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Escrito por Tatiana Moraes Cosate   
Qua, 04 de Setembro de 2013 00:00

Tatiana Moraes Cosate


 

“Um dos principais papéis reservados à educação consiste, ante de mais, em dotar a humanidade da capacidade de dominar o seu próprio desenvolvimento. Ela deve, de fato, fazer com que cada um tome o seu destino nas mãos e contribua para o progresso da sociedade em que vive, baseando o desenvolvimento na participação responsável dos indivíduos e das comunidades” (UNESCO, 2003, p. 82). Mas como conciliar essa passagem com a atual realidade na qual o sistema educacional está imerso? A resposta ou, pelo menos, uma singela contribuição do entendimento e das possíveis realizações foram sistematizadas no livro Educação: Um Tesouro a Descobrir, o qual condensa um relatório elaborado pela Comissão Internacional Sobre Educação para o século XXI.

 

O objetivo do relatório é destacar que o fim maior da educação é desenvolver, dentro de uma perspectiva essencialmente humanista, equitativa e contínua, as aptidões do ser humano, respeitando as circunstâncias locais de tradição e cultura. Para tanto, o Relatório apresenta quatro pilares fomentadores de uma aprendizagem consentânea com o papel educacional descrito acima: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser. Conjugando esses pilares, tem-se a junção do plano cognitivo com o lado prático do conhecimento, transformando o educando em pessoa com autonomia participativa, não se resumindo, dessa forma, a um mero acumulador de informações.

Conhecendo essa proposta e, especificadamente em relação ao ensino jurídico, propõe-se a analisar o aprender a conhecer e o aprender a fazer como forma de refletir e transpor a prática educacional que permeia o Direito. Porém, o que de fato significam essas expressões? E o mais importante: qual vem a ser a sua aplicabilidade na educação jurídica?

Aprender a conhecer expressa a importância de se ter o conhecimento que constitui atividade meio e fim de todo o processo educacional e, numa visão mais ampla, de “todos os processos produtivos por ser vital e imprescindível à sobrevivência presente e futura da humanidade” (GIROLETTI; MURIEL, p. 1). Assim, nessa categoria, a preocupação é “adquirir os instrumentos da compreensão” (UNESCO, 2003, p. 90). No entanto, é necessário destacar que a educação tida por formal sempre teve o seu eixo centrado no pensamento de mera transmissão do conhecimento, concentrando a importância do saber numa mera feição utilitarista na qual o educando constitui um depósito dos saberes. O que o relatório propõe é diferente. A ideia consiste em conhecer os “próprios instrumentos do conhecimento”. Ou seja, é uma mudança significativa, pois parte do pressuposto que educação é formação cultural que privilegia a interdisciplinariedade, na qual o conhecimento sobre diversas áreas se complementam, possibilitando uma visão holística do saber que suplanta o conhecimento estanque.

Por outro lado, aprender a fazer significa operacionalizar o conhecimento, dar vida ao mesmo, transformando-o em realizações práticas que, concomitantemente, prestigiam a utilização de tecnologias, mas também valorizam a equipe onde se opera e materializa o conhecimento adquirido. Nesse ponto, a preocupação é superar um modelo automatizado de execução de tarefas que recorda os ensinamentos tayloristas e fordistas.[1]

Em outras palavras, significa dizer que “aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de preparar alguém para uma tarefa material bem determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa” (UNESCO, 2003, p. 93). Propõe-se, ao contrário, uma atribuição de competência na qual se verifica que todos devem ter o domínio de tudo, posto que o conhecimento é dinâmico, mutável, como assinalam Giroletti e Muriel (p. 4): “A noção da qualificação torna-se superada porque ela prioriza excessivamente a especialização no âmbito do ensino e torna-se inadequada ao desenvolvimento do sistema produtivo, revolucionado permanentemente por novas tecnologias, processos e aumento da competitividade em escala global. Reafirma-se, em seu lugar, a “noção de competência” associada à formação generalista por ser ela a que melhor prepara o homem e a mulher para os desafios atuais da economia globalizada e para as novas mudanças no sistema produtivo que estão ocorrendo em reação à crise econômica internacional”.

Analisando as propostas de aprender a conhecer e aprender a fazer e conjugando-as com a Resolução CNE/CSE nº 9/2004, fundante das diretrizes curriculares nacionais do curso de Direito, percebe-se que o mencionado documento também se dedica a essas questões. De fato, ele sublinha, em seu artigo 5º, uma especial atenção à formação diferenciada do acadêmico de direito, construída em três eixos presentes nos projetos pedagógicos daquele curso: eixo de formação fundamental, eixo de formação profissional e eixo de formação prática.

Os eixos de formação fundamental e profissional contemplam o conhecimento teórico abrangente, humanístico, interdisciplinar, propício à formação de um acadêmico possuidor de uma “capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais, aliada a uma postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania” (artigo 3º da Resolução CNE/CSE nº 9/2004).

No entanto, essa especial dedicação à formação fundamental do acadêmico de Direito aparenta ser meramente documental, pois, na prática, as disciplinas de História, Sociologia, Filosofia, Ciência Política, dentre outras, acabam tendo a sua importância condicionada à exigência nos concursos públicos e nos exames nacionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Nesse ponto, por uma questão de competição mercadológica, as Faculdades de Direito apenas recebem o devido prestígio na sociedade quando o seu índice de aprovação no Exame Nacional da OAB chega a um patamar satisfatório. O problema é que, normalmente, o ensino voltado à aprovação de daquele exame, e demais concursos públicos, resume-se a um conhecimento meramente técnico, legalista, decoreba dos artigos de lei. Nesse contexto, a dimensão humana que se espera de um futuro jurista pode não se concretizar. E é nesse ponto que o professor necessita saber que a Faculdade de Direito prepara o acadêmico, não se resumindo a um mero centro de reprodução de informações, como bem relata Macell Cunha Leitão (2012) ao destacar que esse conhecimento meramente legalista satisfaz um interesse imediato do estudante, mas conduz no enfraquecimento da sociedade que receberá apenas um operador do direito: “Alguns professores poderiam ver nessa prática tecnicista dos cursos jurídicos a importante finalidade social de possibilitar aos futuros bacharéis acesso a conteúdos que constam em provas como o exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ou concursos públicos, viabilizando a ascensão social de um novo perfil de estudantes de direito. Contudo, este argumento padece do equívoco de desconsiderar a impossibilidade de equiparação das faculdades de direito com os cursinhos para exames dessa espécie. Além do mais, pensar desta forma inverte a relação de causalidade necessária entre educação e mercado de trabalho, pois cabe ao ensino superior desenvolver nos estudantes condições para o bom desempenho profissional. Nesse sentido, a arguta crítica de Buarque (2003) ao afirmar que a universidade, de criadora de condições para a concorrência e para o sucesso no mercado, tem se transformado ela própria num mercado”.

Por outro lado, no eixo de formação prática, valoriza-se os estágios curriculares, atividades de pesquisa e outras de extensão, como forma de conciliar a prática com a teoria. Mas aqui pode residir uma celeuma: geralmente, os professores do curso de Direito possuem uma atividade principal metadocente (advocacia, promotoria, magistratura, dentre outras atividades correlatas). Essas carreiras paralelas são interpretadas como um benefício proporcionado ao acadêmico de direito, vez que terá um profissional da área, um experiente no assunto, que lhe ofertará casos práticos do mundo forense.

Contudo, sob um olhar mais atento, a realidade mostra que esses mesmos profissionais possuem pouco de tempo para prepararem as suas aulas e, sobretudo, que não possuem a formação metodológica condizente à docência (FERREIRA SOBRINHO, 2000, p. 29). O resultado imediato dessa vivência vem a ser uma aula expositiva, monologada, que se resume a leituras e comentários de leis, de artigos, perfazendo, nos dizeres de Paulo Freire, uma configuração bancária que renega a prática reflexiva.

De fato, o ensino jurídico sempre esteve voltado ao professor, personagem central da aprendizagem jurídica, cuja práxis consiste na memorização de artigos, conceitos, desprezando o conhecimento crítico. Enfim, trata-se de uma pedagogia tradicionalista, em que “o educando recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador. Educa-se para arquivar o que se deposita” (FREIRE, 1979, p. 20).

E, de forma mediata, há de se ponderar que, diferente das demais profissões, o conhecimento do profissional do Direito influencia constantemente toda uma sociedade, afinal, é por intermédio da aplicação das normas jurídicas que os conflitos sociais são resolvidos. Assim, o conhecimento jurídico produzido nas salas de aula transpassa o mundo acadêmico e repercute de forma pratica e direta na vida social. Enfim, o operador de Direito é um agente social.

Somado a isso, deve-se destacar que educar constitui um ato político. Assim, a educação jurídica pode trilhar dois caminhos diferentes: “pode ser concebida como arte se servir como tecnologia de controle, onde o processo educacional pode estar baseado na transmissão despolitizada do saber produzido pela dogmática jurídica; quanto como ciência, onde se exige uma atitude crítica e especulativa” (LEITÃO, 2012).

Em última análise, todos esses questionamentos resumem-se a uma indagação basilar: o papel que o professor do curso de direito desempenha na formação do ideário pedagógico do curso. Vale dizer, ao tomar consciência que educar é sim um ato político, o professor também passa a compreender que a sua postura na sala de aula influencia de forma direta no desenvolvimento de habilidades e competências do perfil do graduando.

Ou seja, é inegável que o perfil desejado aos acadêmicos de direito depende necessariamente da tomada de consciência que ser docente não significa apenas a transmissão de conhecimentos técnico-legislativos, mas, antes de tudo, que a prática educativa do professor engloba na formação e na efetivação do papel social do Direito. Nesse sentido, André Azevedo da Fonseca sintetiza essa questão com as seguintes palavras: “Daí a importância da compreensão de que educação e política. E depois de perceber que também é um político, o professor não pode deixar de se perguntar: “Que tipo de política estou fazendo em classe?” Ou melhor: “Estou sendo um professor a favor de quem?” E se educa à favor de alguém, o professor também deve perguntar-se contra quem está educando (FONSECA, 2005, p.4).

Conhecedor dessa intrínseca relação, o aprender a conhecer e o aprender a fazer colaboram significadamente para o crescimento da formação humanística acadêmica, aliada às exigências de produtividade do mercado.

REFERÊNCIAS

FONSECA, André Azevedo da. Jornalismo para a transformação: a pedagogia de Paulo Freire aplicada ao ensino de comunicação social. V Colóquio Internacional Paulo Freire – Recife, 19 a 22-setembro 2005.

FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Didática e aula em direito. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2000.

FREIRE, Paulo.  Educação e mudança. 12. ed. Campinas: Paz e Terra, 1979.

GIROLETTI, Domingos; MURIEL, Willie. Os desafios da educação em tempo de crise. Obtido no site cartaconsulta.com.br. Acesso em 08 de maio de 2013.

LEITÃO, Macell Cunha. A Crise Políticos-Epistemológica do ensino do direito. Ou: por que formar juristas críticos hoje? In: XXI Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Disponível em: http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php. Acesso em 15 de maio de 2013

PINTO, Geraldo Augusto. A organização do trabalho no século 20: taylotismo, fordismo e toyotismo. São Paulo: Expressão Popular, 2007.

UNESCO. Educação: um tesouro a descobrir. 8.ed. São Paulo:Cortez, Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2003.



[1] Para uma melhor compreensão, necessário se faz abordar, em linhas gerais, o modelo fordista que se caracterizava pela produção em série, em que cada trabalhador desempenhava uma única função predeterminada, transformando a sua força laborativa em uma atividade altamente especializada. Este modelo de organização do trabalho foi aplicado, inicialmente, por Henry Ford (por isso, fordismo) em sua fábrica de automóveis localizada na cidade de Detroit, a Ford Motor Company, que tinha como base conceitual as técnicas de produção desenvolvidas por Frederick Winslow Taylor, responsável por sistematizar e aplicar uma “divisão técnica do trabalho humano dentro da produção industrial” que consiste em repassar a cada trabalhador uma única função, estritamente necessária à consecução do seu serviço (PINTO, 2007, p. 31). Pondo em prática esta nova equação do trabalho, o taylorismo pretendia eliminar a prática, até então utilizada nas fábricas, de alocar demasiadas funções sobre um único trabalhador, o que lhe ocasionava uma perda desnecessária de energia e tempo para a realização das suas atividades. Dessa maneira, ao atribuir a cada empregado uma única tarefa que fosse compatível com suas habilidades e conhecimentos técnicos, Taylor acreditava na obtenção de dois resultados paralelos: rapidez e precisão na execução do trabalho. Em termos práticos, toda essa inovação teve como fundamento a extrema especialização do trabalhador, atribuindo-lhe capacidades técnicas padronizadas e a realização de funções estáticas em um menor tempo possível e sob a vigilância constante da fábrica[1] (PINTO, 2007, p. 37).

 

Autor deste artigo: Tatiana Moraes Cosate - participante desde Qui, 08 de Agosto de 2013.

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