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Edições Anteriores 282 Discurso de crise e de qualidade da educação na reforma educacional
Discurso de crise e de qualidade da educação na reforma educacional PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Neide Pena Cária   
Qua, 20 de Julho de 2011 14:00

Desde a década de 1990, no Brasil, que à semelhança de países como a Inglaterra, Portugal, Chile, Colômbia, e outros países da Europa estamos assistindo transformações processadas nas estruturas políticas, sociais e econômicas que vêm reestruturando as bases administrativas, fiscais e institucionais e provocando alterações significativas nas estruturas do Estado, da sociedade e, diretamente, das pessoas nas suas condições de vida e de trabalho.

No campo educacional, observa-se uma tendência à privatização crescente e cada vez mais diversificada dos serviços públicos, num processo complexo e ambíguo, que nos faz interrogar se o que estamos assistindo é a publicização do privado ou privatização do público, algo parecido ao que alguns autores têm chamado de “quase mercado” educativo.



Com o agravamento da crise pela queda de arrecadação de impostos, e em vista da escassez de recursos públicos para alavancar o desenvolvimento da economia e investir em obras e serviços de infra-estrutura, o Estado vem apelando para ajustes financeiros, culminando na redefinição da intervenção estatal, assim como redefinindo o papel dos entes federados na oferta de serviços e bens sociais. Na iniciativa privada, buscou através das chamadas parcerias público-privadas – PPPs - uma forma de aumentar a quantidade e a qualidade de serviços prestados, em setores que até então eram exclusivos da Administração Pública, sem ter que arcar com os altos gastos dos investimentos.

Diante desse cenário, no Brasil, delineou-se o que se chamou de “Reforma do Estado” para atender aos desafios do desenvolvimento e ao novo papel do governo neste contexto. A Reforma Gerencial de 1995 foi iniciada pelo Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE), que existiu entre 1995 e 1998. O objetivo da Reforma é contribuir para a formação no Brasil de um aparelho de Estado forte e eficiente (BRESSER-PEREIRA, 1997).

Um dos princípios fundamentais da Reforma é o de que o Estado, embora conservando e, se possível ampliando sua ação na área social, só deve executar diretamente as tarefas que são exclusivas de Estado, que envolvem o emprego do poder de Estado, ou que apliquem os recursos do Estado. Entre as tarefas exclusivas de Estado devem-se distinguir as tarefas centralizadas de formulação e controle das políticas públicas e da lei, a serem executadas por secretarias ou departamentos do Estado, das tarefas de execução, que devem ser descentralizadas para agências executivas e agências reguladoras autônomas. Todos os demais serviços que a sociedade decide prover com os recursos dos impostos não devem ser realizados no âmbito da organização do Estado, por servidores públicos, mas devem ser contratados com terceiros. (http://www.bresserpereira.org.br/rgp.asp)

No conjunto, as estratégias apontadas pelo Plano são: a privatização, a publicização e a terceirização. Terceirização, conforme Bresser Pereira (1997) é o processo de transferência para o setor privado dos serviços auxiliares ou de apoio. A publicização consiste “na transferência para o setor público não-estatal dos serviços sociais e científicos que hoje o Estado presta” (BRESSER PEREIRA, 1997, p. 7). E a privatização consiste no repasse para o setor privado das atividades lucrativas. O Plano propõe ainda a gestão gerencial, visando ao atendimento do cidadão cliente.

Desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, a tese da descentralização da educação se torna efetivamente lei – artigo 211 -, através da qual se propugna a organização dos sistemas de ensino entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios pela via do chamado Regime de Colaboração, mais tarde reformulado pela emenda Constitucional (EC) nº 14, de 1996, que viabilizou, no ano seguinte, a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF)

Após a promulgação da EC nº 14, de 12/09/1996, da Lei nº 9.424, de 24/12/1996 e da LDB (Lei nº 9.394, de 20/12/1996), e mais adiante com a criação do FUNDEF/FUNDEB, houve uma evidente ampliação da municipalização do ensino fundamental em todo o país, que, motivados pela aparente necessidade de reaver recursos retidos no Fundo, muitos Municípios vem assumindo a gestão parcial ou total do ensino fundamental a fim de fazer retornar aos seus cofres públicos as receitas tributárias retidas.

No plano das políticas públicas, estas têm se caracterizado no Brasil por uma racionalidade técnica, instaurada por meio do paradigma político que pode ser identificado com o neopragmatismo (MAUÉS, 2003). Segundo o autor, a lógica dessas políticas tem sido a institucionalização das determinações de organismos internacionais que vêem na educação instrumento de adequação social às novas configurações do desenvolvimento do capital. Há um discurso de crise e outro de globalização sobre o quais são justificados os cortes de gastos, as parcerias público-privadas e todas as mudanças, pela necessidade de responder aos apelos da sociedade civil e às pressões de organismos internacionais.

No contexto escolar, no lócus onde a educação acontece praticamente quase nenhum docente consegue entender as mudanças. Explicar muito menos. È do conhecimento dos profissionais de ensino que houve uma Conferência Mundial de Educação Para Todos, realizada em 1990 na Tailândia, e da qual originou um relatório que traz em seu bojo os quatro pilares da educação.

Pelo menos discursivamente, os pilares da educação fazem parte da linguagem dos professores; colocá-los como meta é outra coisa, e em prática... Nem pensar. O Banco Mundial passou nas últimas décadas a ocupar uma cadeira dentro da escola. Está presente nos textos e nos discursos, contudo, numa outra ponta, escola pública é acusada cada vez mais de não atender às demandas do mercado capitalista, sendo ainda criticada e responsabilizada pelo fracasso escolar, pela má qualidade da educação e pelos baixos índices na escala mundial.

Tomada como fator de desenvolvimento econômico, a educação faz parte hoje mais dos discursos dos economistas do que de pedagogos, após as orientações da Conferência de Jontiem que provocaram discussões e implementação de ações e projetos com mudanças em nível mundial. A minha intenção nesse artigo é chamar a atenção para um discurso de “crise” e “qualidade” que se arrasta ao longo da trajetória da educação no Brasil. Talvez mais do que em outros tempos, nunca a educação pública tenha sido objeto discursivo de modo tão intenso, nos mais diversos segmentos da sociedade, tanto pela sua necessidade (hoje para o mercado de trabalho), quanto pela sua falta ou falta de qualidade.

Da educação iluminista à educação globalizada, será que agora vamos ter uma educação melhor, ou, de qualidade? Parece que “crise” e “qualidade”, quando se trata de educação são discursos sempre atuais: a crise está sempre presente e a qualidade é sempre um vir a ser. De acordo com Enguita (2002, p. 95) “se existe hoje uma palavra em moda no mundo da educação, essa palavra é, sem dúvida, ‘qualidade’”. Para o autor, a questão da qualidade esteve sempre presente no mundo da educação e do ensino, mas nunca havia alcançado antes esse grau de centralidade. Porém, hoje, em paralelo ao discurso de crise da educação pública, há outro discurso ideológico que tem efeitos mais agravantes e talvez mais perniciosos no campo de políticas públicas. Trata-se do consenso que vem se formando na sociedade de que a escola particular é sinônima de qualidade e a escola pública de fracasso, violência, má gestão, enfim, sem qualidade.

No jogo político ideológico, que se encontra estabelecido entre público e privado, a questão da qualidade, por sua polissemia, no campo educacional passou a ser avaliada sob critérios de eficiência e eficácia, ao modelo gerencial adotado no Estado. Observa-se um esvaziamento da imagem do professor, por não ter este mais a imagem de si mesmo como fonte de conhecimento frente a um mundo tecnológico e virtual, no qual os jovens e crianças transitam com tanta familiaridade. E o conhecimento que o professor acredita tão necessário para formar o cidadão não desperta interesse do aluno. Nesse cenário, instala-se outro discurso carregado de sentido pejorativo e ideológico, atribuindo aos professores (da escola pública), via mídia, a responsabilidade pelo fracasso da escola, pela sua falta qualidade que vai se solidificando e ganhando caráter de verdade.

Cabe refletir como os alunos e pais, que dependem da educação pública, são afetados por este discurso de incompetência do professor e da escola, pois, o que eles buscam nessa instituição ao levar os seus filhos dia após dia à escola? O que instiga mais reflexão e questionamentos se refere às expectativas dos pais que, no início, de ano após ano, enfrentam cheios de esperança, até filas para conseguir uma matrícula na escola. A questão é o como se dá o encontro dessas aspirações entre pais, aluno e professor. Esta reflexão, talvez, ajude a entender os comportamentos agressivos ou apáticos dos alunos no espaço escolar e o desrespeito com a figura do professor, a falta de compromisso e o desinteresse.

Frente ao pressuposto de que a educação deve preparar para a vida adulta em sociedade, para o trabalho e para continuar aprendendo, é possível dizer que diante de questões recorrentes, como o desemprego, aumento da violência, profissionais despreparados ou falta de mão de obra especializada, a educação tem fracassado sob o jugo de competências a ela atribuídas, que vão além de suas possibilidades. Para finalizar este paper optamos instigar mais reflexões: Será que podemos ter uma escola melhor do que temos? Até que ponto o Brasil está mesmo cumprindo orientações do Banco Mundial para a educação de qualidade e redução da pobreza?

REFERÊNCIAS
BRESSER-PEREIRA, Luis Carlos. Gestão do setor público: estratégia e estrutura para um novo Estado. In: BRESSER PEREIRA, L.C. e SPINK, Peter. Reforma do Estado e administração pública gerencial. 2. ed. RJ: FGV ed., 1998.
BURBULES, N. C.; TORRES, C. A. Globalização e educação: perspectivas críticas. Trad. Ronaldo Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2004.
ENGUITA, M. F. O discurso da qualidade e a qualidade do discurso. In: GENTILI, P.A. A.; SILVA, T. T. (Org.) Neoliberalismo, qualidade total e educação: visões críticas. 11. ed. Petrópolis: Vozes, 2002. p. 93-110.
MAUÉS, Olgaíses. Os organismos internacionais e as políticas públicas educacionais no Brasil. In: GONÇALVES, Luiz Alberto Oliveira (Org.). Currículo e políticas públicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

 

Autor deste artigo: Neide Pena Cária - participante desde Dom, 09 de Agosto de 2009.

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