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Edições Anteriores 327 Fonética X Fonologia: Relações/Implicações no Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa
Fonética X Fonologia: Relações/Implicações no Ensino e Aprendizagem da Língua Portuguesa PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Marinho Celestino de Souza Filho   
Seg, 12 de Agosto de 2013 00:00

Ms. Marinho Celestino de Souza Filho[1]

Dra. Iara Maria Teles[2]

Resumo: Procura-se analisar, neste trabalho, alguns conceitos de Fonética e de Fonologia dados por algumas gramáticas normativas. Pretende-se, ainda, mostrar que há uma necessidade urgente de reinterpretar esses conceitos, tratando desse intrigante assunto com mais seriedade e profundidade afim de se obter melhor aproveitamento no ensino da língua portuguesa.

Palavras-chave: Fonética. Fonologia. Ensino. Aprendizagem. Implicações. Língua Portuguesa.

Abstract: Seeks to analyze in this paper some concepts of phonetics and phonology given by some normative grammars. Intended also to show that there is an urgent need to reinterpret these concepts, addressing this issue more seriously intriguing and depth in order to obtain better use in Portuguese language teaching.

 

Keywords: Phonetics. Phonology. Teaching. Learning. Implications. Portuguese Language.

 

 

Introdução

Neste trabalho, discorreremos sobre três das muitas concepções de linguagem criadas no transcorrer da história da humanidade, após o quê tentaremos mostrar algumas implicações do estudo da Fonética e da Fonologia com o ensino da língua portuguesa.

Passando por Ferdinand de Saussure, com sua diacronia e sincronia, abordaremos algumas concepções de linguagem desenvolvidas ao longo do tempo, bem como alguns conceitos de gramática, também desenvolvidos ao longo da história da humanidade. Como nosso intuito maior é colaborar para a melhoria do ensino da Língua Portuguesa, necessário se faz passar por alguns aspectos de Fonética e Fonologia inseridos em alguns manuais de ensino da língua portuguesa, como por exemplo, as noções de fonema, dígrafo, ditongo crescente e decrescente, mostrados à luz da teoria normativa.

Finalmente, proporemos algumas reformulações que, acreditamos, facilitarão o ensino e a aprendizagem da Fonética e Fonologia na Educação Básica.

1. Critérios Científicos para o estudo de uma língua: Sincronia e Diacronia.

Antes de iniciar o estudo profundo de uma língua, de acordo com Ferrarezi e Souza Filho (2011), torna-se necessário estipular critérios técnicos e científicos, que determinem os parâmetros de estudo e definam um método a ser seguido, de forma que os resultados do estudo feito possam ser comparados a resultados de estudos de outras línguas realizados nos mesmos moldes.

Dessa forma, um dos primeiros linguistas a definir parâmetros de estudo bem claros para as línguas naturais foi Ferdinand de Saussure, famoso linguista franco-suíço, considerado o pai da ciência que estuda a linguagem humana, a Linguística.

Saussure (1995) deixou claro que os estudos linguísticos poderiam ser realizados em duas perspectivas distintas, a saber, a diacrônica e a sincrônica, que Ramanzini (1990, p.30) considera como dois tipos de Linguísticas, assim conceituadas:

[...] a Linguística sincrônica (do grego sin = conjunto, simultaneidade+ chronos = tempo), também chamada de estática ou descritiva, e a Linguística diacrônica (do grego dia = através + chronos = tempo), também chamada de evolutiva ou histórica.

De acordo com essa citação, vemos que a Linguística Sincrônica faz um recorte na linguagem para estudá-la em uma determinada época. Já a Linguística Diacrônica é o estudo da linguagem durante o transcorrer do tempo, isto é, a perspectiva diacrônica determina um estudo histórico da linguagem no transcorrer de distintas épocas, visando à descrição da evolução linguística.

Nesse sentido, Ferrarezi e Souza Filho (2011) afirmam que essas duas perspectivas existiam antes de Saussure, mas não sistematizadas como ele as apresentou a seus alunos. Hoje, elas definem os programas de estudos dos cientistas da linguagem, marcados em dois grandes “troncos de pesquisa”: a sincrônica e a diacrônica.

Sendo assim, torna-se necessário escolher uma dessas perspectivas, pois, entre outras coisas, essa escolha influenciará a escolha do método a ser adotado.

Nesse aspecto, ainda de acordo com Ferrarezi e Souza Filho (2011), a pergunta que cabe aqui é: a escola deve optar por qual perspectiva de estudo? Cremos que seja a perspectiva sincrônica, que permite ao estudante da educação básica enxergar sua própria linguagem no cotidiano escolar. A perspectiva diacrônica apareceria raramente a título de incremento cultural do aluno sobre sua própria língua.

Sobre isso, Kehdi (2000, p.7) afirma: “Não julguemos, todavia que a utilização de uma ou de outra postura seja uma mera questão de escolha; sincronia e diacronia podem contrapor-se quanto a métodos e resultados.” Se o resultado desejado pela escola é a boa comunicação hoje, como português brasileiro moderno, a sincronia parece ser a perspectiva mais adequada. Em se tratando de sincronia e diacronia, Kehdi, (2000, p.9) ainda afirma que:

De um ponto de vista metodológico, é aconselhável, portanto, que se separem as duas posições... Acreditamos que o conhecimento dos mecanismos de funcionamento de um idioma no seu “aqui e agora” deve anteceder as explicações de caráter histórico, indiscutivelmente necessárias e esclarecedoras, mas que devem ser invocadas num segundo momento.

Assim, acreditamos que se torna muito mais vantajoso estudar os fatos linguísticos na escola, considerando-os sob o prisma de uma visão sincrônica, principalmente no que se refere aos estudos gramaticais da Língua Portuguesa, pois, conforme argumentamos, a sincronia não é só meramente uma questão de escolha de método, mas, sim, ela apresenta muito mais vantagens para o estudo de nossa língua.

3. Concepções de Linguagem.

Segundo Kock (1997, p.9), há três concepções básicas de linguagem no decorrer da história da humanidade:

a. “como representação (“espelho”) do mundo e do pensamento;”

b. “como instrumento (“ferramenta”) de comunicação;”

c. “como forma (“lugar”) de ação ou interação.”

Ferrarezi (2010) defende que não é possível isolar nenhuma dessas três concepções se queremos dar conta minimamente do que seja uma língua natural. O autor defende que uma língua natural é um “sistema socializado e culturalmente determinado de representação de mundos e seus eventos”, concepção que abarca as três acima e acrescenta alguns ganhos importantes. Assim, segundo esse autor, devemos respeitar todas as dimensões de uma língua natural, frisando que ela não é apenas um espelho do pensamento, mas, também, o espelha; não é apenas instrumento, mas também serve de instrumento, não é apenas lugar de interação, mas também é nela e por ela que os falantes interagem. Além disso, Ferrarezi (2010) acrescenta as dimensões de cultura, criatividade e representação.

Nesse sentido, é de bastante relevância que o professor de Língua Portuguesa da Educação Básica conheça as três concepções de linguagem propostas por Kock (1997); além disso, esse docente deve acrescentar, no seu plano de trabalho, a concepção de linguagem também proposta por Ferrarezi (2010), pois, dessa forma, ganham todos envolvidos na arte de educar, ou seja, o ensino e a aprendizagem da Língua Portuguesa ganhará uma nova dimensão na Educação Básica. Certamente, terá mais lógica e fará muito mais sentido não só para os professores que lecionam seguindo a gramática normativa, mas também para os alunos que a estudam e, muitas vezes, a odeiam, pois, de acordo com Perini (1997, p. 54) “[...] As nossas gramáticas escolares não são organizadas de maneira lógica, e como estudar uma disciplina sem lógica? Como gostar ou incentivar o gosto por uma disciplina que foge completamente da lógica?

4. Alguns conceitos de gramática.

De acordo com Travaglia (1996), existem vários conceitos de gramática, porém trataremos apenas de três, que julgamos relevantes para esse trabalho, por isso, vejamos como Possenti (1996, p. 62-64) trata dessa questão: 1 – Conjunto de regras que devem ser seguidas; 2 – Conjunto de regras que são seguidas; 3 – Conjunto de regras que o falante domina.

Esses três conceitos de gramática poderão engendrar três tipos de gramática diferentes: o primeiro corresponde à Gramática Normativa, isto é, regras utilizadas pelos falantes/ouvintes, a fim de aprender a “escrever e falar corretamente”. O não seguimento dessas regras implicaria em sanções nada positivas, socialmente falando, porque se alguém diz, por exemplo, “nóis vai”, uma das primeiras coisas que as pessoas poderiam dizer é que fulano fala “errado” ou, no mínimo, esquisito, estranho, e quase sempre não se admitiria que se pudesse falar diferente.

No segundo conceito, percebe-se que a gramática não funcionaria apenas para descrever uma única variedade da língua e classificá-la como “certa” ou “errada”, mas, sim, procurar-se-ia descrever uma língua, levando em conta as infinitas possibilidades de construções que esta língua possui, e isso inclui um grande número de variedades pertencentes a um determinado sistema linguístico.

No terceiro conceito, este tipo de gramática é conhecido por Gramática Internalizada ou Natural, isto é, conjunto de regras que o falante domina, as quais lhe permitem produzir sentenças linguísticas que tenham coerência, ou seja, façam sentido, tratando-se, assim, da competência linguística inata ao falante/ouvinte de uma determinada língua; aliás, essa competência é que vai determinar quais as sequências linguísticas que serão aceitas, ou não, dentro de uma determinada comunidade linguística.

Por exemplo, é perfeitamente aceitável sequências do tipo:

a. Os menino subiu na cadeira.

b. Eu vô apanhá as goiaba.

Por outro lado, pensamos ser inaceitáveis sequências do tipo:

*c) A cadeira subiu nos meninos.

*d) As vão goiabas apanharem os meninos.

A não ser que uma dessas sequências (no nosso caso, a sequência (c)), pertença a uma área da Literatura conhecida como realismo fantástico, pois, no mundo textual fictício, acreditamos que essa sentença poderia ser aceita, todavia não estamos tratando do mundo textual fictício. E ainda, em se tratando dessas duas sentenças, gostaríamos de dizer que a presença dos asteriscos se faz necessária, já que, segundo os linguistas, esses asteriscos são usados para mostrar que essas sentenças não são aceitas no português.

Além disso, no que se refere à Gramática Internalizada, Luft (1995) diria que o indivíduo nasce “programado” para falar, ou seja, nasce com propriedades fisiológicas, biológicas, psicológicas para falar uma determinada língua.

Diante do exposto, percebemos a relevância de se conhecer não só um tipo de gramática para poder ensinar Língua Portuguesa. Por quê? Simplesmente porque, embasando o ensino-aprendizagem da língua portuguesa não só na Gramática Normativa, mas também em outros tipos de gramática, como, por exemplo, a Gramática Internalizada ou Natural, o professor terá condições de valorizar todas as variedades da língua, já que à escola compete o ensino-aprendizagem da língua padrão, sem desrespeitar a bagagem linguística que o aluno traz de casa, seus anseios, suas expectativas frente à vida, sua comunidade, seu próximo, seus amigos.

E, respeitando essa bagagem linguística do aluno, estaremos fazendo aquilo que Freire (1982) chama de respeitar “a bagagem do aluno”; nesse sentido, não seria respeitar, estritamente, só a bagagem linguística do aluno, mas, também, respeitá-lo como um todo, isto é, um ser humano complexo, heterogêneo, fantástico, instigante, maravilhoso e, sobretudo, alguém que merece a nossa consideração e respeito.

5. Conceitos de Fonética e Fonologia

Comecemos pelos conceitos de Fonética e Fonologia em algumas gramáticas normativas, doravante GN.

Em Savioli (1992, p.395), infelizmente, não há nenhuma menção à Fonética, mas, sim, noções vagas e confusas sobre Fonologia, pois, para ele, “fonologia (do grego: phoné = som + logia = estudo) é a parte da gramática que estuda o fonema.” Percebemos que esse conceito pode gerar alguns problemas.

Primeiramente, perguntaríamos: quais são os tipos de gramática que estudam os fonemas? Uma vez que sabemos que Possenti (1996) cita três tipos diferentes de gramática. Como se não bastasse isso, Travaglia (1996) cita ainda mais de dez tipos.

Por isso, um dos problemas desse conceito estaria aí, mas além desse, existem outros, isto é, fica muito vago afirmar que Fonologia seria “a parte da gramática que estuda o fonema” sem antes mostrar ao leitor uma noção clara do que seja fonema; por isso, pensamos que seria muito mais fácil falar, sem entrar em detalhes, que a Fonologia é a parte da Linguística que estuda os sons, ou seja, a ciência que estuda os sons das línguas existentes e as possíveis diferenças dos significados ocasionados pelas diferenças de sons que muitas palavras possuem, como, por exemplo: bato e tato, cola e sola, calo e galo, etc.

Segundo a G.N. de Faraco e Moura (1996, p. 35), a gramática está dividida em três grandes partes: Fonética, Morfologia e Sintaxe. Nesses autores, a única menção que se tem sobre Fonética é que ela estuda os sons da fala, enquanto a Morfologia consiste no estudo das classes gramaticais e dos elementos formadores das palavras. Já a Sintaxe estuda: a) a concordância: correspondência de reflexão entre dois termos; b) a regência: relação de dependência entre palavras e expressões; c) a colocação: disposição das palavras na frase e das frases nos texto e d) a análise sintática: as funções das palavras e das orações.

Percebe-se que Faraco e Moura (1996) nem sequer falam sobre Fonologia, constituindo, assim, um dos problemas ainda maiores dessa G.N., enquanto que Savioli (1998) trata da Fonologia, mesmo apresentando falhas. Aqueles autores, além de não falarem em Fonologia, dão noções vagas, imprecisas de fonemas e ainda não deixam muito claro o que seria a Fonética.

Por causa da inconsistência dessas GN, e de outras, que deixamos de analisar neste artigo, mas que apresentam os mesmos problemas, vejamos, por outros autores, o conceito de Fonologia.

Perini (1996, p. 49), em sua Gramática Descritiva do Português, estabelece critérios para uma análise gramatical descritiva. Segundo ele,

[...] Numa tentativa de equacionar a imensa complexidade da estrutura das línguas, os linguistas estabeleceram diversos “níveis de análise”, definidos pelos vários pontos de vista sob os quais se pode encarar os fenômenos gramaticais. Por exemplo, ao estudar uma frase como:

(33) “Ana desprezou Ricardo.” pode-se assumir o ponto de vista do estudo da pronúncia. Nesse caso, serão estudadas as regras de pronúncia como o que nos obriga a pronunciar o primeiro a de Ana como uma vogal nasal, por ser tônico e estar logo antes de uma consoante nasal (o n); ou a que nos obriga a pronunciar a vogal final de Ricardo como um u, e não um o etc.

A esse estudo das regras de pronúncia de uma língua se dá o nome de “fonologia”.

Mesmo nesse conceito de Fonologia dado por Perini (1996), encontramos alguns problemas, dentre eles, gostaríamos de elencar os seguintes:

a) não fica muito clara a noção de Fonologia e nem de Fonética, parecendo, desse modo, haver uma mistura desse conceito;

b) não há antes nenhuma noção de fonema e muito menos de Fonética;

c) além disso, o leitor poderá perceber, no decorrer da obra de Perini (1996), que não mais se fala em Fonologia e muito menos em Fonética, basta, para isso, conferir as páginas seguintes de sua “Gramática descritiva do português”; o autor, em momento algum, retoma o tema, por isso, poderão ser notadas lacunas no que tange à Fonologia e, principalmente, à Fonética;

d) e ainda, o conceito dado para Fonologia se prestaria melhor se fosse dado à Fonética.

Vejamos, agora, o que Cagliari diz, em sua obra Alfabetização e Linguagem, (1995, p. 42), em se tratando da Fonética: “estuda os sons da fala, preocupando-se com os mecanismos de produção e audição. A Fonética procura fazer o trabalho com ênfase no aspecto descritivo da realidade fônica de uma língua.”

Em outras palavras, a Fonética procura analisar e descrever a fala das pessoas da maneira como ela ocorre nas mais variadas situações de interação social por que as pessoas passem.

Acerca desse conceito, gostaríamos de dizer que é um dos mais adequados vistos até agora, ou seja, Cagliari (1995) nos mostra que a Fonética procura descrever a fala tal qual ela ocorre, preocupando-se com a produção e audição da fala, levando em conta não só as diferenças que existem em se tratando da fala, mas ainda toda complexidade, toda maravilha que a cerca.

E sobre Fonologia, Cagliari (1995, p. 43) nos mostra que:

[...] preocupa-se também com os sons de uma língua, mas do ponto de vista de sua função. Ela se ocupa dos aspectos interpretativos dos sons, de sua estrutura funcional nas línguas.

Quando um falante diz, por exemplo, potxi, txia, tudu, tapa, até etc., a Fonética comenta as pronúncias tx e t, e a Fonologia interpreta essa diferença atribuindo um valor único a esses dois sons, uma vez que tx ocorre somente diante da vogal i, e o t, diante de outro som que não seja i. Fato semelhante quando um falante diz ora iscada, ora escada. A concorrência de i ou e não muda o significado e, segundo a Fonologia, o i e e, neste caso, têm o mesmo valor.

Porém, num outro contexto, como em sílabas tônicas, a concorrência de i ou de e tem o valor distinto de palavras. Por exemplo, numa palavra como vi, se houver a troca de i por e, surgiria uma palavra nova vi e vê, é chamado de fonema da língua. Quando um som pode variar, como tx e t, é chamada variante. Tradicionalmente, a palavra fonema tem sido usada para se referir simplesmente aos “sons” da fala, mas na linguística moderna tem um significado especial, como o que foi descrito acima.

Esse conceito de Fonologia proposto por Cagliari (1995), além de ser muito mais complexo do que os conceitos encontrados nas G.Ns, também é esclarecedor, não deixando dúvidas quanto à noção de Fonologia. Os exemplos utilizados pelo autor mostram que a Fonologia vai se ater aos sons que se opõem entre si, gerando, assim, diferenças de sentidos entre os vocábulos, isto é, a característica principal para que um som se transforme em fonema é que ele deve apresentar um conjunto de feixes de traços distintivos, como por exemplo: +sonoro, +consoante, -vogal etc.

6. A Fonética e a Fonologia na Educação Básica

Como dissemos na introdução deste artigo, nosso intuito maior é colaborar para a melhoria do ensino da Língua Portuguesa, sobretudo no que se refere à Fonética e Fonologia. Ferrarezi e Teles (2006) têm constatado que, de modo geral, a maioria dos estudantes, sobretudo dos níveis fundamental e médio, revela falta de interesse por questões ligadas a essas áreas (e acabam confessando que não sabem nada disso...). Ou seja: o que poderia ser prazeroso e útil se torna algo maçante e monótono, prejudicando, mesmo, a formação de nossos alunos como um todo.

É sabido que os professores de Língua Portuguesa (e os que tentam ensinar o português brasileiro) enfrentam problemas para despertar o interesse de seus alunos para esse tema de estudo. Muitos são os questionamentos que surgem em sala de aula e que são deixados sem esclarecimentos, talvez por ser, na verdade, o estudo da Fonética e da Fonologia relegado, frequentemente, a um plano secundário, embora apareça em primeiro lugar nas gramáticas. Será que isso acontece por falta de preparo dos professores? Ou, talvez, porque as abordagens se tornam tão simplificadas, por uma necessidade de adaptação aos níveis iniciais de ensino, que acabam prejudicando o conteúdo?

Ferrarezi e Teles em sua Gramática do Brasileiro (2006) abordaram várias questões problemáticas no ensino do português brasileiro. Vamos focalizar, aqui, apenas algumas dessas questões, de acordo com aqueles autores, tais como: grafema, fone ou fonema? Cinco ou sete vogais orais? Hiatos ou Ditongos?

6.1 Grafema, fone ou fonema?

A abordagem sobre Fonética, que normalmente é feita na educação básica brasileira, deixa margem a uma conceituação confusa sobre as noções de grafema, de fone e de fonema. Em função da complexidade do tema, obviamente, não se abordam noções de Fonêmica nos níveis iniciais de ensino e, por isso, fala-se de fonema como se esse fosse um termo genérico. Ao se fazer os clássicos exercícios para distinguir grafemas de fonemas, não é feita uma preparação oral que permita ao aluno compreender, realmente, o que está fazendo, além de se considerar variações de alguns sons, às vezes, como se fossem fonemas. O aluno que aprende mecanicamente essas noções fará confusões entre grafema e fonema, o que o levará, certamente, a cometer erros de separação silábica, por exemplo, quando estiver separando dígrafos.

Para não se confundir esses conceitos, é preciso sempre ter em mente que apesar de a Fonética e a Fonologia, áreas da Linguística, terem ambas como objeto de estudo os sons da linguagem, a Fonética, de modo geral, preocupa-se com a produção dos sons (ou seja, a forma como são realizados) e com a estrutura física desse sons, e a Fonologia, em saber se esses sons são distintivos ou não, se exercem uma função na linguagem. Por exemplo, conhecemos as diferentes maneiras de se pronunciar os dois grafemas r da palavra carro: uns têm uma pronúncia mais anterior (região alveolar), outros mais posterior (região velar), ou mais posterior ainda (regiões uvular e faringal), mas sempre o falante do português brasileiro saberá que se trata da palavra carro e não de caro. Apesar das diferentes realizações dos dois “r“(alveolar [r], velar [x], uvular [X], glotal [h], que são chamados fones)[3], objeto de estudo da Fonética, temos um só fonema /r/ ou, conforme Cagliari (1997, pp. 14, 37 e 38)[4] /x/ para o dialeto paulista, objeto de estudo da Fonologia.

Os sons variáveis de sujeito a sujeito, como o exemplo do “r”, além de outros, conforme fatores diversos – linguísticos e paralinguísticos –, são chamados fones. Esses fones é que são objeto da Fonética.

Necessário se faz, no entanto, estabelecer um sistema para a língua que seja significativo, distintivo. Aí começa, propriamente dita, a Fonologia, que vai determinar, pela prova de comutação, o sistema fonêmico da língua, mais econômico que seu sistema fonético. Pela prova de comutação (alternação de fones em um mesmo contexto), é verificado se uma alteração no significante (sequência de fones) resulta ou não em uma alteração no sentido. Assim, por exemplo, se falarmos ‘teto’ [tEto] sabemos que não estamos falando de ‘neto’ [nEto]. Nos dois significantes temos o mesmo contexto [--Eto]; como alteramos o significante com a alternância dos fones [t] e [n], obtivemos sentidos diferentes; nesse caso, estes fones são dois fonemas /t/ e /n/. Já no caso de ‘carro’, quer falemos [r], [x], [X] ou [h], sabemos tratar-se de um mesmo objeto, pois houve alterações no sinal, mas o sentido não foi alterado aqui. Temos, nesse caso, vários fones que são alofones ou variantes entre si de um só fonema, o /r/. O falante do brasileiro sabe que se trata de ‘carro’ (meio de locomoção) que pode ser ‘caro’ (de preço elevado) ou não.

Enquanto a noção de fone é uma noção concreta, podendo a onda acústica ser analisada experimentalmente em todas as suas características, a de fonema é abstrata. Sendo o fonema uma abstração, o fone, que pode ou não ser uma variante, é a realização concreta do fonema. Assim, no caso das diferentes realizações dos dois ‘r’, temos vários fones que são alofones ou variantes do fonema /r/, mas, no caso de ‘teto’ e ‘feto’ temos os fones dos fonemas /t/ e /f/, que não são variantes entre si. Vemos, então, que os fones distintivos na língua são chamados fonemas, objeto da Fonologia.

Concluindo, se seguimos a dicotomia “parole versus langue” de Saussure[5] – para quem “na língua não há senão diferenças”, só há oposições –, a unidade da Fonética é o som da fala, é o que é individual, ou seja, variável de pessoa a pessoa e, até mesmo, conforme as circunstâncias, na mesma pessoa, é o chamado fone que é transcrito convencionalmente entre [ ]; ao passo que a unidade da Fonologia é o som da língua, é o que é comum para todos os falantes da língua, é o que pertence ao sistema distintivo, é o chamado fonema, que é transcrito convencionalmente entre / /.

Como trabalhar com os alunos quando o nível de ensino não permitir entrar nesses detalhes? Para não se incorrer em erros, falando-se em fonema como se esse fosse um termo genérico, como dissemos no início, julgamos ser preferível falar-se em sons em vez de fonemas no Ensino Fundamental e fones e fonemas nos outros níveis de ensino.

6.2 Cinco ou sete vogais orais?

É constatado que temos um sistema vocálico composto de sete vogais em posição tônica – [i, e, E, a, , o, u] (p[i]pa, p[e]la, p[E]la, p[a]la, plo, p[o]-lo, p[u]la) – que se reduz a cinco em posição átona pretônica – [i, e, a, o, u] (pol[i]ticagem, m[e]tralhar, m[a]traca, m[o]lhado, [u]rubu) –, a quatro em posição átona postônica não-final – [i, e, a, u] ( polít[i]ca, paralepí[e]do, parágr[a]fo, íd[u]lo) – e, até mesmo, há três em posição átona final – [I, ?, U] (beb[I], cas[?], bol[U]) –, então por que iniciar a alfabetização dizendo que temos cinco vogais orais?

Aqui, os professores já empregam o termo sons; por que não falam em fonemas? Respondem quando lhes falamos a esse respeito: “Ora, temos sete sons representados por cinco letras que recebem o acento agudo para indicar os sons abertos”. E ficam sem resposta quando lhes perguntamos como explicar o fato de termos sons abertos que são representados por letras sem acento agudo. Ou seja, fazem uma confusão entre grafemas e sons.

De modo geral, com quem temos conversado, fica claro que o receio de mudar se deve ao fato de que serão questionados pela família do aluno. A nosso ver, isso já deve merecer um tratamento mais correto da parte dos alfabetizadores.

6.3 Hiatos ou DITONGOS?

É frequente a dificuldade da maioria dos alunos, até mesmo de adultos, para distinguir ditongos de hiatos, nem se falando de ditongos crescentes e decrescentes.

Essa questão simples, mas tornada complicada, sem entrar no mérito sobre ditongos verdadeiros e falsos, será facilmente resolvida se os professores levarem em conta que os sons, antes de qualquer coisa, devem ser pronunciados. Quando se faz uma abordagem oral, ou melhor, uma prática oral em sala de aula, o problema desaparece.

É necessário dar mais atenção ao fato de que, quando os alunos pronunciam, percebem a diferença entre hiato e ditongo e, quando sentem a intensidade mais forte ou mais fraca do início do ditongo, facilmente deduzem qual é o crescente ou o decrescente, sem ter necessidade de decorar, sem compreender, a fatigante lista dos ditos ditongos. Aliás, parece que os normativistas amam listas prontas... Pode-se, até mesmo, associar a representação Vv ¯ para os ditongos decrescentes e vV ­ para os crescentes. Assim, na palavra ‘pai’ temos [paj], ou seja, Vv ¯ , e, em ´quase´, temos [kwazI], ou seja, vV ­. É claro que, nas séries iniciais, o professor não deverá ter a preocupação de ensinar aos alunos a diferença entre ditongo, tritongo e outros aspectos da fonologia da língua; afinal, o enfoque nesse período deve estar nas quatro habilidades básicas da comunicação: ler, escrever, ouvir e falar. Mas, quando o tema vier a ser introduzido, em séries mais avançadas, esses aspectos que abordamos aqui não devem passar sem relevo.

Finalizando, fazemos o seguinte questionamento: para que esquentar a cabeça dos alunos com a separação silábica, por exemplo, da palavra ideia, que deveria ser, pela pronúncia, i-de-ia, mas que, pela GN, deve ser i-dei-a para forçar a formação do ditongo decrescente se, na realidade, pela regra de translineação, essa palavra é inseparável?

Concluindo, temos que registrar que, em nossa caminhada pedagógica, observamos que a maioria dos professores de brasileiro não sabe o porquê do estudo dos ditongos.

7. Considerações Finais

Assim, gostaríamos de ratificar que embasado nas afirmações feitas anteriormente, notamos que, na maioria das vezes, os alunos detestam Língua Portuguesa, ficam traumatizados, porque o que tem acontecido nas aulas de Língua Portuguesa em boa parte das escolas brasileiras é isto: dá-se uma enorme lista de prefixos, radicais gregos e latinos pedindo ao aluno que a decore, depois se faz uma "prova" que somente poucos privilegiados de memória conseguem notas para ser aprovados, e os outros? Quanto aos outros alunos, a maioria é reprovada, primeiro: porque não veem sentido, lógica, decorar aquele número enorme de prefixos e radicais, e, segundo: por não serem privilegiados na "arte do decoreba".

Como se não bastasse isso, o aluno, quando entra na escola, entra feliz, encantado, "louco" para estudar, e a escola, o que faz com ele? Desde a segunda série do ensino fundamental, a escola já acaba com a alegria desse aluno, por quê? Porque faz o aluno decorar uma lista enorme de substantivos coletivos e, ainda sem lógica alguma, ensina às crianças nomenclaturas que seriam mais adequadas para especialistas, estudiosos da linguagem e acadêmicos, principalmente, quando a escola diz para os alunos que "substantivo é a palavra que nomeia os seres?" Que "seres" são esses? De carne e osso? Extraterrestres?

Nesse exemplo simples, percebemos a incoerência das gramáticas normativas. O que fazer então? Não se ensina mais gramática normativa? Não, muito pelo contrário, deve-se ensinar sim! Mas de que forma? Um ensino de gramática contextualizado, embasado não só na gramática normativa, porque esta não é o único tipo de gramática que existe. Dessa maneira, como gostar de um conteúdo que não tem lógica e não faz nenhum sentido?

Desse modo, resta-nos dizer que há uma necessidade urgente de rever o ensino de gramática normativa nas escolas brasileiras.

Portanto, o que gostaríamos de sugerir é que se renove, se reveja o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa nas escolas brasileiras de Educação Básica no que tange, especialmente, ao estudo da Fonética e da Fonologia.

E ainda, que se escrevam outros tipos de gramática mais esclarecedoras sobre esse intrigante, misterioso e interessante assunto, para que haja não só incentivo, gosto pelas duas áreas do conhecimento anteriormente assinaladas neste artigo, como também uma ênfase maior nos cursos de Ensino Fundamental, Médio e Superior, principalmente, nos de formação profissional como é o caso do Curso de Letras e que se saiba ainda diferenciar de forma adequada a Fonética da Fonologia e vice-versa, tendo consciência de que são duas ciências diferentes com muita coisa em comum.

7. Referências

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguagem. 5 ed. São Paulo: Scipione, 1995. FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

FARACO, Carlos Emílio; MOURA, Francisco Marto de. Gramática. 9 ed. São Paulo: Ática, 1996.

FERRAREZI, Junior Celso. Introdução à Semântica de Contextos e Cenários: de la langue à la vie. São Paulo: Mercado de Letras, 2010.

FERRAREZI, Junior Celso; SOUZA FILHO, Marinho Celestino de. Alfabetização e Linguagem: a vida na escola. Revista Gestão Universitária. Edição 319, julho de 2011.

FERRAREZI JR., Celso e TELES, Iara Maria. Gramática do Brasileiro. São Paulo: Editora Globo, 2006.

FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a liberdade e outros escritos. 8ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.

KEHDI, Valter. Morfemas do Português. 6ed. São Paulo, Ática, 2000.

KOCK, Ingedore G. Villaça. A Inter-ação pela linguagem. 3 ed. São Paulo, Contexto, 1997.

LUFT, Celso Pedro. Língua e Liberdade. São Paulo: Ática, 1995.

PERINI, Mário Alberto. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Ática, 1997.

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SAUSSURE, F. de (1916/1975). Cours de Linguistique Générale. Paris: Payot.



[1] Mestre em Linguística, professor da Cadeira de Língua Portuguesa no IFRO – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia = Campus Ariquemes.

[2] Doutora em Linguística, professora aposentada da UNIR – Universidade Federal de Rondônia – Campus Guajará-Mirim.

1 A escrita fonética dos sons se faz entre [ ] e a fonológica entre / /; não confundir com a escrita ortográfica que se faz com grafemas. Assim: carro (grafemas), [????] (sons ou fones) e /????/ (fonemas). Para as transcrições, utilizamos o Alfabeto Fonético Internacional (AFI).

2  Cagliari, L. C. (1997). Análise fonológica. Introdução à teoria e à prática com especial destaque para o modelo fonêmico. Campinas: Edição do Autor. Série Linguística Vol.1.

[5] SAUSSURE, F. de (1916/1975). Cours de Linguistique Générale. Paris: Payot.

 

 

 

 
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