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Educação no Campo: Uma fronteira a ser conquistada. PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Edilma Cotrim da Silva   
Qui, 16 de Fevereiro de 2012 00:00

A história da educação no Brasil já nos mostrou o quanto o homem do campo foi negligenciado nas políticas educacionais brasileiras. Como mostra FREITAG (1980. p. 28), só a partir de 1930 ocorreram programas de educação voltados para as populações do campo. Anteriores a 1930 poucas medidas foram adotadas.

Até meados do séc XIX não havia o que se pode considerar educação voltada para populações rurais, no Brasil, para pontuar os consecutivos projetos para uma escola rural socialmente produtiva. Como ponto de partida, podemos indicar, na Região Nordeste, o registro remanescente do surgimento do ensino técnico agrícola na Bahia, durante o reinado de D. João VI*, embrião da primeira Escola de Agronomia do país.

 

II. 1.2 A EDUCAÇÃO RURAL DURANTE A REPÚBLICA

 

Registra-se que, desde os anos vinte, efervescia na sociedade brasileira uma inquietação com a qualidade da educação disponível, fosse nas cidades ou no campo, porém só após a década de 30 há uma evidente preocupação para com o descaso oficial pela educação, que é vista por um grupo de intelectuais como meio de integração cívica do país e impressa no Manifesto dos Pioneiros[1].

O "Manifesto dos Pioneiros da Educação" propunha, no seu ideário, uma escola rural voltada para os anseios das regiões às quais deveria assistir; um modelo escolar que afirmasse uma identidade nacional integradora e vocacionada para a agricultura e que fomentasse a formação de uma consciência cívica e economicamente participativa do campesino, favorecendo a fixação dele no seu ambiente nativo.

 

O “ruralismo pedagógico” proposto, que iria se efetivar no governo de Getúlio Vargas, via Ministério da Agricultura, fez surgir colônias agrícolas e núcleos coloniais implementados para atuarem como estruturas de promoção do cooperativismo e do crédito agrícola (SALES. 1945).

 

A proposta foi trabalhar os núcleos através de projetos educativos e de crédito cooperativo que integrassem econômica e socialmente as comunidades rurais aos centros de consumo mediante a planificação técnica da produção; o que significaria a estabilização dos preços, conforme a demanda produtiva fosse coadunada, em volume e qualidade, às necessidades dos mercados.

 

Sobre esse momento da economia agrária brasileira, interessa-nos, de perto, perceber que os Pioneiros da Educação compreendiam ser a penúria da logística escolar rural de que dispunha o país, o maior obstáculo às mudanças requeridas na base da produção agrícola, sem as quais não haveria a integração econômica e a fixação do homem ao campo.

 

Devemos destacar que o entusiasmo na defesa de reformas na educação rural, particularmente pelos pioneiros, significou uma tomada de consciência sobre a premente necessidade da renovação de uma escola concebida apenas para alfabetizar, para uma escola integrada e capaz de integrar sua comunidade pela mútua identificação das características e pelo respeito às peculiaridades locais.

 

Na década de 40 perduraram as idéias dos pioneiros, reforçadas pela degradação da vida nos centros urbanos, ainda mais inchados pelas levas de retirantes rurais que acorrem às cidades fugindo das secas e da falta de melhores perspectivas de subsistência. Eles reforçam o já imenso contingente de desempregados ou subempregados que não conseguem colocação na indústria ou nos serviços, quer seja pela insuficiência de vagas de trabalho, quer seja pelo despreparo profissional para as vagas disponíveis.

 

O cenário ameaçador robustece, no senso dos grupos dominantes, a crença, no ideário do “ruralismo pedagógico”, como resposta possível à questão do inchaço urbano. Nesse sentido, a via educativa preceituada pelos pioneiros seria a solução para, incluindo o campesino no “sentido rural da civilização brasileira”, fixá-lo à terra e reverter o fato social  urbano, momento em que pareceu conveniente ajustar os programas e currículos para a “realidade” das escolas rurais.

 

Entretanto, o empenho do Ministério da Agricultura do governo Vargas, em iniciativas para incentivar o cooperativismo e qualificar profissionalmente o homem do campo, dentro dos cenários estruturados em colônias agrícolas e núcleos coloniais, teria menor relevância do que seu próprio registro, não fosse a realização do Oitavo Congresso Brasileiro de Educação (1942).

 

Esse evento foi promovido pela Associação Brasileira de Educação, com o suporte do governo federal e do governo de Goiás, e  registrou o senso geral de desapontamento com os resultados práticos da escola no campo, sob o modelo de educação rural então vigente, o que fora, dez anos antes, expresso no Manifesto dos Pioneiros.

 

Constam, no desenvolvimento desse congresso, exposições, estudos e debates, as principais idéias do “ruralismo pedagógico”, que propunham a substituição de uma escola que funcionava de forma desintegradora e por conseqüência promovia o êxodo das populações rurais, por uma escola que viabilizasse a adequação do homem ao meio rural e cujo principal objetivo fosse agir sobre a criança, o jovem, o adulto.

 

É nítido que a Escola rural, no molde de sua existência, fracassou, fato registrado pelas estatísticas que mostram o grande contingente de analfabetos que permeiam as zonas rurais brasileiras. Comprovadamente não houve um programa ou uma iniciativa que produzissem resultados significativos para a educação rural brasileira.

Nas décadas de 40 e 50, o Ministério da Agricultura, agora auxiliado pelo da Educação e Saúde, responsabilizou-se por vários projetos educacionais que almejaram atingir a maioria das bases populares brasileiras, integrando-as no projeto desenvolvimentista elaborado para o país sob uma conjuntura externa marcada pela II Guerra Mundial.

 

Essa período foi marcado pela presença norte-americana que se fez notar extensivamente aqui, desde o apoio logístico, com tropas, demanda por matérias-primas (borracha), franquia de bases militares, apoio da inteligência militar, até na cooperação na área educacional, quando é criado o Serviço de Saúde Pública (1942) num acordo firmado entre o Ministério da Educação e Saúde e o Instituto de Assuntos Interamericanos (AIA)[2], em regime de co-participação entre  o Brasil e os Estados Unidos da América.

 

Suas atividades eram inteiramente desenvolvidas em zona rural e, com a criação da Divisão de Educação Sanitária, o Serviço Especial de Saúde Pública (SESP) passou a orientar a tarefa educativa.

 

Centros de treinamento, semanas ruralistas e clubes agrícolas constituíram-se nos programas mais expressivos da CBAR (1945), projeto bilateral que visou cristalizar uma relação proativa entre o  Brasil e os E.U.A., na transferência de tecnologia educacional feita, contudo, em mão única para o atendimento das necessidades escolares da nossa população campesina.

 

Diante de toda tentativa dessas operações impostas e idealizadas nos gabinetes, logo após o primeiro momento o universo rural retomava suas práticas originárias, revalidando sua inércia social.

 

Em 1947, o governo promove sua “Campanha de Educação de Adultos”, que visou à preparação de um cenário nacional mais receptivo às propostas educativas que a União pretendeu mais profundas, ocasião em que se instalaram as “Missões Rurais de Educação de Adultos”, cuja existência  quis  forçar um avanço qualitativo no estágio das  condições de vida de pequenas comunidades rurais que compunham àquele cenário, através de uma ação educativa integral; isso só foi operacionalizado em 1950, em Itaperuna, município fluminense.

 

Percebe-se, no plano teórico-prático, que a parceria com os americanos do norte passa a refletir, sem sutilezas ideológicas, que o esforço de educar as populações rurais deveria atender mais do que a qualificação técnica humana para a produção agrícola.

 

O enorme esforço de alinhamento deveria expandir-se no sentido de atender às necessidades industriais e urbanas mediante a integração das comunidades periféricas - aldeias rurais - ora percebidas como motores de provimento das imediatas necessidades requeridas pelos processos de produção: mão-de-obra, comida e, principalmente, mercado de consumo.

 

Ao final da década de 60, com o agravamento das diferenças regionais entre o Nordeste e o Centro-Sul, começa a se pensar nas peculiaridades locais. Nasce, então, a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) que inicialmente não se preocupa com projetos educacionais. No segundo momento, destinam-se 6% do investimento ao desenvolvimento de recursos humanos mediante treinamento vocacional agrícola e industrial, preparo de pessoal para os estados e os municípios e programas universitários e pré-universitários.

 

A efetivação desses projetos não atingiu, como pretendido, o cotidiano escolar, pois o que presenciamos foi o nascimento de uma educação rural tardia, cujas finalidades específicas não encontraram legitimação junto aos saberes das comunidades onde foi tentada, ou seja, o que foi planejado estava impregnado de pressupostos e propostas teóricas não alinhadas com a realidade camponesa e, desse modo, era inaplicável operacionalmente. Ademais, entre os docentes, a inexistência de uma identidade com aquelas mudanças “propostas” provocou-lhes uma maior deficiência na assimilação dos conteúdos “sugeridos”.

 

 

“É paradoxal confrontar o nível dos assuntos propostos, a multiplicidade de temas, a forma complicada de apresentação dos assuntos, sobretudo se se considerar que os participantes eram professores ‘leigos’ que lotavam as secretarias de educação dos estados, em média 50% nos diferentes estados, podendo em alguns atingir até 90%. Mais paradoxal ainda é a desvinculação de uma atividade, como era esta, da realidade, o que se pode constatar por indicação como a que se segue: ‘A maior parte do material não está traduzida em português; grande parte está em inglês, mas existe alguma coisa em francês e espanhol. O fato de a maior parte estar em inglês, embora apresente uma dificuldade a vencer, não deve constituir obstáculo intransponível para aqueles que não sabem inglês. Cada grupo disporá de um professor de inglês que auxiliará os alunos, preparando resumos, em português, do material essencial.” (GATTI et al, p. 20-21).

 

 

O  período de 1945 a 1964, em decorrência dos governos eleitos pelo povo  é marcado pela esperança de um progresso acelerado.  Esse período é também fértil em significativas contribuições culturais.

 

No início da década de 60, a discussão sobre a educação popular toma corpo com diversos movimentos importantes ganhando destaque o ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), que propunha a tarefa de repensar a cultura brasileira autônoma, não alienada, procurava despertar as massas para a reflexão crítica a respeito da exploração em que viviam. Essa reflexão acarretou acentuado interesse pela educação popular, manifestado na obra de Paulo Freire e nos movimentos de Educação de Base.

 

Paulo Freire, ainda hoje considerado um dos grandes pedagogos da atualidade, contribuiu não só de forma expressa nas teorias dos livros publicados como em experiências educacionais efetuadas, a exemplo da realizada em Angicos, Rio Grande do Norte, onde 300 trabalhadores do campo foram alfabetizados em 45 dias.

 

Podemos citar ainda como movimentos de educação popular nessa década de 60, os seguintes:

 

  • Centros Populares de Cultura (CPC, iniciativa da UNE: União Nacional dos Estudantes) em 1961;
  • Movimento de Cultura Popular (MCP) – Iniciado em 1960 em Pernambuco. Paulo Freire pertenceu a esse grupo;
  • Movimentos de Educação de Base (MEB) – Criado em 1961 pela CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

 

A forma de atuação desses grupos varia, porém eles têm como objetivos comuns a alfabetização da população rural e urbana marginalizada e animação cultural nas comunidades visando a uma melhor participação política.

 

O golpe militar de 1964[3] desativa esses movimentos de conscientização popular, considerados subversivos, e apena seus líderes. Os únicos que permanecem são os MEB (Movimentos de Educação de Base), apesar de diminuir suas atividades e mudar de orientação.

 

Durante vinte anos os brasileiros viveram o medo gerado pelo governo do arbítrio e pela ausência do estado de direito. Os reflexos dessa política foram desastrosos na cultura e na educação.

 

A tendência que se destaca na educação é a tecnicista com o objetivo de aplicar na escola o modelo empresarial. Procura-se adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica. A relação entre escola e comunidade reduz-se a captar mão-de-obra para o mercado e à intenção de adaptar ao ensino o modelo da estrutura organizacional das empresas burocratizadas e hierarquizadas.

 

O que se presencia nesse cenário é a ausência definitiva das especificidades que compõem um país plural como o Brasil.

 

 


* D. João VI de Portugal (1769-1826), Rei de Portugal (1816-1826). Quando as tropas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal, em 1807, Dom João VI foi obrigado a fugir para o Brasil, onde instalou a corte e viveu durante 13 anos.

[1] Grupo de 23 intelectuais brasileiros composto, entre outros, pelo educador Anísio Teixeira, que lançou, em 1932, um manifesto por reformas no sistema educacional brasileiro, cujo teor ficou conhecido como “Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova.”

[2] American International Association for Economic and Social Development – patrocinou em 1948 a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural (Acar) em Minas Gerais.

[3] Os militares depõem o presidente eleito João Goulart e passam a governar o país de forma ditatorial.

 

Autor deste artigo: Edilma Cotrim da Silva - participante desde Ter, 21 de Setembro de 2010.

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