Login

Sugestões

Faça o login e visualize as sugestões

Usuários on line

Nós temos 3126 webespectadores online

Revista

Gestão Universitária

Colunas Edgar Gastón Jacobs Flores Filho O INSAES e o controle prévio de fusões e incorporações na área educacional
O INSAES e o controle prévio de fusões e incorporações na área educacional PDF Imprimir E-mail
Avaliação do Usuário: / 3
PiorMelhor 
Escrito por Edgar Gastón Jacobs Flores Filho   
Seg, 17 de Dezembro de 2012 00:00

Edgar Gastón Jacobs e Taís Cruz Habibe

O projeto de lei que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior (INSAES) propõe algumas inovações na regulação do setor educacional. A primeira, por óbvio, é o próprio Instituto, um novo ente que promete tornar mais técnicos e ágeis os processos de criação e controle de Instituições e Cursos de Educação Superior que hoje tramitam no Ministério da Educação (MEC). Dentre as demais mudanças propostas, talvez a mais comentada seja a atuação do órgão no âmbito do controle de fusões e incorporações de Instituições. Esta última tarefa já é executada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em casos excepcionais mas, ao que parece, pode-se tornar rotina no caso de criação do Instituto Regulador da Educação Superior.

Em virtude desta proposta específica, ao menos duas questões importantes merecem ser debatidas: (1) a necessidade de aprovação prévia para atos que modificam a estrutura do “mercado” educacional; e (2) a provável interface entre a atuação do CADE e do INSAES.

 

Quanto à necessidade de aprovação prévia, cabe dizer que a proposta do INSAES  - projeto de lei 4372/2012 - prevê como competência desse ente “aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino”. Essa, a nosso ver, é uma medida que visa defender interesses sociais e o interesse coletivo dos estudantes mediante o controle da estrutura do “mercado” da educação superior.

Usamos o termo mercado entre aspas para destacar que a educação não é vista aqui como uma simples mercadoria, mas que, independentemente disso, a palavra indica que a educação é objeto de contratos de natureza econômica que envolvem prestadores e tomadores de serviços. Mercado, na verdade, é um espaço onde ocorrem trocas envolvendo recursos escassos, como os serviços educacionais. E é, antes de tudo, um espaço do qual se podem esperar resultados positivos para o desenvolvimento de um país. Nesse sentido, a Constituição da República expressamente prevê que “O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal” (art. 214). Portanto, ao nos referirmos a mercado educacional - a partir de agora sem as aspas - tratamos desse espaço de trocas que, se bem estruturado, pode contribuir bastante para nosso o desenvolvimento cultural e socioeconômico, para o bem-estar da população e, especialmente, para a autonomia tecnológica do País.

Feita essa ressalva, cabe dizer que a estrutura do mercado educacional deve ser controlada por alguns motivos comuns aos demais mercados, como o controle do abuso de poder ou da concentração econômica, mas deve ser controlada também para garantir o interesse dos estudantes, a pluralidade de concepções pedagógicas, a coexistência de instituições públicas e privadas e o padrão de qualidade, além de outros valores importantes para o setor.

Em um artigo anterior[1] defendemos a importância desse controle prévio para dar segurança nas relações didático-pedagógicas e até trabalhistas quando uma instituição de ensino é absorvida por outra. Naquele caso, por inexistir controle prévio, o ato de transferência de mantença - transferência da instituição mantida, de uma mantenedora para outra - o Judiciário, em uma decisão de primeira instância, desfez a cessão de direitos que fora realizada há mais de um ano e gerou insegurança para os docentes contratados, para os alunos com curso em andamento e para a nova mantenedora que assumira todos os custos e riscos da anterior. Entendemos que esse exemplo, por si só, demonstra a importância de um ato prévio e vinculante por parte do Poder Público. Por meio desse ato, independentemente da discussão do negócio jurídico que deu origem à transferência, haverá segurança jurídica nas relações educacionais.

Além das aquisições de instituições, existem outros atos restritivos de mercado que podem ser analisados. Um deles é o caso dos descredenciamentos em virtude de novas regras do Conselho Nacional de Educação e do MEC. Esses descredenciamentos, mesmo decorrendo de normas federais, não devem prejudicar os mercados educacionais, favorecendo determinados grupos ou modelos de Instituição. No caso das instituições especialmente credenciadas para pós-graduação lato sensu, por exemplo, o Governo Federal, por meio da Resolução 07/2011, afastou todas as instituições privadas e manteve os atos autorizativos apenas para as instituições públicas. Esse tipo de ato, ainda que favoreça instituições de caráter público, afeta negativamente o mercado, reduzindo a concorrência e negligenciando o princípio constitucional da coexistência de instituições públicas e privadas (art. 206, III).

Portanto, os fatos indicam que é necessária a aprovação prévia para atos que modificam a estrutura do mercado educacional, todavia é importante controlar não apenas os atos praticados pelas mantenedoras como também aqueles decorrentes de atos administrativos do Poder Público.

Não obstante tal constatação, caso seja aprovado o projeto do INSAES e mantida a exigência de aprovação prévia de atos que afetam a estrutura do mercado educacional, há uma importante questão a ser ponderada: as prováveis interfaces entre a atuação do CADE e do INSAES.

A interface na atuação dos dois órgãos ocorrerá porque a fusão e incorporação de Instituições Mantenedoras é um ato de concentração de poder econômico que pode interessar ao CADE, órgão responsável pelo controle da concorrência no Brasil.

O controle da concorrência envolve a atuação do Estado em face do abuso de poder econômico, notadamente, contra ato abusivo que “vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros” (art. 173, § 4º, da Constituição). Esse controle é feito por meio do controle dos atos de concentração, tais como fusão e incorporação de empresas, e por meio da repressão de condutas anticoncorrenciais, como a venda casada, preço predatório ou a imposição de barreiras ilegais nos mercados. A atuação contra condutas anticoncorrenciais é muito abrangente, mas em relação aos atos concentração a intervenção do CADE se dá, atualmente, apenas quando observados dois requisitos cumulativos: (1) pelo menos um dos grupos envolvidos na operação deve ter registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 400.000.000,00, e (2) pelo menos um outro grupo envolvido na operação deve ter registrado, no último balanço, faturamento bruto anual ou volume de negócios total no País, no ano anterior à operação, equivalente ou superior a R$ 30.000.000,00 (art. 88 da Lei n° 12.529/2011).

Até meados de 2012, para que o caso tivesse de ser informado ao Sistema de Defesa da Concorrência, era necessário apenas que uma das instituições participantes da operação tivesse faturamento elevado no ano anterior (art. 54, da Lei 8.884/1994), mas a nova lei usou os requisitos cumulativos mencionados acima para limitar o número de processos no CADE. Em virtude dessa abrangência das normas anteriores, há alguns casos de compra de instituições de ensino analisados pelo CADE[2], mas após essa alteração pouquíssimos casos deverão ser levados ao Conselho. Nesses casos, que provavelmente envolverão grandes operações de união de Instituições de Ensino Superior, poderá ocorrer conflito entre o CADE, como agente responsável pela defesa da concorrência, e o órgão regulador, o INSAES.

Este tipo de zona cinzenta entre regulação e controle da concorrência já foi analisada pelo CADE em alguns julgados[3] e, também, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), com destaque para a discussão acerca do conflito de competência entre as atribuições do CADE e do Banco Central no que tange à fusão e aquisição de Instituições Financeiras. Nesse caso, o STJ manifestou-se no sentido de que a competência para analisar fusões e aquisições no setor financeiro é do Banco Central, ou seja, do órgão regulador. Segundo a Ministra Eliana Calmon, Relatora do Recurso Especial n° 1094218/DF[4], enquanto o atual marco regulatório do setor bancário (Lei 4.595/64) estiver em vigor, a competência para apreciar atos de concentração envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é do Banco Central, notadamente porque essa norma é lei específica que não foi expressamente revogada pela Lei do CADE de 1994. No texto da decisão, lê-se que “os escopos regulatórios são diferentes e, portanto, prevalece a regra especial sobre a geral, impedindo qualquer superposição de competência”. Portanto, caso o projeto de lei do INSAES seja transformado em norma, é razoável entender que se algum ato de concentração de Instituições de Ensino tiver características que o incluam na mencionada zona cinzenta entre regulação e controle da concorrência, a competência para a análise será do novo instituto e as normas aplicáveis serão aquelas definidas por esse órgão regulador.

Esse entendimento, apesar de estar embasado na principal decisão judicial sobre o tema, não deixará de gerar controvérsias. Seria difícil criar e aceitar um espaço isento de controle efetivo da concorrência. E pior ainda seria o fato de que este espaço sem controle corresponderia ao mercado de Educação Superior, de vital importância para o país. Dessa forma, é de se imaginar que, nos mesmos moldes das normas das agências regulatórias modernas, a norma regulamentadora do INSAES ressalve a competência do CADE e defina o espaço para a atuação de ambos os órgãos sem criar arestas ou excessiva burocracia. Na verdade, para evitar incertezas, esta definição poderia até mesmo ser incluída no projeto de lei que tramita no congresso.

Por fim, é oportuno analisar, também, as possíveis diferenças de tratamento de um caso de fusão ou incorporação, no CADE ou no INSAES. Nesse caso, três aspectos são relevantes:

  1. O CADE possui, hoje, uma visão muito limitada de mercado relevante;
  2. Para o INSAES, os princípios do ensino (art. 206 da Constituição) devem ser mais pertinentes que o fenômeno de restrição da concorrência; e
  3. O montante de “efeitos educacionais” negativos pode ser, em alguns casos, inversamente proporcional à eficiência econômica do ato de fusão ou incorporação.

O mercado relevante, segundo o CADE, e? “a unidade de análise para avaliação do poder de mercado”. Esse espaço define a fronteira da concorrência entre as empresas e deve ser delimitado, em termos de produto e abrangência geográfica, sempre que for necessária a análise de fenômenos concorrenciais. No caso das Instituições de Ensino Superior, o CADE chegou a cogitar a existência de mercados por região do país, porém a jurisprudência do Conselho se firmou no sentido de que esta unidade de análise, no caso da Educação Superior, deve ser o Estado no qual se localizam as Instituições (Ato de Concentração nº 08012.011611/2007-31). Essa definição, no nosso entendimento, é bastante limitada, pois desconsidera a existência de vários tipos de serviços que indicam a existência não de um mercado, mas de vários. Cursos de licenciatura, cursos de bacharelado e cursos superiores de tecnologia são diferentes entre si e diferem, também, de cursos de pós-graduação lato sensu e stricto sensu. O público alvo não é homogêneo e a distribuição da oferta por tipo de curso não é equivalente em todas as instituições. Além disso, a respeito da abrangência geográfica, deve ser considerada a existência de cursos na modalidade a distância e presenciais, fator que muda radicalmente a simplificada definição de mercado relevante usada pelo CADE.

Na realidade, cada curso é um serviço diferente com demanda própria e condições de oferta peculiares e isso poderá ser considerado pelo INSAES a despeito da limitada definição do CADE mencionada acima.

O segundo aspecto que diferenciará o controle de fusões e incorporações feito pelo CADE e pelo INSAES é o objetivo. O INSAES, provavelmente, optará por garantir as condições da oferta dos cursos e programas incorporados, bem como poderá avaliar questões relativas à aplicação dos princípios constitucionais da educação, tais como a liberdade de aprender e ensinar, a pluralidade de concepções pedagógicas e a qualidade de ensino. Tudo isso mudará a postura de avaliação do ato de concentração que hoje é baseada, primordialmente, no combate ao abuso de poder econômico. A esse respeito, cabe ainda dizer que os atos no setor de ensino superior avaliados pelo CADE têm sido aprovados sem ressalvas e que a única ressalva eventualmente feita diz respeito às cláusulas de não-concorrência firmadas pelos ex-proprietários das instituições adquiridas. Dessa forma, pode haver uma grande mudança nos resultados das avaliações dos atos de concentração do setor.

O último aspecto que diferenciará a postura dos dois órgãos diz respeito ao foco principal. Enquanto o CADE visa preservar ou incrementar a eficiência econômica do mercado, o INSAES provavelmente terá preocupação com os efeitos da aquisição sobre a comunidade acadêmica. A manutenção da qualidade, a continuidade na implementação dos projetos pedagógicos, a utilização de corpo docente no mínimo equivalente ao da instituição adquirida e até mesmo a obrigação de manter as metas de um Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) que serviu de base para o credenciamento da Instituição podem gerar custos que tornam a fusão ou aquisição pouco eficiente de um ponto de vista estritamente baseado na eficiência econômica. Talvez por isso, na área educacional, “aumentar a produtividade ou a competitividade” nem sempre será um critério compatível para avaliar positivamente um ato de concentração, todavia esse poderá ser um dos critérios-chave na avaliação das grandes operações pelo CADE.

Enfim, pode-se dizer que a análise de fusões, incorporações e todos os demais atos que alteram as estruturas dos mercados educacionais pelo INSAES, caso feita de forma ágil e técnica, será um avanço para o setor. Essa análise rápida e clara do ato pode criar um ambiente seguro para a atividade empresarial e para os usuários dos serviços de ensino superior, conforme mencionamos inicialmente. Entretanto, questões relevantes sobre a relação entre a análise de operações sob o ponto de vista do regulador e a análise desse mesmo ato pelo CADE ainda têm de ser resolvidas.

 

 


[1] Transferência de Mantença das Instituições de Ensino Superior - Poder Judiciário declara nulidade de “venda” de Instituição de Ensino Superior, diponível em: http://gestaouniversitaria.com.br

[2] Vide, a título exemplificativo, os Atos de Concentração n°: 08012.008120/2010-16, 08012.008546/2010-61 e 08012.008120/2010-16.

[3] Ver Atos Concentração n°: 08012.006762/2000-09,  08012.000810/2009-85 e 08012.009397/2009-14

[4] Atualmente, os autos estão conclusos com o Ministro Relator, Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal, aguardando o julgamento dos Recursos Extraordinários interpostos pelas partes (RE 664189).

 
Please register or login to add your comments to this article.

Copyright © 2013 REDEMEBOX - Todos os direitos reservados

eXTReMe Tracker