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FORMAÇÃO UNIDIMENSIONAL: UM PROBLEMA APENAS PEDAGÓGICO? PDF Imprimir E-mail
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Escrito por VALTER GUILHERME COSTA DE ALMEIDA   
Seg, 02 de Setembro de 2013 16:07

Valter Guilherme Costa de Almeida[1]

INTRODUÇÃO

A formação unidimensional é definida pela UNESCO[2] como o processo educativo em que o educando é estimulado em apenas uma área de seu sistema cognitivo, qual seja a dimensão racional. Em que pese o debate sobre a existência de outras dimensões, como o corpo, a alma e a emoção; a educação se baseia na racionalidade visando à instrução do saber fazer para o mercado de trabalho.

Diversos trabalhos[3] tratam sobre a necessidade de repensar a educação tendo em vista a eficácia no aprendizado dos discentes e a relação destes com o tipo de formação. Todavia, sentimos que o debate não é devidamente direcionado, limitando-se aos reflexos pedagógicos. Neste sentido ampliamos o horizonte e questionamos: Quais os efeitos da educação unidimensional? Trata-se apenas de um problema pedagógico a ser enfrentando pelas IES? Esta pode contribuir com o equilíbrio econômico da instituição?

1    A FORMAÇÃO UNIDIMENSIONAL

Pensar sobre a educação a partir de concepções amadurecidas no século V A.C seria um despropósito? Esta é uma questão a ser discutida tendo em vista um ideal de formação educacional grego conceituado como Paideia[4] em confronto com as práticas educativas do século XXI.

O ideal de formação grego concebia a preparação do indivíduo para uma vida de virtude e beleza. Para tanto, entendia que a esfera cognitiva do Homem é composta por quatro dimensões, quais sejam: racional, corporal, espiritual e emocional. Tais dimensões deveriam ser estimuladas especificamente, de forma a possibilitar a formação do cidadão, do Homem virtuoso.

Conforme o educador Pedro Demo[5], o termo educação tem relação direta com o latim e-ducere, que por sua vez significa “retirar de dentro”. Conforme este conceito, a educação seria um processo no qual o educando não deve ser tratado como objeto, mas sujeito a ser instigado. Enquanto sujeito não deve ser mero depositário de informações[6], mas protagonista de sua educação.

Todavia esta concepção na qual a centralidade deve permanecer no educando, o professor ocupa papel principal neste processo. Este, mesmo enquanto elemento externo ao discente, protagoniza o processo educativo no qual deixa de “retirar de dentro”, mas passa a “depositar” os conhecimentos.

Este formato Iluminista, racionalista, rompe com a espiritualidade metafísica da religião e defende a formação unidimensional. Forma-se um Homem racional, que baseia seu fundamento existencial no pensar, e que reflete uma mudança paradigmática que não é leviana, mas profundamente estrutural. Condiz à mudança do papel desempenhado pelo cidadão em sua comunidade, das formas deste indivíduo relacionar-se socialmente, bem como sua auto realização[7].

Neste esteio, prioritariamente, não se discute o compromisso comunitário deste indivíduo, mas a capacitação técnica para o trabalho. O conhecimento deve ser funcional e levar o indivíduo para ações práticas que gerem resultados a serem mensurados. A rentabilidade da aplicação da energia pessoal é um pressuposto de sobrevivência em nossos tempos e a formação do Homem deve ser inclusiva neste sentido, principalmente, preparando-o para o mercado de trabalho.

1.1  REPERCUSSÕES SOBRE O DISCENTE

Reconhecemos que conhecimento não se reproduz, mas se constrói. Temos em vista questionamentos supracitados e outras interpelações, como as piagetianas clássicas, problematizadas por Becker[8] e Freitag[9]. Todavia, habitualmente, em áreas do saber, como a jurídica, deparamo-nos com discentes que cobram pela reprodução do processo conteudísta e pedem por uma educação depositária que sirva aos interesses profissionais. Reclamam pelo “repasse” de informações sintéticas que atendam aos concursos públicos ou ao exame da Ordem dos Advogados do Brasil[10].

Logo, o discente, “cidadão consumidor[11]”, reclama um tipo de educação que atenda a estes imperativos profissionais. Uma formação que se alinha a uma lógica bancária[12], de transferência de conhecimento do professor para o aluno a partir de condicionamentos repetitivos. Seu escopo é o preparo conteudísta para os desafios relativos aos conhecimentos técnicos de sua carreira.

Todavia, apesar do frequente reclamo ao consumo deste tipo de educação, reconhecemos em senso comum, o problema da falta de motivação dos estudantes. Esta falta de motivação, que, paralelamente, se dá com o problema da evasão, é um reflexo das situações de tensão emocional, de medo, insegurança, autoconhecimento que os discentes sofrem ao longo do curso.

Ademais, o estudante concomitantemente enfrenta desafios que requerem outros conhecimentos que não técnicos. Sejam como cidadãos(ãs), pais/mães, maridos/esposas, etc., o estudante precisa de outros saberes[13] para estruturar sua vida. Desta forma, temos mais papeis desempenhados pelo discente, mas que não são trabalhados no curso de graduação.

1.2 DA IES AO DOCENTE

Acima falamos sobre o problema do estímulo do discente. Este é um problema que não afeta apenas ao estudante e seu desempenho escolar, mas ainda a IES, uma vez que a perda do estímulo e mau desempenho acadêmico invariavelmente conduzem à evasão escolar.

Ademais, podemos ainda pensar acerca da perda de eficiência do processo de ensino aprendizagem que ocasionam em custos diretos e indiretos. O conteúdo e experiências disponibilizadas na sala de aula não são devidamente assimilados pelos estudantes. Deste modo a IES tem custos diretos, pois precisa realizar um maior investimento para suprir as deficiências dos discentes oferecendo cursos extras, disciplinas paralelas, ações de nivelamento e palestras motivacionais.

Como custos indiretos entendemos pelo mau aproveitamento, ou a baixa eficácia, das ações realizadas[14] para os discentes. Deste modo, se a atividade A tem uma eficácia de 60% sobre aquele discente, a IES passa a ter um problema não só de gestão, mas ainda econômico, pois deverá realizar outra ação, não prevista, que atenda aos 40% deficientes.

Pode haver um prejuízo para o marketing da IES. Pois, a deficiência do ensino acarreta em menor preparo holístico do estudante, que significa menor quantidade de competências. Isto em um panorama laboral dinâmico pode contextualizar em egressos mal sucedidos ou limitados e uma má representação qualitativa da Instituição.

A limitação do estímulo racional não é desgastante apenas aos discentes, mas ainda aos docentes. Na coordenação de curso podemos perceber que professores reclamam a decepção com a educação e do desempenho de seus alunos.

Estes mesmos professores por vezes sofrem com o estímulo de repetir os mesmos conhecimentos semestre após semestre. Afirmam que por vezes se sentem limitados e buscam pelo desafio de expandir suas capacidades trabalhando outras competências.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir das reflexões supracitadas podemos considerar que a educação unidimensional não é um problema apenas pedagógico. Seus efeitos não se limitam ao aprendizado do discente, mas afeta também à instituição. Deste modo, podemos notar que outras áreas são afetadas como:

A) a área econômica, pois com a perda da eficiência do sistema de ensino aprendizagem há o aumento de custos diretos e indiretos; aumento de evasão escolar e consequente diminuição de arrecadação; diminuição do ingresso de novos alunos por um problema de marketing, relacionado ao mau desempenho dos egressos no mercado de trabalho e concursos públicos.

B) à gestão, uma vez que afeta o desempenho e motivação dos docentes. Estes quando devidamente motivados e confiantes com o trabalho desenvolvido possibilitam um contexto criativo e menos problemático para a própria IES.

Portanto, a título inicial, podemos notar que a educação unidimensional deve ser levada em considerações quando se pensa na estruturação da IES. Representa um desafio à coordenação e toda sua equipe de docentes, pois afeta a coesão e integração da mesma. Por fim, trata-se de um ponto estratégico para a direção e instituição mantenedora sendo diferencial para o equilíbrio econômico da IES.

BIBLIOGRAFIA

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: ARTMED, 2001.

DEMO, Pedro. 2004. “Aula não é necessariamente Aprendizagem”. In: Ensaio - Avaliação e Políticas Públicas em Educação, CESGRANRIO, Rio de Janeiro, Vol. 12/44, p. 669-695.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e Terra, São Paulo, 2009.

FREITAG, B. (Org.). Piaget: 100 anos. São Paulo: Cortez, 1997.

Jaeger, Werner. Paideia, A Formação do Homem Grego. 6ª. Ed. Editora: Wmf Martins Fontes, 2013.

UNESCO. Educação, um tesouro a descobrir. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC / UNESCO, 2000.

WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianopólis: Fundação Boiteux, 2004.



[1] Advogado, mestre em Desenvolvimento Regional e Urbano, professor e coordenador do curso de Direito da Faculdade de Ciências Empresariais – FACEMP.

[2] Educação, um tesouro a descobrir. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC / UNESCO, 2000.

[3] Poderíamos citar os trabalhos do filósofo Luis Alberto Warat e de Marta Gama que discutem a educação na área do Direito e prelecionam pela proposta de um novo “estatuto epistemológico para o Direito, fundado numa racionalidade sensível, imagética, poética, de acordo com a complexidade do mundo, e que admite que a produção de conhecimento não se dê apenas a partir de uma racionalidade técnico-instrumental, mas também a partir da intuição, do corpo, das emoções, do senso comum”. WARAT, Luis Alberto. Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianopólis: Fundação Boiteux, 2004.

[4] Jaeger, Werner. Paideia, A Formação do Homem Grego. 6ª. Ed. Editora: Wmf Martins Fontes, 2013.

[5] DEMO, Pedro. 2004. “Aula não é necessariamente Aprendizagem”. In: Ensaio - Avaliação e Políticas Públicas em Educação, CESGRANRIO, Rio de Janeiro, Vol. 12/44, p. 669-695.

[6] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e terra, São Paulo, 2009.

[7] Estes são fundamentos dispostos pela UNESCO como pilares à educação. Educação, um tesouro a descobrir. 4ª. Ed. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC / UNESCO, 2000.

[8] BECKER, F. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: ARTMED, 2001.

[9] FREITAG, B. (Org.). Piaget: 100 anos. São Paulo: Cortez, 1997.

[10] Podemos citar outros sistemas de fomento à unidimensionalidade como “o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade) avalia o rendimento dos alunos dos cursos de graduação, ingressantes e concluintes, em relação aos conteúdos programáticos dos cursos em que estão matriculados”. http://portal.mec.gov.br/index.php?Itemid=313 acessado em 12/06/2013.

[11] BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

[12] FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Paz e Terra, São Paulo, 2009.

[13] Como inteligência emocional, equilíbrio relacional, consciência corpórea e bem estar espiritual.

[14] Devemos avaliar nestes casos se não há outros elementos danosos, mas importante reconhecer uma estrutura que tende ao baixo rendimento.

 

 

Autor deste artigo: VALTER GUILHERME COSTA DE ALMEIDA - participante desde Seg, 02 de Setembro de 2013.

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