prática social, pois a pedagogia envolve intervenção humana e, portanto, um comprometimento moral de quem a realiza. É mediante esse caráter ético-normativo que ela pode formular princípios e diretrizes que dão coerência para suas investigações. Esse papel não pode ser atribuído a qualquer uma das ciências da educação, indiscriminadamente, embora todas possam dar sua contribuição no limite de suas peculiaridades. Além disso a intencionalidade da prática educativa tem implicações diretas no posicionamento crítico do educador que representa o elo fundamental no processo de formação cultural e científica das novas gerações.

O esclarecimento cada vez mais buscado do campo próprio da pedagogia é requerido, também, por causa da amplitude e complexidade que vão assumindo as práticas educativas na sociedade globalizada, pelo que vão surgindo outras instâncias e agentes do processo educativo. Com isso vão se abrindo campos de atuação profissional do pedagogo nos âmbitos escolar e extra-escolar, antes impensáveis.

Impõe-se , assim, de forma crucial, a reconstrução da pedagogia e a ampliação do campo de ação profissional do pedagogo paralelamente a um expressivo esforço de organização de um sistema nacional de formação inicial e continuada de professores para o ensino fundamental e médio, tal como se tem pensado em países europeus e alguns latino-americanos. O desenvolvimento da ciência pedagógica e a reflexão teórica sobre a problemática educativa, na sua multidimensionalidade, entretanto, seria o pressuposto para a reconfiguração da identidade profissional dos professores, para além de sua especialização na ciência/ matéria de ensino em que deve ser formado. Há, assim, evidências de que a pedagogia e o curso de formação profissional que lhe corresponde não só não esgotou suas possibilidades de investigação teórica, como tem pela frente grandes tarefas sociopolíticas.


* Conferência proferida em 27/09/2002 - Belo Horizonte no Fórum de Educação "Pedagogo: que profissional é esse?"

 

Autor deste artigo: José Carlos Libâneo - participante desde Ter, 20 de Abril de 2004.

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