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A Dramática do Uso de Si na Atividade do Trabalho PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Fábio Ribeiro Baião   
Ter, 14 de Agosto de 2012 12:25

Centro Universitário UNA

A Dramática do Uso de Si na Atividade do Trabalho

Dissertação da Disciplina: A ATIVIDADE HUMANA E SUAS DIMENSÕES POLÍTICA, SOCIAL, CULTURAL E SUBJETIVA

Profa. Dra Eloísa Helena Santos

Mestrando em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local -  Fábio Ribeiro Baião

Belo Horizonte, outubro de 2011

A Dramática do Uso de Si na Atividade do Trabalho

Não se pode pensar na evolução do homem sem associar a idéia que em todos os tempos houve um trabalho. Quer queira ou não, inconsciente ou consciente, ele foi se moldando em atividades diversas e se especializando. Cada homem foi colocando a sua impressão digital na maneira de resolver os problemas que se apresentavam. Desde a divisão das tarefas nos agrupamentos coletivos, onde certas atividades eram delegadas a uns e outros de acordo com suas habilidades, natas ou adquiridas, tal como força física e aprendizado com a experiência, a atividade do trabalho foi ganhando novas roupagens até chegarmos ao mundo de hoje. Com o desenvolvimento das sociedades organizadas e o crescimento da população muitas novas atividades se fizeram criar, oferecendo oportunidade para que o sujeito ocupe seu tempo e disponha de sua força de trabalho de forma particular.

 

Da exploração rapace ao escambo, avançou para a forma de contra-partida pecuniária para aquele que vende sua força de trabalho para realizar a atividade contratada, isto é prescrita, emprestando a ela o seu real significado. Aqueles que trabalham se avizinharam da atividade que desempenham através da linguagem, procurando entender o que aquela função realiza, a que objetivo serve, ou iniciaram o aprendizado da tarefa frequentemente estando ao lado daquele que a executa. Aquele que já sabe empresta ao olhar alheio a sua dramática no desempenhar da atividade. Permite, concede, explica, aconselha, exemplifica para o aprendiz. O aprendiz por sua vez ao experimentar a nova atividade formula suas próprias impressões, e depois de algum tempo que tenta imitar desempenha à sua maneira, personificando a “sua” atividade, com os seus próprios recursos para chegar ao resultado final apontado como objetivo, passando igualmente pela atividade prescrita. Isto é, vive de fato o “debate de normas”.

A apropriação do conhecimento e sua utilização torna o saber vivo, pulsante, colocado à prova no momento da atividade. Mas compreender o trabalho humano do ponto de vista de sua atividade é se colocar na zona de confluência de várias ciências, dentre as quais a filosofia, psicologia, sociologia, lingüística, antropologia, ergonomia, e o estudo da relação da interface homem-máquina. O “uso de si”, termo cunhado pela escola ergológica em 1987, se manisfesta em quaiquer atividades de trabalho redescobrindo o lado humano do trabalhador. A ergologia fez reencarnar o mundo laboral, trazendo para ele de volta a dimensão do psicológico, do social e cultural, sua significância e motivação, aspectos não considerados pelo racionalismo científico. Restabeleceu dimensões subtraídas que o personificam e humanizam, fazendo lembrar o sentido da atividade, seus objetivos primordiais, seus valores e suas crenças nas ações que podem ser realizadas pelo sujeito.

O trabalho por mais mecânico que seja não é uma pura execução. Ele contém a atividade expressa pelo sujeito, com algum grau de transgressão à atividade prescrita, e onde ocorre a renormatização, a releitura do dever a ser cumprido. O “uso de si” promove a execução da atividade para si mesmo e frequentemente pelo outro. Toda atividade tem seus antecedentes, suas normas, e daí a sua execução tem de ter entendida tal qual o que se espera como resultado de objeto fim. A distância entre o prescrito e o real é fato. Neste interstício o homem faz história. Neste hiato se inscrevem as renormalizações. Assim a ergologia nos convida a compreender as conseqüências situadas neste intervalo, tendo como referência o sujeito, o saber acumulado pelo trabalhador e o saber instituído. Em determinadas situações isso provoca tensão. Isto se torna patente nas relações em que o resultado do trabalho é uma prestação de serviço imaterial, mas será colhido concretamente pelo que usufrui do serviço, tal como ocorre na prestação do serviço de saúde. Há uma porosidade nos atos prescritos que permitem dezenas de micro-decisões que fazem toda diferença.

As organizações por sua vez desejam normatizar tudo, ignorando a dramática do uso de si, como se ela não existisse. Assumindo inteiramente os valores de mercado, com uma idéia de hierarquia, de imposição de normas para tentar realizar um maior número de atividades/hora, esquecendo-se que para as atividades de ofertas de serviços aspectos culturais, políticos, psicológicos, não obedecem a um maquinismo de produção. Nestas circunstâncias passa-se de uma lógica produtivista para outra de avaliação social. Há ainda também o fator do usuário dos serviços que deve ser levado em conta. Eles são co-atores do resultado final imediato da atividade. É claro que existe um conjunto de normas técnicas e científicas para a realização da atividade, mas a sua realização com qualidade vai depender do “uso de si” e do “corpo de si” de quem a realiza. O trabalhador, mesmo numa atividade intelectual lá está de corpo inteiro, isto é, carne, inteligência e espírito, pois o seu cérebro não funciona sozinho.

Alguns trabalhadores querem ser, mesmo, apenas alguns recursos humanos de uma empresa, estando lá para realizarem sua atividade com pouco uso de si, isto é, sem se engajar, sem calor humano, sem empatia, desconsiderando a singularidade de cada atividade em cada interação, em cada momento de vida. Esta ausência de corpo presente não é sadia e pode criar um adoecimento. Para o trabalhador muitas vezes não é uma escolha estar ali. A construção das oportunidades sociais para uma posição de trabalho é um produto que escapa do controle de um indivíduo. A outra face da moeda é que não se pode prescindir totalmente dos controles, da produtividade sem se colocar nada no lugar. É necessário que se veja o usuário como o cliente e este convoca níveis diferentes de engajamento industrioso do trabalhador. Neste momento o “uso de si” tem um papel crucial para estabelecer um horizonte de bom uso do tempo e atividade realizada, inclusive valorizando ou diminuindo a construção do valor econômico daquela atividade na dependência da qualidade e eficácia oferecida.

Assim, o “uso de si”, a princípio valor não especificamente determinado num primeiro instante torna-se fundamental para caracterizar o valor econômico de um serviço. As palavras, os gestos, o olhar, as pausas de silêncio, o sorriso, a mão para apoiar, o abraço amigo, enfim o “corpo si” realiza indubitavelmente um impacto enorme na execução de certas atividades, que não pertencem estritamente às atividades prescritas. Porém, sem a presença de tais atributos aquela atividade não existiria caracteristicamente como tal. Essa atuação do “corpo si” funde valores e saberes e nos remete indubitavelmente ao conceito de competências, capaz de lidar não apenas com o padronizado, mas com suas múltiplas nuances e variabilidades. Sabe também identificar com precisão a singularidade única do momento, escolhendo a conduta ideal.

Com toda certeza a gestão deve possuir a visão globalizante dos talentos que administra. Não pode jamais ser neutra, sem se posicionar francamente a favor do modelo de atividade que interessa. Caso contrário não há então gestão. A afirmação da importância desta energia criadora que constrói micro-comportamentos de eficácia são a mola mestra para incrementar este patrimônio humano, que traz grande repercussão positiva social e econômica.

Quanto aos dirigentes e gestores, estes devem saber se antecipar diante destas situações de má adaptação à função de quem a executa e ter a sensibilidade de oferecer oportunidades em outros postos de trabalho, caso estes existam, e fazer trocas saudáveis de atividades. Tendo em conta que estamos em um mundo de transformações contínuas pela atividade, aceitar as ponderações do sujeito diante de uma situação determinada, dialogando com os saberes da experiência e os saberes acadêmicos é dar oportunidade para uma relação dinâmica saudável no trabalho. De certa forma os agentes não constroem atos guiados apenas pelas normas operatórias da empresa como que determinados a cumprir apenas uma idéia principal, o lucro, ou o produto, mas os resultados exprimem os efeitos de engajamentos e atividades complexas. Se desejarmos reproduzir alhures aqueles mesmíssimos resultados de uma equipe exitosa, tal como um fac-símile, esbarraremos em dificuldades quase intransponíveis, pois a dualidade dos conceitos faz com que outros, em outra localização, em outra cidade, tenham interpretações levemente diferentes, ou muito diferentes dadas as relações de dinâmicas muito variáveis presentes nas inter-relações. Pois os ingredientes deste sucesso são as competências incorporadas, facilmente acessíveis, mas dificilmente verbalizadas, pouco custosas em termos de carga mental, mas intrinsecamente indissociáveis do sujeito e ligadas ao seu contexto.

Para uma empresa, porém, que mede seu sucesso apenas condicionado no resultado final do lucro, o objetivo de manter um ambiente favorável e sem tensão na sua produção pode ser atropelado. O consenso pode ser apenas parcial no que tange trabalhador e empresa, pois em muitas circunstâncias a convergência dos interesses não ocorre ou até mesmo são antagônicas. O trabalhador pode resistir ao uso de si pelo outro, quando explorado em sua capacidade máxima, consciente da distribuição completamente desigual do lucro ou benefícios. E todas as espécies de conflitos, de dialéticas e de lutas expressas ou ocultas, nas mais diversas formas, podem, portanto desestruturar a lógica das atividades. Não se pode também subestimar a pressão da globalização, das comparações com outras empresas ou equipes que executam o mesmo trabalho com resultados melhores. Em algumas circunstâncias vê-se a desintegração de toda uma estrutura ou conjunto de talentos, no ápice de sua performance, subjugados pelo offshoring ou mudanças nos paradigmas tecnológicos ou sociais.

Hoje a concorrência vem em muitas formas e a eficácia é medida em várias dimensões, ordenada em valores pouco humanísticos, planetários, ou até mesmo atrelada em metas inalcançáveis de trabalho, que se uma vez conseguida, será distanciada cada vez mais, como uma cenoura pendurada na frente do nariz. A tensão pode ser maior nas primeiras horas do dia quando se tem uma cota mínima para o dia – a mordida do leão – abaixo da qual haverá repreensão clara ou velada, resvalando até para o assédio moral. Os diferentes protagonistas sempre desejam um acordo, mesmo que vago, para se manterem naquele status quo que garanta a empregabilidade, para fazer jus aos valores da empresa. Para a empresa é importante a permissão de concessões como moeda de troca para fidelidade e comprometimento. A adaptação às transformações cotidianas, mutações, demandas por qualificação crescente, os agravos à saúde, e autogestão para fomentar a completa interação dos atores têm perspectivas desafiadoras a cada instante hic et nunc.

O mundo do trabalho se viu diante de muitas mudanças a partir da década de 80, dentre elas a abertura dos mercados, aumento da competitividade internacional, e das oscilações econômicas provocadas pela globalização.

Estas mudanças refletiram nas competências, na cultura do mundo do trabalho, na obsolescência e até mesmo no adoecimento. No mundo do trabalho há uma relação complexa e intrincada, objeto de estudo da Ergologia, termo usado a partir de 1995, tendo como referencial Yves Schwartz, filósofo francês. O saber do trabalhador foi então valorizado vis-a-vis com o saber acadêmico. O estudioso pode colher o testemunho e a sabedoria do trabalhador, enriquecer o seu próprio saber, e interpretar os novos conhecimentos oferecidos à luz de métodos e instrumentos de análise.

Estar imerso numa atividade laboral faz o sujeito se sentir parte da engrenagem local, que está intrinsecamente ligada a uma rede de aspectos, do micro ao macro. O trabalho convoca a estar conexo com o mundo à volta, exercendo influências num sem fim inefável de relações que se perdem de vista, pois não podemos fazer idéias do imbricamento da miríade de influências diretas ou indiretas. Tanto do micro para o macro quanto do macro para o micro porque no estado de Direito há responsabilidades, normas, leis, que regem aquele trabalho e dizem respeito àquele cidadão.

Parafraseando SCHWARTZ (2006), a ergologia não tem nenhuma solução com receita pronta a oferecer. Pretende dar um novo olhar sobre todas essas questões e dar visibilidade às dramáticas do uso de si, o que exige reinvenção, recriação na maneira de realizar uma atividade com expressão própria. Muda-se o olhar sobre si mesmo, muda-se o olhar sobre o outro, levando a um entrelaçamento no ambiente de trabalho, uma solidarização. Está longe de dar uma solução política ou econômica, mas consegue afirmar que para as comunidades humanas que trabalham, prescindir deste olhar é estar fadada às crises, à resistência e ao adoecimento.

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

SCHWARTZ, Yves. Painel “Trabalho, saúde pública e globalização. A propósito das relações entre saúde pública e a esfera do trabalho. XI Congresso Mundial de Saùde Pùblica, Rio de Janeiro, Agosto de 2006. Disponível em: <www.abrasco.org.br/UserFiles/File/.../YS%20Trabalho.ppt> acesso em 23 de out de 2011.

 

SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. Glossário de Ergologia. Laboreal. Vol IV, nº 1, p. 23-8, 2008.

 

SCHWARTZ, Y; DURRIVE, L. (no prelo) “A linguagem no trabalho”. Trad. Cecília Souza-e-Silva e Décio Rocha. Travail et ergologie: entretiens sur l’activité humains. Schwartz, Y. & Durrive, L. (org). Toulouse, Octarès. Disponível em: <sites.univ-provence.fr/ergolog/html/.../schwartz_Trabalho.pdf> acesso em 23 de out de 2011.

 

SCHWARTZ, Y. Entrevista. Trabalho, Educação e Saúde, v. 4 n. 2, p. 457-466, 2006. Disponível em: < www.revista.epsjv.fiocruz.br/upload/revistas/r152.pdf> acesso em 23 de out de 2011.

 

SCHWARTZ, Y. Circulações, Dramáticas, Eficácias da Atividade Industriosa. Trabalho, Educação e Saúde, 2(1): 33-55, 2004. Disponível em: <www.esnips.com/_t_/ergologia?m=0&q=ergologia> acesso em 23 de out de 2011.

Cunha, D. M. Notas Conceituais sobre Atividade e Corpo-si na abordagem ergológica do trabalho. GT: Trabalho e Educação, nº 9. Disponível em: <www.anped.org.br/reunioes/30ra/trabalhos/GT09-3586--Int.pdf> acesso em 23 de out de 2011.

 

Autor deste artigo: Fábio Ribeiro Baião - participante desde Sáb, 11 de Agosto de 2012.

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