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Edições Anteriores 327 O olhar docente sobre o aluno que não consegue aprender
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Escrito por Salatiel da Rocha Gomes   
Seg, 12 de Agosto de 2013 00:00

Salatiel da Rocha Gomes[1]

Resumo: Trata-se de um texto realizado a partir de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa, onde reflete-se sobre a importância do olhar docente em relação aos alunos que não conseguem aprender. Esses, por sua vez, atualmente estão sendo alvos de inúmeras pesquisas, principalmente dos campos da psicopedagogia e da neurociência. O foco maior desse trabalho é apresentar o professor não como um detentor principal de responsabilidade quando temos em mente o aluno que não aprende; mas, primordialmente, àquele que tem o primeiro olhar, a primeira impressão e a primeira denúncia. O aluno de hoje ainda tem em mente que não aprende porque tem algum problema e ele é sempre o principal culpado. Porém, para além das causas voltadas a ele, existem inúmeras outras causas, e aí, refletimos um pouco sobre as bases de uma área de conhecimento que vem se expandindo no campo educacional que é a Psicopedagogia. Não é um estudo novo, mas que traz, no bojo de sua discussão, reflexões profícuas que maximizarão novos caminhos, novas saídas.

 

Palavras-chaves: Escola. Fracasso escolar. Psicopedagogia

 

 

Algumas palavras iniciais

Temos como principal objetivo nesse artigo apresentar  o olhar docente como um fator importante na tratativa de alunos que possuem dificuldades de aprendizagem. Hoje, a maioria dos textos refletem a angústia docente no sentido dos problemas do trabalho docente, voltados principalmente pelas condições de trabalhar. Nossa intenção é analisar a angústia docente em um significado pedagógico, quando o professor sente-se a partir de sua inquietação, a obrigação de ajudar aquele aluno que não consegue aprender.

A psicopedagogia, que tem como objeto de estudo os alunos que possuem dificuldades de aprendizagem nos ajuda a pensar em algumas proposições sobre esse problema, que vem sendo alvo de inúmeras pesquisas científicas, principalmente com a contribuição da neurociência. Hoje, sabe-se que o aluno não aprende por inúmeras causas, desde internas a externas. Internas referente às condições de saúde física e psíquica do aluno; externas referente ao ambiente  em que ele vive – família e o próprio sistema escolar.

Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, de abordagem qualitativa, que compreende a partir do conhecimento empírico do autor e das literaturas consultadas e analisadas, de que maneira esse enfoque é descrito e reconhecido no âmbito da escola.

1 Discutindo o fracasso escolar

A expressão “Fracasso” é um pouco forte. Por vezes, ouvi alguns colegas de trabalho me sugerirem não trabalhar com tal palavra. Preferi assim por se uma linguagem comum no meio educacional. Não que eu concorde com o termo, mas entendo que é direto e retrata claramente aquilo o que queremos abordar e refletir. Não obstante, seria difícil encontrar uma palavra eufêmica que pudesse exercer um sentido igual ao de “fracasso”. Indo ao Dicionário Aurélio, a palavra “fracasso”, significa desgraça, desastre, mau êxito, perda; nesse sentido, quando nos voltamos ao olhar escolar, poderíamos definir esse conceito como o “mau êxito na escola”.

Não é preciso ser um psicopedagogo para saber quais são os alunos que não conseguem aprender. Alunos que ano após ano tornam-se problemas para a escola, caso não alcancem um desempenho acadêmico aceitável. A problemática “Fracasso escolar” é ainda hoje e possivelmente sempre será, um dos temas centrais discutidos em educação. O entendimento sobre esse problema sofreu alterações ao longo da história da educação brasileira. Patto (1999, p.53) nos leva à reflexão quando expõe o problema do fracasso escolar, onde diz que “no período de quase um século, portanto, mudam as palavras, permanece uma explicação, seja ela de natureza biológica, psíquica ou cultural”.

Muitos alunos, principalmente na rede pública de ensino são aprovados sem adquirir as habilidades básicas daquela etapa a qual ele fora incluso. Trata-se de uma medida do próprio sistema escolar que adotou na década de 90 a medida da progressão continuada, proporcionando a redução do índice de retenção escolar. A automatização do progresso escolar não foi apenas um projeto pedagógico inovador, como muitos o dizem, mas uma forma de otimização de custos na educação, onde a redução de perdas seria um fator interessante para aqueles que investem.

Prova disso, é o foco sempre no aluno, onde inúmeras discussões voltam-se aos problemas do discente, como a teoria da carência cultural, que na visão de Patto (1997, p. 47) acontece quando há um “aprofundamento da má qualidade da escola que se oferece ao povo, na medida em que justifica um barateamento do ensino que acaba realizando a profecia segundo a qual os pobres não têm capacidade suficiente para o sucesso escolar”. Isso corrobora o comentado por Bossa (2000, p. 14), quando diz que “é comum, na literatura, os professores serem acusados de si isentarem de sua culpa e responsabilizar o aluno ou sua família pelos problemas de aprendizagem”,

No que se refere à medicalização do ensino, enfoque felizmente discutido também no meio acadêmico, Collares (1995) nos admoesta que ao tentar biologizar as questões sociais, atinge-se um objetivo que é referente à isenção de responsabilidades de todo o sistema social, inclusive “culpabilizando a vítima”. Collares (1995, p.11) enfatiza que “na escola, desloca-se o eixo de uma discussão político-pedagógica para causas e soluções pretensamente médicas, portanto inacessíveis à educação”. É o que a própria autora chama de medicalização do ensino, fazendo com que tenhamos muitos “professores profetas”.

Indubitavelmente, na escola existem muitas profecias quanto aos resultados acadêmicos. No início do ano, o professor já efetua seu diagnóstico de quem vai ser aprovado e os que serão reprovados. Quanto a essa previsibilidades, Collares (2005, p. 42) relata que “no momento em que se define  os que não irão aprender, legitima-se a sua exclusão futura do rol de cidadãos”. E nesse sentido, existem algumas explicações sociais. Firmamo-nos nas concepções de Dubet ( 2008) e Enguita ( 1989).

A escola contribui para que seus alunos interiorizem seu destino, sua posição e suas oportunidades sociais como se fossem sua responsabilidade pessoal. Assim, os que obtêm as melhores oportunidades atribuem-nas a seus méritos e os que não as têm consideram que que é sua própria culpa. As determinações sociais são ocultadas por detrás de diagnósticos individualizados, legitimados e sacralizados pela autoridade escolar. ( ENGUITA, 1989, p.13)

Em outro momento, Enguita ( 1989, p.203), reitera sua posição dizendo:

Na escola, aprende-se estar constantemente preparado para ser medido, classificado e rotulado; a aceitar que todas as nossas ações e omissões sejam suscetíveis de ser incorporadas a nosso registro pessoal; a aceitar ser objeto de avaliação e inclusive a deseja-la.

As ideias de Dubet ( 2008) e Enguita (1989) se assemelham pois possuem visões que condenam a meritocratização do ensino quando não visa a igualdade de oportunidade. Abaixo, veremos um pouco sobre a psicopedagogia: uma nova área de conhecimento que veio trazer em um espaço de divulgação melhor, as questões da aprendizagem.

2 A concepção da psicopedagogia : Breve Contextualização

A psicopedagogia vem tomando cada vez mais espaços no âmbito da escola. Desde já, afirmamos que sua atuação é necessária sim. Esse novo campo de atuação da educação é muito criticado, principalmente por ser muito novo e não ter, segundo eles, bases teóricas próprias. Mas, preferimos coloca-las em um  tripé  de destaque por “abrir” os olhos de muitos educadores quanto a esses alunos que possuem dificuldades de aprendizagem. Obviamente, que também muito se tem confundido com a inserção da psicopedagogia. Aliás, os cursos de especialização tiveram um grande boom, formando “especialistas” nessa área; muito deles não sabem nem o real objetivo dessa nova área. O certo é que os alunos que não conseguem aprender ao menos estão começando a ser percebidos.

Reforçando esse papel da psicopedagogia, Scoz (2002, p. 34), escreve da seguinte maneira:

A psicopedagogia além de dominar a patologia e a etiologia dos problemas de aprendizagem; aprofundou conhecimentos que lhe possibilitam uma contribuição efetiva não só relacionada aos problemas de aprendizagem, mas, também, na melhoria da qualidade do ensino oferecido nas escolas. Dessa forma contribui para a percepção global do fato educativo e para a compreensão satisfatória dos objetivos da educação e da finalidade da escola, possibilitando, assim, uma ação transformadora.

Discutindo sobre as questões da aprendizagem, a Psicopedagogia tem desconfiança dos discursos que falam que o aluno “de jeito nenhum” consegue aprender. Dentro de um viés histórico, Bossa (2000, p. 37) escreve que antes, “a criança que não conseguia aprender era taxada como ‘anormal’, devido a interpretação que a causa de seu fracasso era atribuída a alguma anomalia anatomofisiológica”.

O conceito de psicopedagogia que tomamos para este tudo é o descrito pela ABPP. A psicopedagogia é um campo de atuação em educação e saúde que lida com os processos de aprendizagem humana; seus padrões normais e patológicos, considerando a influência do meio – família, escola e sociedade no seu desenvolvimento. ( BOSSA, 2000, p. 95)

3 A angústia docente frente aos alunos com dificuldades de aprendizagem

Entendemos a expressão “angústia docente”, uma inquietude tida pelo professor quando reconhece que algo está errado no processo educativo; uma vez que alguns alunos não conseguem aprender e o mesmo não entende como algo normal. Podemos ser um pouco ousados em dizer, mas nem todos os docentes sentem essa “angústia”. Muitos simplesmente “apertam o botão”, ministrando sua aula sem necessariamente se preocupar com os resultados que sua ação pedagógica obteve. Essa não reflexão é criticada por Tardif (2005), Perrenoud (2002), quando enfatizam a necessidade de se refletir sobre a prática.

Outro tipo de docente é aquele que fica inquieto frente às dificuldades que seu aluno possui; tenta de inúmeras maneiras oferecer caminhos pedagógicos que facilitam o aprendizado desses alunos. Essa postura já foi enfatizada em Freire (1996) quando se expressa dizendo que o professor tem dois caminhos: ou se acostuma com a realidade ou tenta mudá-la. Esse pensamento de alternância é o que melhor define o objetivo desse texto; a angústia tem um sentido bom quando a partir dela o professor tentar mudar, abrindo novos caminhos, pela sua ação, para esses alunos. É o que Alícia Fernandez chama de estar-se por inteiro.

A participação do professor, por inteiro, (corpo, organismo, inteligência e desejo) nessa relação, na sala de aula, no processo de ensino-aprendizagem demanda a participação dos alunos por inteiro. O organismo, transversalizado pela inteligência e o desejo, irá se mostrando em um corpo, e é deste modo que intervém na aprendizagem, já corporizado. ( FERNANDEZ, 1990, p. 62)

Collares (2005) nos convida a refletir sobre o fracasso escolar declarando que se queremos ser agentes afetivos de transformação social, precisamos nos infiltrar na vida cotidiana, quebrando o sistema de preconceitos e retomar a cotidianidade em outra direção.

Considerações Finais

O que tentamos apontar, no breve espaço de discussões que apresentamos, são reflexões já também constatadas em algumas pesquisas anteriores, as quais reiteram que o professor não é o principal nem o único responsável pelo fracasso ou sucesso de algum aluno, mas seu olhar, sua inquietação pode ajudar a minimizar problemas de alunos com dificuldades de aprendizagem. Ao menos, não deixando seus alunos como alienígenas dentro da sala de aula, conforme expressão utilizada por Santome (2009). Se a escola é tida como espaço formal de aprendizagem acadêmica mais importante na vida de um aluno, deve ser considerado também o local que valoriza e inclui esses alunos, ou como vendo sendo dito, aprendentes, os quais constantemente ficam esquecidos dentro um lugar de quatro paredes. O aluno não pode em momento algum uma invenção, como nos alerta Sacristam (2005), mas como aquele que possui capacidades distintas de aprender.

Termino utilizando as palavras do grande Focaut (1999, p.6): “ existe muita gente, penso eu, um desejo semelhante de não ter de começar, um desejo de se encontrar, logo de entrada, do outro lado do discurso”. Penso que seja pensamento de Focaut nos leva a refletir um pouco mais sobre esse aluno que não consegue aprender, e o professor é esse primeiro visionário.

Referências

BOSSA, Nádia. A psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.

___________. Dificuldades de Aprendizagem: o que são e como tratá-las. Porto Alegre: ARTMED, 2000.

COLLARES, Cecilia Azevedo Lima. O cotidiano escolar patologizado. Espaço de preconceitos e práticas cristalizadas. Tese (livre-docência) – Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 1995.

DUBET, Francois. O que é uma escola justa? A escola das oportunidades. São Paulo: Cortez, 2008.

ENGUITA, Mariano Fernández. A face oculta da escola: educação e trabalho no capitalismo. Porto Alegre: ARTMED, 1989.

FERNANDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artmed, 1990.

FOCAUT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Loyola, 1999.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra. 11ª edição, 1996.

PATTO, Maria Helena Souza. A produção do fracasso escolar: historias de submissão e rebeldia. São Paulo:  Casa do psicólogo, 1999.

PERRENOUD, Philippe. A prática reflexiva no ofício de professor. Profissionalização e Razão pedagógica. Porto Alegre: Artmed, 2002.

SACRISTAN, Gimeno. O aluno como invenção. Porto Alegre: Artmed, 2005.

SANTOMÉ, Jurgo Torres. As culturas negadas e silenciadas no currículo. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org). Alienígenas na sala de aula: Uma introdução aos estudos culturais em educação. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

SCOZ, Beatriz. Psicopedagogia e realidade escolar: o problema escolar e de aprendizagem.10 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.



[1] Graduado em Pedagogia, especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional e Mestre em Ciências da Educação. Vincula-se à Universidad Americana. Email: Este endereço de e-mail está protegido contra SpamBots. Você precisa ter o JavaScript habilitado para vê-lo.

 

 

 

Autor deste artigo: Salatiel da Rocha Gomes - participante desde Ter, 21 de Maio de 2013.

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