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Edições Anteriores 109 O sentido da educação superior
O sentido da educação superior PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Maria de Fátima de Sousa Moreira Fonseca   
Qua, 23 de Agosto de 2006 21:00
"Formar profissionais para o mercado" tornou-se, hoje, a meta da maior parte das escolas de nível superior. Repetida ad nauseum, essa expressão, que é reflexo de um momento histórico sem precedentes, arremete-nos a uma pergunta inquietante: podemos restringir o ensino superior à formação de profissionais para o mercado?

A universidade é o topo do sistema educacional de um país, um centro de saber onde difundem-se valores da cultura, conhecimentos científico-tecnológicos, além da consolidação dos ciclos do pensamento. É um organismo orientado para a crítica, um espaço para a criação do novo e para a renovação do estabelecido através de novos ângulos de visão de mundo. É uma força transformadora da sociedade e da cultura. Restringir as atividades das escolas superiores à tarefa quase exclusiva de "formar para o mercado de trabalho" significa transformá-las em cursos profissionalizantes de terceiro grau.

A baixa qualidade do ensino de nível fundamental e médio é um fator que contribuiu de forma decisiva para o enfraquecimento do ensino universitário. Ao aceitar a responsabilidade pela profissionalização do jovem, tarefa que no passado pertencia às escolas de nível médio e aos cursos técnicos, a universidade deu partida a uma inversão de valores: reduziu conteúdos pedagógicos e restringiu seu potencial de atuação para receber um aluno sem formação curricular e amadurecimento intelectual suficiente para lidar com a dimensão da mesma. O declínio do ensino superior reflete-se, também, na pós-graduação que já começa a ser banalizada e, em alguns casos, desqualificada. Consolida-se, dessa forma, uma "inflação educacional" dramática comprometendo seriamente o desenvolvimento do país.

A desordem econômica agravada pelas políticas neoliberais dos últimos governos atingiram todo o sistema educacional, especialmente as instituições de menor porte, que, mais vulneráveis à ditadura do capital, engajaram-se na "formação para o mercado" a fim de se manterem financeiramente. Ocorreu, então, uma fragilização dos valores educacionais desencadeada por pressões de ordem política, econômica e social exercidas dentro do corpo universitário. Entretanto, a escola superior, quando limitada a um ensino meramente reprodutivo, perde, gradativamente, o legítimo direito de abrir novas frentes para o saber sem subjugar-se ao Estado e às suas ideologias.

Quais as implicações e o que significa ser educado para o mercado? A primeira e mais imediata conseqüência é formarmos somente aquilo que Derrida chamou de classe de "letrados", indivíduos "formados nas Universidades" para serem "instrumentos do poder", aplicadores de técnicas, continuadores do processo de alienação humana. Derrida reforça a idéia de que o poder e a autonomia da universidade deveriam ser reguladores das forças políticas do Estado ao afirmar que "o governo e as forças que ele representa deveriam criar um direito que limitasse sua própria influência e que submetesse todos os seus enunciados (...) à jurisdição da competência universitária (...)" (DERRIDA, 1999, p. 100). Que rumos terá a vida intelectual do país se a universidade, como orientadora do pensamento crítico e provocador, for conspurcada por uma cultura robotizada pela fragmentação do saber e do tecnicismo radical? O paradigma do mundo como mercado embrutece os sentidos do pensamento crítico e da contemplação. Reduzindo a inteligência a mero instrumento mercantil, dá também partida ao surgimento de uma cultura sem pensadores, regida por "formadores de opiniões" e "tomadores de decisões", trágicos protagonistas do automatismo intelectual e da alienação do espírito.

Qual deve ser o propósito da educação universitária? Derrida destaca bem o caráter analítico-reflexivo da instituição de ensino superior: "A Universidade está aí para dizer o verdadeiro, para julgar, para criticar no sentido mais rigoroso do termo, a saber, para discernir e decidir entre o verdadeiro e o falso, e se ela também está habilitada a decidir entre o justo e o injusto, o moral e o imoral, é porque a razão e a liberdade de juízo estão implicados". (DERRIDA, 1999, p.102). A modernização da sociedade não é algo novo, nem prerrogativa da civilização dos três últimos séculos. As sociedades modernizam-se continuamente e a educação é tanto o centro das transformações, como o elo dessa continuidade. Como educadores temos o dever de ficarmos atentos a todo esse processo para identificar suas etapas e prever suas tendências. Precisamos, também, ser capazes de antecipar o rumo dos acontecimentos, problematizando a educação num contexto real.

A desvalorização do ensino no Brasil vem se desenrolando de modo alarmante. Os últimos governos parecem ter esquecido o ensino fundamental em último lugar nos seus planos de ação. Ao mesmo tempo, o regime seriado, funcionando de modo semelhante a um jogo de dominó, deu margem a uma espécie de jogo de empurrar para a próxima série o conteúdo curricular que deveria ter sido trabalhado na série anterior. Agora que a "última" peça está sendo atingida - as escolas de nível superior - o que pode ser feito? Um sistema educacional que se propõe apenas a formar indivíduos para o mercado de trabalho, desconsidera o ser em sua totalidade. Não se trata, apenas, de declarar guerra ao capitalismo de terceiro mundo sem antes tentar acordos de paz a fim de resolver os conflitos. Trata-se, sim, de salvaguardar o ensino superior como institucionalização da liberdade de pensamento, preservando sua natureza abrangente, crítica e investigadora. Precisamos reencontrar nossos valores educacionais e devolver a autonomia à universidade para que ela volte ao seu trabalho de descobrir e identificar o que é preciso saber e buscar esse saber necessário. Responder positivamente a este desafio é o trabalho que temos pela frente.


Bibliografia consultada
DERRIDA, Jacques. O olho da Universidade. Tradução de Ricardo Iuri Canko e Ignácio Antoni Neis. Estação Liberdade, 1999, sem local de publicação.
Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda. São Paulo - Rio de Janeiro - Brasil1993 vl. 20, p.11113


 
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