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Um passo atrás com as novas Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Eunice Ribeiro Durham   
Qua, 08 de Novembro de 2006 21:00

Todos os trabalhos recentes sobre o desempenho dos alunos no ensino fundamental vêm demonstrando cabalmente a falência do sistema. A avaliação internacional feita pela UNESCO com a PISA, mostra resultados alarmantes: a maioria dos jovens de 15 anos, que deveriam ter terminado a oitava série, é analfabeta funcional, incapaz de ler e entender sequer os textos dos livros didáticos. Na escala de notas de 1 a 5, mais de 50% se classificam nas categorias inferiores de 1 e -1. O Sistema de Avaliação do Ensino Básico (SAEB) mostra resultados semelhantes. Além disto, de cada 100 alunos que ingressam no ensino fundamental, 35% não o concluem e apenas 27% completam o ensino médio.

Há inúmeras razões para esta situação calamitosa. Uma delas, certamente, é a falta de preparo adequado dos professores para as atividades de ensino. A raiz dos problemas está nas séries iniciais, durante as quais as crianças deveriam aprender a ler, escrever e realizar operações simples de matemática, adquirir noções elementares e integradas de Geografia e História e de Ciências necessárias para a compreensão do mundo em que vivemos. Crianças podem e devem aprender muito mais. Mas esta é a base da qual depende aprendizagem em todos os níveis posteriores do ensino. A verdade é que não estamos conseguindo mais formar professores competentes para ensinar esta base, apesar de, pelo menos no Estado de São Paulo, a maioria deles ter feito cursos de Pedagogia.

De fato, houve um enorme retrocesso no processo de formação desses professores nos últimos 30 anos. Já tivemos um excelente sistema, no qual as professoras para o ensino primário eram formadas em escolas normais de nível médio, nas quais recebiam uma formação específica para o magistério, que integrava o domínio aprofundado dos conteúdos a serem ensinados nas séries iniciais à Pedagogia necessária para adequá-los às características do desenvolvimento das crianças.

Essa experiência foi destruída quando se substituiu a Escola Normal por uma habilitação, simplesmente adicionada ao programa regular do ensino médio. A ineficiência deste sistema resulta da separação entre o conteúdo aprendido pelo aluno no ensino médio, daquele a ser ensinado na escola primária assim como sobre a forma pela qual deve ser transmitido e a teoria pedagógica. Além disso, espremidos num curso já sobrecarregado, empobreceram-se conteúdos essenciais ao desempenho do professor primário.

Entretanto, não é possível, corrigir as deficiências da formação para o magistério, restabelecendo a antiga Escola Normal. A própria complexidade da sociedade moderna e o desenvolvimento científico e tecnológico fazem com que uma formação em nível médio seja insuficiente apara capacitar os professores das séries iniciais e ao mesmo tempo, fornecer-lhes a formação geral mínima necessária para entender o mundo contemporâneo.

Até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, não havia, no Brasil, cursos superiores especificamente estruturados para formar esse tipo de professor.

O único curso até então disponível em nível superior na área de educação era o Curso de Pedagogia o qual, entretanto, não estava voltado para a tarefa de formar os professores para os níveis iniciais da educação.

Foi a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que estabeleceu que a formação de professores para esse nível de ensino (incluindo a Educação Infantil) deveria ser feita num curso especificamente estruturado para esta finalidade ao qual deu a denominação (talvez infeliz) de Curso Normal Superior.

Não se tratava de nenhuma proposta revolucionária. No mundo todo, esses professores são formados nesse tipo de cursos específicos, voltados para o nível de desenvolvimento e as necessidades próprias de formação das crianças, que são muito diferentes daquelas próprias da adolescência e pré-adolescência.

Era preciso reconhecer que a falência do nosso sistema de ensino estava associada ao fato de que nem os professores formados no nível médio com habilitação para o magistério nem os diplomados nos cursos de Pedagogia estavam conseguindo sequer alfabetizar adequadamente as crianças, porque não eram preparados especificamente para esta tarefa.

Para explicar porque isto ocorre, é preciso lembrar que os Cursos de Pedagogia, herdeiros dos antigos Institutos de Educação, recrutavam alunos já formados nas Escolas Normais, e docentes de outros níveis de ensino, a grande maioria dos quais já exercendo o magistério, para funções relacionadas à gestão do sistema escolar, os chamados especialistas em educação. Essas especialidades incluíam administradores (diretores), inspetores e supervisores escolares, orientadores pedagógicos e teóricos da educação. Eram uma espécie de pós-graduação da Escola Normal. Cumpriam um papel importante, mas não preparavam professores para exercer a função de magistério porque se presumia que seus alunos já haviam sido previamente habilitados para esta tarefa. Os diplomados nesses cursos não voltavam para as salas de aula da pré-escola e do ensino primário, mas, saindo delas, exerciam funções de gestão do sistema ou se tornavam professores das escolas normais ou dos próprios cursos de Pedagogia.

Com a inclusão dos cursos de Pedagogia nas Universidades, ele preservou esta vocação: continuou a não estar orientado para a formação de professores dos níveis iniciais do ensino, mas para a reflexão sobre a educação e a gestão dos sistemas educacionais em todos os níveis.

Até a década de noventa, sequer ofereciam uma habilitação para o magistério. Mas, com o crescente descrédito da habilitação para o magistério em nível médio, alterou-se o público que o procurava; não mais professores já formados, mas egressos do ensino médio regular, sem prévia habilitação para o magistério.

Criou-se uma situação contraditória, porque o exercício das funções de especialista exigia prévia experiência docente e o Curso de Pedagogia não oferecia a habilitação para esta tarefa.
Iniciou-se então um movimento de criação, nos Cursos de Pedagogia, de uma habilitação para o magistério das séries iniciais e da educação infantil inserido num currículo já sobrecarregado e com outra orientação.

Repetiu-se o mesmo erro da habilitação para o magistério no curso médio regular e da licenciatura aposta ao bacharelado, que vê, sendo criticados há mais de trinta anos

Apesar dos óbvios problemas do curso de Pedagogia, professores e alunos das Faculdades de Educação têm feito cerrada oposição aos novos Cursos Normais Superiores, exigindo que a formação de futuros docentes continue a ser feita no Curso de Pedagogia.

As novas Diretrizes para os cursos de Pedagogia recentemente convalidadas por portaria do Ministro da Educação, foram formuladas com óbvio intuído de destruir os Cursos Normais Superiores que vêm se multiplicando no país. Constituem-se de fato num golpe mortal contra esses novos cursos, pois determinam que as licenciaturas para os níveis iniciais de ensino devem obrigatoriamente seguir as diretrizes estabelecidas para os cursos de Pedagogia. Destrói-se toda uma nova experiência que estava dando certo e se multiplicando no país, sem sequer uma avaliação dos seus resultados. É um "golpe" também porque passa por cima da legislação, pretendendo que uma mera portaria invalide determinações explicitas da lei maior da educação brasileira, a LDB.

Além do mais, as novas Diretrizes constituem um retrocesso face ao próprio Curso de Pedagogia, eliminando não só a habilitação para o Magistério, mas todas as demais. Para corrigir um problema, criou-se outro: com a habilitação para os níveis iniciais acoplado ao curso de Pedagogia e sendo este o único que forma os especialistas em educação, toda a reflexão, planejamento e pesquisa sobre o setor educacional. Temos agora, de fato, o curso "omnibus" através do qual se pretende que os futuros professores para estágios iniciais da escolarização e apenas eles sejam capacitados para atuar em todo o processo educacional em todos os níveis de ensino e de gestão.

Assim, estabelece-se que os egressos dos Cursos de Pedagogia estarão capacitados para executar o "planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação", (não simplesmente do trabalho em sala de aula mas de quaisquer) "tarefas próprias do setor de educação" (e não apenas da educação infantil e séries iniciais). Inclusive poderão trabalhar em espaços escolares e não-escolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo", isto é, estarão habilitados para lidar com bebês, crianças, adolescentes e pré-adolescentes, adultos e idosos.

A mesma pretensão desmedida fica aparente quando se lê que o futuro pedagogo deverá "participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais e não educacionais", sem nenhuma menção especial para os níveis iniciais.

Os egressos do curso de Pedagogia deverão também ter adquirido a competência para realizar "pesquisas que proporcionem conhecimentos entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental-ecológicos" (sic); "sobre propostas curriculares e sobre organização do trabalho do trabalho educativo e práticas pedagógicas". Além disso, realizarão "diagnósticos sobre as necessidades e aspirações dos diferentes segmentos da sociedade relativamente à educação, sendo capazes de identificar diferentes forças e interesses, captar contradições e de considerá-los nos planos pedagógicos de ensino e aprendizagem, no planejamento e realização de tarefas educativas." Para citar apenas mais um exemplo, o curso pretende capacitar os alunos para "a aplicação ao campo da educação" (e não só das séries iniciais) "de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o lingüístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural". Parece que se tem em mente não a formação dos professores das séries iniciais mas a de doutores em Pedagogia, isto é, professores para os próprios cursos de Pedagogia, trabalhando em tempo integral em universidades públicas.

As novas diretrizes são não apenas extremamente pretensiosas, mas irrealistas porque não levam em consideração a formação anterior dos alunos que recrutam.

Pergunto-me onde e como as jovens egressas do nosso precaríssimo ensino médio público, provenientes de famílias pouco escolarizadas, com severas deficiências no domínio da linguagem falada e escrita, da matemática elementar, sem conhecimento adequado de história, geografia e ciências, estudando à noite e trabalhando durante o dia, que constituem a maioria dos candidatos à formação para magistério, irão adquirir esse conhecimento enciclopédico? Estas jovens poderão se tornar boas professoras mas precisam de um curso especificamente dirigido para alargar seu horizonte cultural e aprofundar seu domínio dos conteúdos necessários ao currículo nos níveis iniciais. Que tempo teriam nossos sobrecarregados e mal pagos professores da rede pública de realizar todas as tarefas que as Diretrizes impõem?

Uma análise minuciosa do documento mostra claramente que a preocupação do curso é com a formação de gestores, planejadores, avaliadores, pesquisadores e teóricos da educação básica, formando especialistas que são necessários no Brasil. Mas não há uma preocupação séria e explícita com a formação de professores dos níveis iniciais e destes precisamos pelo menos tanto quanto e talvez mais que de especialistas.

De fato, dos 14 artigos, 14 parágrafos, 38 incisos da Resolução nº. 1 de 15/05/2006, há apenas 2 itens que se referem ao trabalho do professor das fases iniciais do processo escolar: no Artigo 5º, o inciso dois afirma que o egresso do curso de Pedagogia estará também apto a "compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir para seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social"; o inciso VI refere-se "ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar" mas, em lugar de referir-se à infância, fala "de forma adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano".

Finalmente, não podemos admitir que se ignore a LDB, se destruam os Cursos Normais Superior, sem sequer uma avaliação dos resultados que alcançaram e sem uma discussão ampla. E isto está sendo feito, através de uma portaria que tomou de surpresa dirigentes de faculdades, secretários de educação, o setor de educação do Congresso e os pesquisadores que vêm, há anos, analisando os problemas da formação de professores no Brasil. É necessário, pelo menos, que se impugne, por infringir a legislação, o caput do Artigo II e IV, que impõe aos cursos Normais Superiores as diretrizes do Curso de Pedagogia.


 

Autor deste artigo: Eunice Ribeiro Durham - participante desde Qui, 21 de Setembro de 2006.

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