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Escrito por Maria Lucia A. Peçanha   
Qua, 12 de Julho de 2006 21:00

Educação me fascina desde muito pequena pelas histórias da minha mãe que misturavam estudo e heroísmo para atravessar o Rio Paraíba de canoa e ainda no galope de cavalos para chegar ao colégio lá na fazenda do interior. Daí, começo a brincar de escolinha com bonecas e com adultos cheios de paciência e sono. A recompensa aos 9 anos, quando consegui que uma senhora lesse suas primeiras palavras em um jornal; adolescente, dei aulas para crianças de uma favela, e a primeira sala de aula numa escola de verdade com a inesquecível e saudosa coordenadora... Eu sempre quis ensinar!

Mas pela Educação Infantil apaixonei-me aos 26 anos, no nascimento de meu primeiro filho, quando escolhi sua creche, ainda grávida. Naquele tempo, não era simples explicar a opção, como entendi, quando ouvi da mesma coordenadora, ao chegar para trabalhar, que eu havia "largado" o meu filho na creche. O verbo utilizado chocou-me, mas me fez repensar na função da creche e comecei a sentir que era um concreto apoio à libertação da mulher. É uma real força modificadora desta sociedade. Só mais tarde, vi que trabalhar com crianças pequenas é como um doce e divino tocar nos corações que começam a amar (ou não) o mundo e nas mentes que iniciam o construir de novas realidades.

Proust me preveniu de que "os verdadeiros paraísos são os que perdemos" e com o poeta Quintana aprendi que "a gente continua morando na velha casa em que nasceu" então, por isso, fundei uma creche, há mais de 20 anos, na casa materna.

Depois de muito trabalho ainda não tinha a compensação financeira esperada. Um dia recebi na sala de diretora uma "comissão" de uns 15 cidadãos de 2 a 4 anos que, liderados por um falante Miguel (arcanjo?) esperavam meu consentimento para comemorarem a próxima Páscoa numa "creche-de-criança-que-não-tinha-ovinho".

Custei mas entendi e incentivei a procura de um lugar ideal. Esse lugar era uma desconhecida creche comunitária em Niterói. O olho brilhante da humilde diretora, as carinhas felizes das crianças e a real necessidade daquelas mães me levaram a sonhar. Nascia ali uma idéia de fazer o berçário para as comunidades, não direi comunidade carente, pois parece remeter a uma educação carente e, ao contrário, o que sonhava era um passo além.

A Páscoa, que é um renascimento, não foi só uma festa do coelho, mas uma reafirmação de que precisava me dar chances de desenvolver um trabalho concreto com as crianças mais necessitadas da cidade que nasci.

Procurei e obtive grande receptividade na Secretaria de Educação que tem um programa de creches comunitárias bem estruturado. As dificuldades relatadas só me desafiaram a continuar. As incansáveis lutadoras das primeiras horas do movimento em Niterói ajudaram minha esperança passar para o concreto estudando uma grande modulação (100 bebês com 27 auxiliares). Colocou-se a letra da lei nos sonhos e iniciamos o trabalho com os bebês em maio de 2001, depois de cumprir toda a burocracia exigida.

Tenho a certeza de que mudei muitos conceitos sobre Educação. Ao conhecer uma Creche Comunitária, houve um renascer de entusiasmo e com a ajuda de meus pais, que, sempre, através de militância política e do magistério, me passaram que o mundo pode melhorar com ações conscientes, como a possibilidade concreta de um berçário/creche para bebês de 0 a 3 anos. Pedacinho da vida que cada dia mais é visto como crucial para que se ofereça possibilidades de interação e construção da inteligência. Sem "estimulações precoces", mas respeito à infância e ao natural crescimento dos pequenos. Temos parcerias e o respaldo de uma associação filantrópica fundada por minha família, uma organização não-governamental criada com a finalidade de criar alternativas, para proporcionar à população de baixa renda o direito à vida com dignidade, saúde alimentação e principalmente, esperança.

Quero usufruir o prazer de ter escolhido este ofício e ampliar o sentido desta escolha em cada ato, com cada criança, todos os dias. A minha lida é com o crescimento humano. E isto é fonte de prazer imenso.

Estudo, junto com minhas educadoras, o "mundo do brincar" que é sério e exige que tenhamos muita consciência e compromisso com a construção da inteligência dos pequenos. Tentamos mostrar concretamente para as crianças e seus pais que cidadania é montada no dia-a-dia com respeito ao próximo, conhecimento dos direitos e deveres individuais e coletivos.

Se conseguirmos desencadear o começo de um processo de consciência de que o indivíduo é que faz a sociedade, que não podemos cruzar os braços e reclamar dos governos e esperar ações espetaculares de ONGs famosas, pois é o meu gesto individual que faz a diferença, que o tiro que sai da favela pode ser de alguém que não teve uma chance de ter carinho e atenção no primeiro momentinho de sua vida, que a mãe desses rapazes que nos assaltam "perdeu" antes de nós o direito a trabalhar com o coração sossegado pois seu filhinho, tão amado quanto os nossos, ficou num lugar limpo e com gente que pode amá-lo também. Se alguém entende já tenho minha razão por optar "ser das comunitárias", já posso ter certeza de que o que me move é a paixão de, nesta altura da vida, ter minha prática profissional voltada para conscientemente construir um lugar de educação e cuidado para crianças que vivem, muitas vezes, de pura teimosia.



 

Autor deste artigo: Maria Lucia A. Peçanha - participante desde Sex, 07 de Julho de 2006.

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