RESUMO
(INTRODUÇÃO) É importante compreender que a língua portuguesa, apesar de ser fruto de uma convenção, carrega, na escrita, a tradição do passado. Em função disso, é necessário o resgate histórico de nossas origens vernaculares, bem como culturais. (OBJETIVOS) Fazer levantamento bibliográfico e análise acerca das influências indígenas na língua portuguesa; investigar a intensidade dessa influência no português brasileiro, pesquisando e listando palavras indígenas que compõem o léxico português em nível nacional e regional; rastrear quais línguas indígenas influenciam a fala do extremo oeste catarinense; estabelecer relação entre os nomes das cidades da região extremo oeste catarinense e seus devidos significados; propor uma discussão da ortografia das palavras indígenas; averiguar e analisar, através de pesquisa de campo, se os falantes da região extremo oeste catarinense têm consciência de que utilizam palavras oriundas de línguas indígenas.
(METODOLOGIA) Para o fim que pretendia nosso trabalho, fizemos, primeiramente, pesquisa bibliográfica, com o intuito de analisar a abrangência da influência indígena. Feito isso, listamos e analisamos os principais vocábulos de origem indígena, presentes no léxico da língua portuguesa em nível nacional. Ainda com base no levantamento bibliográfico, elaboramos algumas questões, que foram aplicadas em pesquisa de campo, as quais objetivaram obter o conhecimento dos entrevistados em relação aos termos indígenas - presentes em 13 municípios da região extremo oeste catarinense. Após a coleta dos dados, procedemos à análise lingüística das questões propostas, à luz da metodologia sociolingüística.
(RESULTADOS) Com base na análise, constatamos que as pessoas, em geral, têm pouca consciência de vocábulos de origem indígena, talvez, decorrentes da falta de conscientização, nas escolas, nas universidades e nos próprios meios de comunicação, acerca dessa problemática regional e nacional, a qual está intimamente ligada à história da língua portuguesa. Além disso, verificamos que as pessoas entrevistadas do extremo oeste catarinense, praticamente, desconhecem a situação das línguas indígenas dessa região. Embora grande parte tenha respondido que ainda existem, cerca de, duas, três até quatro línguas faladas nessa região, lamentavelmente, não há nenhuma.
(CONCLUSÃO) A história mostra que milhares de índios foram dizimados e aos poucos, vão desaparecendo, bem como suas línguas e culturas. Não podemos deixar essas línguas desaparecerem, do contrário, é como se estivéssemos queimando uma biblioteca: a indígena.
(PALAVRAS-CHAVE) Português histórico; Constituição do léxico português; Línguas indígenas; Sociolingüística. (Fonte Financiadora: FAPE/PIBIC/UNOESC/Art.170).
1 INTRODUÇÃO
Não há muitas regras para a grafia das palavras, por isso, reconhecer a etimologia e dominar alguns processos de formação de palavras facilita a compreensão da complexa escrita da língua portuguesa. É importante compreender que, apesar de ser fruto de uma convenção, nossa língua carrega, na escrita, a tradição do passado. Em função disso, é necessário o resgate histórico de nossas origens vernaculares, bem como culturais. Todos os brasileiros sabem que o português é a língua majoritária e oficial do Brasil, também que é derivada do latim, mas a maioria desconhece a história do idioma no país e da sua relação com as línguas que aqui se falava antes da chegada de Pedro Álvares Cabral: as indígenas. Segundo Pimentel (apud Carvalho, 1989), o que distingue nosso português do de Portugal é a influência indígena.
O lingüista Aryon Rodrigues, do Laboratório de Línguas Indígenas da Universidade de Brasília, afirma que, quando o Brasil foi “descoberto” pelos portugueses, havia mais de mil línguas no país, faladas por índios de diversas etnias, destacando-se a Tupinambá, popularmente conhecida como Tupi. Nomes de animais, plantas e lugares são os legados que permanecem até os dias de hoje: tamanduá, tatu, urubu e arara, são exemplos dessa influência, bem como Guaraciaba, Itapiranga, Xaxim, Xanxerê e Chapecó (que deveria ser grafada com x) — exemplos de algumas cidades de nossa região que receberam nomes indígenas. Estudos envolvendo esses aspectos histórico/culturais permeiam a disciplina de português histórico e graças às discussões ocorridas nessa disciplina surgiu, no segundo semestre de 2002, a pesquisa intitulada A constituição do léxico português, cujo objetivo geral era realizar um estudo acerca da contribuição das diferentes línguas na constituição do léxico português.
Naquele momento, propusemos uma pesquisa acerca dos processos de formação de palavras, também, analisamos as contribuições das línguas africanas, ibéricas, célticas, fenícias, grega, hebraica, germânica, árabe, provençal, orientais, francesa, inglesa, italiana, espanhola, russa, húngara, turca, polonesa. Agora, dando continuidade a essa pesquisa, abordaremos a influência indígena no português, com destaque à região extremo oeste catarinense, em que realizamos pesquisa de campo, a fim de analisarmos o conhecimento dos falantes dessa região acerca de palavras de procedência indígena e a quantidade de línguas indígenas existentes nessa região.
O objetivo geral do trabalho é analisar as contribuições das línguas indígenas na constituição do léxico português, sendo o problema de pesquisa: Quais são as contribuições das diferentes línguas indígenas na constituição do léxico português?
Para dar conta desse problema, estabelecemos os seguintes objetivos específicos: fazer levantamento bibliográfico e análise acerca das influências indígenas na língua portuguesa; investigar a intensidade dessa influência no português brasileiro, pesquisando e listando palavras indígenas que compõem o léxico português em nível nacional e regional; rastrear quais línguas indígenas influenciam a fala do extremo oeste catarinense; estabelecer relação entre os nomes das cidades da região extremo oeste catarinense e seus devidos significados; propor uma discussão da ortografia das palavras indígenas; averiguar e analisar, através de pesquisa de campo, se os falantes da região extremo oeste catarinense têm consciência de que utilizam palavras oriundas de línguas indígenas.
2 HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Segundo Ismael de Lima Coutinho (1976), as circunstâncias históricas em que se criou e desenvolveu nosso idioma estão intimamente ligadas a fatos que pertencem à história geral da Península Ibérica. Antes dos romanos, acredita-se que a Península Ibérica era habitada por esses dois povos, o cântaro-pirenaico e o mediterrâneo, de que se originaram os bascos e ibéricos.
No sul de Portugal e na baixa Andaluzia, chegaram os tartéssios, que foram os fundadores da cidade de Tarsis, onde, segundo a Bíblia, o rei Salomão, filho de Davi, foi buscar ouro e prata. Porém, essas riquezas também atraíram a cobiça de vários povos, como os fenícios e os gregos, que disputaram a posse de Tarsis. Essa disputa foi vencida pelos fenícios, que, mais tarde, foram absorvidos pelas populações indígenas. Entretanto, o contato das duas civilizações contribuiu para o desenvolvimento da arte na Península, conforme salienta Coutinho (1976, p. 47): “O contato das duas civilizações foi salutar ao povo da Península, que se aproveitou da experiência de ambos para o desenvolvimento de sua arte, que foi verdadeiramente notável.”
Em seguida, chegaram os celtas, que se fixaram na Galícia e no centro de Portugal, isto ocorreu por volta dos séculos V e III a.C. Acredita-se que eles não tenham feito uma única incursão apenas. Em relação aos celtas, Melo (1981) diz que eles se misturaram à população preexistente, e da miscigenação resultaram as gentes a que os antigos chamavam celtiberos.
No século III a.C., os romanos desembarcaram pela primeira vez na Península Ibérica, com o objetivo de defender seu poderio no mediterrâneo, pois se sentiam ameaçados por Cartago, que crescia a olhos vistos. Em função disso, Roma decretou guerra a Cartago. Essa guerra iniciou no ano de 264 a.C. e durou até 146 a.C. Houve três guerras entre essas potências, que ficaram conhecidas como Guerras Púnicas, sendo que todas foram vencidas por Roma. Com sua vitória, a Península Ibérica passou à condição de província romana. Embora tenham penetrado nessa Península no século III a.C., sua anexação ocorreu somente no ano de 197 a.C.
Praticamente todos os povos (com exceção dos bascos) romanizaram-se, ou seja, adotaram a língua e os costumes dos romanos, no caso, o latim. Conforme Coutinho (1976), a romanização ocorreu de forma mais completa e ligeira na parte sul do que na parte norte da Península Ibérica, porque o sul havia sido mais bem desenvolvido e também por possuir uma cultura mais citadina.
Apesar da intensa colonização de Roma, no século V d.C., povos germânicos invadiram a Península Ibérica, entre os quais, podemos citar os alanos, suevos, vândalos e visigodos. Esses povos encontraram um mapa lingüístico bastante heterogêneo, contribuindo ainda mais para essa heterogeneidade. Mesmo com a invasão desses povos, a base românica não foi substituída, dado que a influência dos bárbaros não foi tão profunda. Ao contrário, como afirma Elia (1971, p. 18) “os germanos aceitaram a cultura dos povos vencidos, que lhes era superior, cristianizando-se e adotando a língua latina vulgar. Contribuíram, porém, para acelerar a evolução da língua falada pela grande massa do povo e o latim das pessoas cultas.”
No ano de 711, os muçulmanos invadiram a Península Ibérica e, em pouco tempo, durante a batalha de Xeres, conquistaram-na, nessa batalha, o último chefe godo, Rodrigo, foi vencido em solo hispânico. Eles eram árabes e berberes. Sua principal crença era o islamismo e o idioma, o árabe. Os peninsulares os chamaram de Mouros.
Muitos hispanogodos ficaram atraídos pela tradição e os costumes dos árabes, com isso, eles adotaram seu modo de vida, inclusive, a sua língua e acabaram esquecendo o romance que falavam. Ficaram conhecidos, por isso como moçárabes. Mesmo assim, salienta Melo (1981), houve um grupo de bravos que nunca se rendeu aos árabes, refugiando-se nas montanhas da Astúria, ali iniciaram, sob o comando do nobre Pelágio, o movimento da Reconquista — uma guerra santa, com preparo psicológico e militar semelhante ao das cruzadas no oriente, também abençoadas e beneficiadas pelos papas. Pela Reconquista, aos poucos, foram recuperando os territórios perdidos, constituindo os reinos de Leão, Castela e Aragão em terras reconquistadas aos mouros. Entre os fidalgos que combateram contra os árabes na Península, podemos destacar D. Henrique, conde de Borgonha, que, em reconhecimento aos serviços prestados à coroa e à religião (cristianismo, no caso), foi-lhe concedida em casamento D. Tareja, filha bastarda do rei D. Afonso VI, de Leão e Castela, que também lhe outorgou o Condado Portucalense, território desmembrado da Galiza, localizado entre os rios Ninho e o Volga.
Contudo, a nacionalidade portuguesa só se instituiu com D. Afonso Henriques, filho de D. Henrique, que, após a Batalha de Ourique, sacudiu a soberania de Castela e proclamou a independência de Portugal, no século XI.
A língua falada naquela época era o galego-português, que nasceu no norte, na Galiza, mas com a independência do Condado Portucalense, tornando-se Portugal, acabou se estendendo ao sul. Com a Reconquista, foi absorvendo os falares moçárabes, separando-se, cada vez mais, do galego do norte. Surgiu, então, o português, em solo anteriormente ocupado pelos árabes. Assim, é a partir da independência política de Portugal, que as diferenças entre os dois idiomas se acentuaram cada vez mais.
De acordo com Othero (2000), em documentos bárbaros do século IX, já foram encontradas algumas formas vernáculas da língua, o que faz crer que o Português já existia, mas somente no século XII, apareceram textos inteiramente nele redigidos. Entre muitos poemas escritos em galego-português, podemos destacar a Cantiga da Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós. O marco de passagem ao Português moderno é a obra Os lusíadas, de Luís Vaz de Camões, publicada em 1572. Isso ocorreu no período das expansões ultramarinas, século XVI, quando os portugueses conquistaram a África, os Açores, as Ilhas Madeira, a Índia, o Brasil e Málaca.
2.1 O PORTUGUÊS DO BRASIL NO INÍCIO DA COLONIZAÇÃO
Conforme Coutinho (1976), o português foi trazido para o Brasil na época dos descobridores, pelos colonos lusos e, apesar de ter o prestígio que lhe dava uma civilização notável, e com enorme poder de artilharia, não conseguiu grande vantagem sobre a língua tupi, falada pelos primeiros habitantes do Brasil, os índios, os quais conforme Thomé (1981), eram, em torno de 5 milhões, em 1500, restando, hoje, nada mais que 300 mil. Essa influência persistia, principalmente, porque os homens do reino casavam-se com as índias, que, sendo responsáveis pela educação familiar, passavam seu idioma aos filhos. Quanto a essa questão, Padre Antônio Vieira dizia o seguinte:
As famílias dos portugueses e índios em São Paulo estão ligadas hoje umas com as outras, que as mulheres e os filhos se criam mística e domesticamente, e a língua que nas ditas famílias se fala é dos índios e portuguesa a vão os meninos aprender à escola. (apud COUTINHO, 1976, p. 76)
Com o objetivo de catequizar os índios, os padres jesuítas eram forçados a aprender a língua tupi para melhor cativá-los, além de dar maiores frutos no seu apostolado. Esses missionários não se contentavam apenas em conhecer a língua, eles procuravam facilitar o aprendizado, compondo gramáticas e escrevendo dicionários, além disso, nos colégios que fundavam, o ensino do idioma tupi era mantido e essas lições eram dadas a filhos de colonos, juntamente com a Língua Portuguesa.
Aprendida a língua nova, essa passava a ser considerada fácil. Outros idiomas continuaram sendo vistos como línguas difíceis, a exemplo do Maromomi, que foi alvo de estudos realizados por Pe. Anchieta e Pe. Viegas, infelizmente, esses documentos constam como desaparecidos. Para Anchieta (apud Rodrigues, 1993), as duas principais classes de palavras da língua possuem uma curiosa característica: os nomes são indeclináveis, e os verbos têm suas conjugações e tempos próprios. Outra curiosidade é que diversos fonemas e sílabas bastante complexas do português não existiam em Tupinambá - forma de comparação entre a língua pátria dos jesuítas com o humilde dialeto dos indígenas.
Rodrigues (1993) diz que, ao contrário de Anchieta, muitos autores exploraram com preconceito o fato de haver diferenças fonéticas entre o Tupinambá e o português. Esse autor cita o caso de Gândavo, que, devido ao fato de não encontrar, na nova língua, as letras F, L, R, declarou, ironicamente, que considerava o povo, detento do referido idioma, como uma nação carente de fé, leis e reis, palavras iniciadas com as três consoantes citadas. Quando revestidas de retórica, essas coincidências podiam impressionar muitas pessoas contra os índios, que passavam a serem considerados como seres incultos e bestiais.
Na segunda metade do século XVIII, a língua geral, entrou em decadência, por várias razões, entre elas, Teyssier (2001) cita a chegada de numerosos imigrantes portugueses, seduzidos pela descoberta das minas de ouro e diamantes e o Diretório criado pelo marquês de Pombal, em 3 de maio de 1757, o qual proibia o uso da língua geral e obrigava, oficialmente, o uso da língua portuguesa. O autor ressalta que, depois de cinqüenta anos, o português eliminou a língua geral como língua comum, salientando que dela somente resta um certo número de palavras integradas ao vocabulário local e muitos topônimos.
Coutinho (1976) afirma que, até o século XVII e início de XVIII, o português ainda estava em desvantagem em relação à língua geral, de cada quatro habitantes nos campos de São Paulo, Rio Grande do Sul, Amazonas e Pará, três falavam-na. Nessa época, o governo da metrópole expediu cartas régias exigindo que se ensinasse a língua portuguesa aos índios. O autor acrescenta que o uso do vernáculo se tornou obrigatório, após a expulsão dos jesuítas do Brasil.
Expulsos do convívio da civilização, os aborígines brasileiros, discriminados por suas origens, concentraram-se nas matas do Mato Grosso, do Amazonas, do Goiás, onde, até nos dias de hoje, em número considerável e lamentavelmente, reduzido, vivem e tentam cultivar a língua, os costumes e a cultura de seus antepassados, conforme suas possibilidades. Mas sabemos que muito de suas culturas, inclusive suas línguas, cederam lugar à cultura do povo europeu. Em relação ao número de línguas indígenas, no Brasil, Rodrigues (1993) salienta que havia, aproximadamente, 1.078 línguas, no século XVI, atualmente, existem, cerca de 170, 180 línguas, acarretando a perda de 1.000 línguas, ou seja, 80%, como conseqüência do encontro entre os povos indígenas e colonizadores europeus, português, holandeses. Embora alerte que esse número possa parecer exagerado, ressalta:
No caso desta amostra, entretanto, o risco de tratar-se de uma área superdiversificada parece atenuado, senão eliminado, pelo fato de que para uma grande porção dela – a faixa litorânea desde a foz do São Francisco até o Rio de Janeiro – foi computada uma só língua, o Tupinambá. De qualquer forma, 1.078 é o resultado de uma primeira projeção para o número de línguas faladas no território brasileiro num momento em que a ação européia sobre os povos indígenas ainda não tinha produzido efeitos muito fortes. (RODRIGUES, 1993, p. 90-91)
Ainda quanto à quantidade de línguas, numa segunda projeção, o número a que o mesmo autor chega é maior, ou seja, 1.273, visto que:
A área entre o Tapajós e o Madeira tem aproximadamente 300.000 km e a superfície do Brasil é de 28,3 vezes maior que ela; proporcionalmente, o território brasileiro comportaria 1.273 línguas. Seria desejável efetuar outras projeções, a partir de outras áreas geográficas em momentos em que a interferência européia ainda não tivesse sido muito grande. Por ora vamos limitar-nos a estes duas, a do Brasil Leste de Cardim e a do interflúvio Tapajós-Madeira, as quais representam regiões bem distintas e situações diferentes da penetração européia, e vamos utilizar a média aritmética delas, a qual é de 1.175 línguas, para o Brasil no início da colonização (RODRIGUES, 1993, p. 91)
Com base nas afirmações de Rodrigues (1993), percebemos que muitas línguas indígenas já estão “mortas” em nosso próprio país e há ainda, em pequenas aldeias, línguas “agonizantes”, ou seja, em perigo, que são tipicamente minoritárias e em situação de ruptura geracional, em que os pais ainda falam com seus pais suas línguas maternas, mas já não o fazem mais com seus próprios filhos, que abandonam definitivamente o uso da língua nativa, destinada à morte, talvez em menos de um século, a menos que algo aconteça para a sua revitalização. Entre os principais fatores dessa condenação à morte está a pressão da língua nacional dominante, as pressões socioeconômicas e a assimilação através de meios e canais, como a escolarização, a mídia e a sedimentação de atitudes valorativas positivas para a língua do colonizador e negativas para a língua dos colonizados. Acerca disso, Rodrigues (1993, p. 100) declara:
A situação das línguas indígenas brasileiras é, portanto, extremamente grave, seja do ponto de vista da perda do conhecimento lingüístico e cultural que o desaparecimento de qualquer língua implica, seja do ponto de vista da desintegração social e espiritual de cada um dos povos que, com a perda da língua sob pressão externa, têm destruídos seus valores tradicionais sem tempo para a incorporação ou o desenvolvimento de novos valores, o que os leva ao empobrecimento e à marginalização social.
Como vimos, muitas línguas indígenas já não são mais faladas, outras têm um número reduzido de falantes. Mas é fato que a cultura indígena é valiosa, bem como a sua língua, a qual deixa inúmeras contribuições ao léxico português.
3 AS LÍNGUAS INDÍGENAS NA CONSTITUIÇÃO DO LÉXICO PORTUGUÊS
Nesta parte, faremos um apanhado geral acerca da influência indígena na constituição do léxico português, uma vez que nosso foco de estudo é esse. Em relação a essa influência, o lingüista Adair Pimental, na fábula A revolta das palavras, diz que termos dessa procedência são legitimamente brasileiros. Vejamos o trecho em que, no início do conclave de que fala na fábula, Língua Portuguesa solicita àquele que não fosse legitimamente brasileiro se retirasse:
Um pouco titubeante, ela começou solicitando que quem não fosse completamente brasileiro se retirasse. Foi um alvoroço. Levantou-se todo mundo. Só ficaram sentadas uma meia dúzia de palavras que, embora nuas, estavam revestidas de muita brasilidade. Eram as de origem indígena. Jacaré cutucou Jaguar e ambos riram da mancada da bela senhora [...] (CARVALHO, 1989, p. 6-9)
Embora tenha prevalecido sobre as aqui postas em contato, o português não poderia deixar de sofrer modificações e de receber influências e contribuições. A influência Tupi é mais significativa no vocabulário e, conforme Coutinho (1976), pode ser classificada desta forma: nomes próprios (de cidade de pessoas): Araci, Guaraciaba, Iracema, Itagiba, Imbassaí, Jaci, Juraci, Jurema, etc.; nomes de animais: Jibóia, Araponga, Arara, Caniana, Sucuri, Jacaré; verbos: Capinar, empipocar, encoivarar, empaçocar, moquear. Esses termos ratificam resquícios de língua indígena incorporados à vernaculania portuguesa.
Segundo Navarro [2004?], há, no português, cerca de 10 mil verbetes só dessa língua e, além dessa, recebeu contribuições de outras línguas minoritárias, as quais ainda não foram detalhadamente estudadas. Já Rodrigues (2002, p. 21) diz que: Numa amostra de pouco mais de mil nomes brasileiros populares de aves, um terço, cerca de 350 nomes, são oriundos do Tupinambá. Numa outra área da fauna, em que a interação entre portugueses e índios deve ter sido mais intensa, pois uns e outros eram grandes pescadores, a participação do vocabulário do Tupinambá é ainda maior numa amostra de 550 nomes populares de peixes, quase a metade (225 ou 46%) veio de língua indígena. É notável a quantidade de lugares com nomes de origem Tupinambá, quase sem alteração de pronúncia, muitos deles dados pelos luso-brasileiros dos séculos passados a localidades onde nunca viveram índios Tupinambá.
Roland Schmidt-Riese [1999?] além de mencionar os empréstimos lexicais referentes ao vocabulário de fauna e flora, alimentação e toponímia, afirma haver também interferências da língua Tupi nos campos estruturais; tais interferências são, muitas vezes, descartadas por não terem sido comprovadas em contexto colonial. Acerca da influência de outras línguas indígenas ao português, como as do Tronco Macro-Jê, as da Família Karíb, as da Família Aruák e Arawá, são poucos os estudos realizados e presume-se que sua presença na língua portuguesa seja menor, talvez, pelo fato de os jesuítas terem entrado, primeiramente, em contato com os índios Tupi, vindo a estudá-lo mais intensamente, a fim de apropriarem-se dessa língua para satisfazerem seus caprichos. Em geral, as línguas dos troncos e famílias não-Tupi também legaram ao português topônimos, embora em menor proporção que o Tupi.
Quanto às línguas das Famílias lingüísticas menores ao sul do Amazonas, às das Famílias Tukáno, Makú e Yanomámi e às das Línguas isoladas, não há registros de material científico acerca de suas contribuições, apesar de algumas delas terem contribuído na formação do léxico português, impossibilitando um estudo mais detalhado.
4 OS ÍNDIOS NA HISTÓRIA DO OESTE/EXTREMO OESTE CATARINENSE
Nesta seção, abordaremos o processo histórico de colonização e de ocupação indígena, bem como tentaremos rastrear quais línguas indígenas influenciam(ram) o léxico português do extremo oeste catarinense. Inicialmente, delinearemos a história do oeste catarinense, visto que esse é o caminho mais viável para se chegar à história do extremo oeste.
Contribuem para o resgate da história do oeste e extremo oeste catarinense, autores como: Rossetto (1986), Heinsfeld et al (2001), Poli (1987), Piazza (1994), Radin (2001). Eles comentam que a ausência de dados dificulta um estudo mais detalhado sobre a origem, a ocupação do lugar, os primeiros povos, que, para alguns, seriam os índios; para outros, os pré-ceramitas. Em linhas gerais, Poli (1987, p. 73-74) diz que é muito difícil estabelecer uma cronologia histórica acerca das fases de ocupação do oeste catarinense, mas afirma que algo pode ser dito:
– fase de ocupação indígena: até meados do século XIX, afora algumas incursões exploratórias portuguesas, a região era território tradicionalmente ocupado pelos índios Kaingang;
– fase cabocla: a população que sucedeu à indígena e miscigenou-se com esta foi a dos luso-brasileiros, mais conhecidos como caboclos, cuja principal atividade era a agricultura de subsistência, o corte de erva–mate e o tropeirismo. Esta é a fase mais esquecida e a menos estudada de todas;
– fase de colonização: caracterizada pela penetração de elementos de origem alemã e italiana, vindos principalmente do Rio Grande do Sul pelo desenvolvimento dos projetos de colonização e da exploração madeireira. Esses colonos passam a adquirir terra das colonizadoras, formando a grande frente agrícola e pecuária que vai afastando aos poucos o caboclo.
Com relação à fase de ocupação indígena, no oeste catarinense, Poli (1987) apenas registrou a existência de índios Kaingang, já D´Angelis (1989) constatou a predominância de índios Guarani, mas ressalta que não foi possível aprofundar-se na história dos Guarani dessa região, devido à escassez de material publicado. Em estudo mais detalhado sobre a ocupação do oeste de Santa Catarina, Radin (2001, p. 19) verificou que:
Além dos Guaranis, esta região era habitada pelos Kaingang e Xokleng. Os índios Kaingang ocupavam, em especial, a mata de araucária e os campos de Lages, Curitibanos e Caçador e as matas de araucária a leste deles. Esses indígenas eram muito arredios e permaneceram, a princípio, afastados da presença dos conquistadores.
Thomé (1981) fez uma pesquisa sobre a ocupação de outros povos, antes da ocupação indígena, tanto no oeste como no extremo oeste catarinense. Na introdução de seu livro Civilizações do Contestado afirma que:
No território Contestado, em meio a vestígios de primitivas tribos Guarani (do grupo Tupi), e Kaingang e Xokleng (do grupo Tapuia, ou Gê), encontram-se sinais evidentes da existência de outro povo pré-colombiano, que teria habitado estas paragens antes dos índios conhecidos e, possivelmente, antes mesmo da ascenção dos Astecas e dos Incas. Esta civilização, das mais antigas, pertencia à Era da Pedra. As origens dos nossos índios estariam neste povo da Pré-História? (THOMÉ, 1981, s/p).[1]
Como podemos observar pela citação acima, ele acredita que, mesmo antes dos Astecas e Incas, outros povos primitivos, pertencentes à Era da Pedra, tenham ocupado essa região. O autor ainda acrescenta que esses povos são conhecidos como povos Pré-Ceramitas.
Sobre a segunda fase de ocupação, tida como cabocla, Poli (1987) e Radin (2001) dizem que os caboclos, a partir do final do século XVII até o final do século XIX, alargaram os caminhos em direção ao sul, especificamente, para o oeste catarinense, caminhos esses que, mais tarde, foram utilizados pelos conquistadores portugueses para chegarem a essa região. Ainda, nesse período, além dos portugueses, o oeste catarinense foi percorrido pelos bandeirantes paulistas, denominados “apresadores” de índios. Esses bandeirantes, segundo D`Angelis (1989, p. 19-20), ao manterem contato com os índios Kaingang e Xokleng:
[...] não os molestavam, porque não representavam escravos “de valor” ante os valorizados Guarani. Deve-se isso ao fato de que os Jê não eram de língua conhecida [...] enquanto os bandeirantes falavam o Tupi, (da mesma família lingüística do Guarani) e ao fato de que não eram como os Guarani, tradicionais agricultores de hábitos sedentários.
Nesse contexto, Heinsfeld et al (2001) acrescenta que a colonização européia, no oeste catarinense, começou a se efetivar em meados do século XVII, em 1641, quando os bandeirantes paulistas realizaram seu primeiro ataque, com o objetivo de aprisionar milhares de índios Guarani e, também, não bastasse esse ocorrido, mataram outros tantos localizados, nas missões jesuíticas do Rio Grande do Sul, na tentativa de aprendê-los, pois esses índios interessavam a eles, já que estavam habituados ao trabalho na agricultura.
O objetivo dos bandeirantes era prender os índios para vendê-los como escravos e, por isso, procuravam os índios valorizados, isto é, os que já trabalhavam conforme os colonizadores queriam. Por isso, os índios das missões jesuíticas tinham valor, diferentemente dos Kaingang e Xokleng do Oeste Catarinense, que eram considerados de pouco valor (HEINSFELD et al, 2001, p. 141).
Comenta ainda que com a vinda de europeus e africanos para Santa Catarina, nos séculos XVII e XVIII, ocorreu o contato direto com os índios, os quais, mais tarde, deram origem ao caboclo. Diz que os indígenas e os caboclos tinham um modo de vida muito diferente dos europeus, pois os primeiros não tinham preocupação acumular riquezas, apenas preocupavam-se com sua própria sobrevivência.
Quanto à colonização propriamente dita do Estado de Santa Catarina – colonização italiana e alemã - Rosseto (1986) e Heinsfeld et al (2001) comentam que só começou a se efetivar a partir de 1916, após a Guerra do Contestado, a qual ocorreu em 1912, perdurando por quatro anos. Esse episódio serviu como uma engrenagem para a transformação da estrutura socioeconômica de toda região catarinense. Acrescentam que o oeste e extremo oeste de Santa Catarina não fizeram parte desse cenário de lutas sangrentas, mas ressaltam que não se sabe por que esse espaço geográfico ficou fora dessa confusão, uma vez que, pelo mapeamento geográfico, tanto o oeste, quanto o extremo oeste pertenciam à região do Contestado. Diz também que essas duas regiões só começaram a ser ocupadas por imigrantes gaúchos depois que a guerra foi sufocada pelas forças governamentais.
Um dos fatos que impulsionaram a imigração para o oeste catarinense foi, também, a construção da estrada de ferro ligando São Paulo – Rio Grande. A construção dessa obra, gigantesca para a época, primeira década do século XX, teve como propósito criar um caminho viável para a colonização da região sul, a fim de explorá-la. Quanto ao número de índios que existiram na região do Contestado, na época da colonização, Thomé (1981) diz que não se sabe se eram: quinhentos, mil, dez mil ou mais, mas afirma que, nesse período, somavam cerca de dois milhões de indígenas em todo sul do Brasil.
Rosseto (1986) declara que, resolvida a questão do Contestado, a colonização cresceu significativamente e a busca por terras e riquezas levou à dizimação dos indígenas que aqui se encontravam, não se sabe quantos existiam nessa região, mas segundo esse autor, em 1986, havia 4.400, já em outra estimativa, realizada em 2000, existem cerca de 1.200 índios, os quais vivem na reserva de Xanxerê e no Toldo Chimbangue. Quanto à situação histórica do extremo oeste catarinense, De Bona (2004) comenta que o primeiro documento histórico que mencionou essa região foi o Tratado de Madri entre as cortes de Portugal e Espanha, o qual tinha o objetivo de pôr fim à discussão da demarcação dessa região. Com esse Tratado, Visconde Tomás da Silva Teles (Portugal) e D. José de Carvajal Y Lancaster (Espanha) definiram que o oeste e extremo oeste pertenceriam à Espanha.
Jungblut (2000) relata que, em Itapiranga, Mondaí (SC), foram encontrados inúmeros vestígios de indígenas, como cerâmicas, restos mortais de índios e, até “ocas”. A hipótese mais provável é que sejam vestígios deixados por índios Kaingang. O autor afirma que, apesar de o elemento indígena ter habitado milhares de anos essa região, pouco ou quase nada se sabe acerca de sua cultura. Embora não tenhamos encontrado documentos escritos sobre a situação dos índios, hoje, no extremo oeste de Santa Catarina, soubemos, através dos meios de comunicação, que não existem mais falantes indígenas nessa região. Somente há os conhecidos “bugres”, que aparecem de vez em quando para vender artesanato, como cestos, sobre os quais não sabemos a origem, língua falada entre eles, até porque não vivem nessa região, mas vêm a ela, esporadicamente.
Estabelecendo uma relação entre os nomes indígenas das cidades do extremo oeste catarinense e seus devidos significados, temos:
– Guaraciaba: raio de luz em Tupi; – Itapiranga: Ita = pedra; piranga = vermelha: pedra vermelha – Cunha Porã: Cunha em Tupi= mulher; Porã em Guarani = bonito, belo: mulher bonita – Guarujá do Sul: uarú: o voraz, o comilão + yá: onde vivem. O viveiro, o hábitat dos guarus. Variedades de peixes fluviais. Uma espécie de sapo. Há os pequenos guarus dos rios e lagoas, conhecidos por barrigudinhos. Apelido dado a uma tribo de índios. – Iporã do Oeste: y =rio; Porã= bonito: rio bonito. – Tunapólis: a primeira parte do nome, tuna, é de origem indígena, é o nome comum a várias cactáceas. Embora esse vocábulo esteja no dicionário Guarani-espanhol, há possibilidade de ser de origem africana. Sobre a segunda parte do nome, pólis, a origem é grega e significa cidade; templo. – Campo Erê – é bem provável que a origem do nome dessa cidade seja indígena, pois em Tupi, existe o termo capoêre, que significa campo de pulgas. – Iraceminha – não temos informações concretas acerca da origem desse vocábulo, mas acreditamos que seja indígena, pois José de Alencar escreveu uma obra intitulada Iracema, cujo significado é “a virgem dos lábios de mel”, em homenagem a uma índia.
Como vimos, não há muitos nomes de cidades do extremo oeste catarinense, cuja origem seja indígena, talvez seja por causa da forte colonização alemã e italiana, sendo que os colonizadores acabaram estabelecendo nomes aos lugares em sua homenagem. Por fim, podemos dizer que há uma lacuna muito grande quanto à história das línguas indígenas do oeste e extremo oeste catarinense, muitas informações não passam de hipóteses, sem dados registrados. Pelo que observamos, há um interesse maior pela ocupação primitiva e colonização dessa região.
5 ANÁLISE DOS VOCÁBULOS DE PROCEDÊNCIA INDÍGENA NA REGIÃO EXTREMO OESTE CATARINENSE[2]
Nesta parte, procederemos à análise dos questionário acerca dos vocábulos de origem indígena, aplicados a 130 informantes de alguns municípios do extremo oeste catarinense: Dionísio Cerqueira, Guarujá do Sul, São José do Cedro, Guaraciaba, São Miguel do Oeste, Descanso, Belmonte, Iporã do Oeste, Itapiranga, Santa Helena, São João do Oeste, Tunápolis e Maravilha. Em cada um desses municípios, foram entrevistadas dez pessoas, sendo cinco mulheres e cinco homens, na faixa etária de 18 a 29; de 30 a 45 e de 46 a 60; e de nível escolar fundamental, médio e superior. Tais pessoas foram aleatoriamente escolhidas, conforme a metodologia sociolingüística. Antes da análise, vejamos a distribuição desses informantes, de acordo com as células sociais, a fim de facilitar a compreensão dos resultados finais.
TABELA I: variável sexo, idade e escolaridade
|
SEXO
|
IDADE
|
ESCOLARIDADE
|
Fem.
|
Mas.
|
18-29
|
30-45
|
46-60
|
Ensino Funda-mental
|
Ensino Médio
|
Ensino Superior
|
Nº.de informantes
|
65
|
65
|
75
|
35
|
20
|
17
|
39
|
74
|
Porc.
|
50,00%
|
50,00%
|
57,69%
|
26,92%
|
15,38%
|
13,08%
|
30,00%
|
56,92%
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
|
Procedendo à análise do questionário, cuja primeira questão interrogava acerca dos termos de procedência indígena, constatamos que os informantes do extremo oeste catarinense, realmente, têm pouca consciência de tais termos, como podemos visualizar na tabela que segue.
TABELA II: Desempenho dos municípios quanto ao acerto de palavras indígenas
Cidade
|
Número de palavras
|
Porcentagem
|
Descanso
|
146
|
11,64%
|
Iporã do Oeste
|
134
|
10,69%
|
Tunápolis
|
117
|
9,33%
|
Santa Helena
|
107
|
8,53%
|
São Miguel do Oeste
|
107
|
8,53%
|
Dionísio Cerqueira
|
102
|
8,13%
|
Guaraciaba
|
100
|
7,97%
|
Itapiranga
|
95
|
7,58%
|
São José do Cedro
|
89
|
7,10%
|
São João do Oeste
|
85
|
6,78%
|
Belmonte
|
69
|
5,50%
|
Guarujá do Sul
|
61
|
4,86%
|
Maravilha
|
42
|
3,35%
|
Total
|
1254
|
100%
|
Inicialmente, ressaltamos que, nessa questão, todas as palavras, 28, são de origem indígena, somando as de todos os questionários, há 3.640 palavras, das quais, apenas 1.254 palavras, ou seja, 34,45% foram assinaladas pela população entrevistada. É importante esclarecer que a porcentagem calculada para cada cidade foi a partir do total de palavras assinaladas (1.254).
Observando a tabela acima, percebemos que os informantes da cidade de Descanso têm mais consciência de palavras cuja origem seja indígena, com um percentual de 11,64% , ou seja, do total de 1.254 assinaladas, 146 palavras foram marcadas em Descanso. Ao lado dessa, há Iporã do Oeste, 10,69% e Tunápolis, 9,33%, com resultados mais significativos. Já nas outras cidades supracitadas, essa consciência decresce, os números variam entre 8,53% a 3,35%. Verificamos que, em Maravilha, 3,35% e Guarujá do Sul, 4,86%, as pessoas entrevistadas, praticamente, desconhecem palavras de procedência indígena. Como vimos, em todas as cidades, há percentagens baixas para essa questão, talvez, decorrentes da falta de conscientização, nas escolas e nos próprios meios de comunicação, acerca de aspectos históricos relacionados à língua.
Feita a análise da consciência de palavras de procedência indígena no léxico português, nas 13 cidades pesquisadas, questão 1, vejamos mais de perto essa consciência, conforme as células sociais: sexo, faixa etária e escolaridade. A variável sexo mostrou que, no extremo oeste catarinense, homens e mulheres apresentam, praticamente, os mesmos resultados em relação ao tema abordado. Os homens, apesar de pouca diferença, lideram com 632 palavras assinaladas, perfazendo 50,40% do total, ao passo que as mulheres com 622 palavras, isto é, 49,60%. Abaixo, constam, resumidamente, os resultados dessa variável:
TABELA III: Variável sexo
Sexo
|
Feminino
|
Masculino
|
Número de informantes
|
65
|
65
|
Número de palavras
|
622
|
632
|
Porcentagem
|
49,60%
|
50,40%
|
Quanto à variável faixa etária, é preciso levar em conta que não foi entrevistado o mesmo número de pessoas por cada faixa, uma vez que os informantes foram, aleatoriamente, escolhidos, não sendo possível manter a igualdade. Também é importante acrescentar que entrevistamos 75 pessoas de 18-29, 35 de 30-45 e 20 de 46-60 anos de idade.
Os resultados podem ser conferidos na tabela que segue:
TABELA IV: Variável faixa etária
Faixa etária
|
18-29
|
30-45
|
46-60
|
Número de informantes
|
75
|
35
|
20
|
Número de palavras
|
681
|
332
|
241
|
Porcentagem
|
54,31%
|
26,48%
|
19,22%
|
Com base nessa tabela, podemos observar que o nível de conhecimento por faixa etária não é tão desproporcional, considerando o número de informantes de cada faixa. Considerando os resultados acima, os jovens têm mais consciência de vocábulos de origem indígena, ou seja, 54,31%, ao lado de 26,48% para os de 30 a 45 anos e 19,22% para os de 46 a 60 anos. Em relação à escolaridade, também, não temos o mesmo número de informantes por nível. Logo a seguir, podemos conferir os resultados:
TABELA V: Variável escolaridade
Escolaridade
|
Ensino Fundamental
|
Ensino Médio
|
Ensino Superior
|
Número de informantes
|
17
|
39
|
74
|
Número de palavras
|
210
|
321
|
723
|
Porcentagem
|
16,75%
|
25,60%
|
57,66%
|
Os resultados dessa tabela mostram que as pessoas do ensino superior apresentam maior conhecimento dos vocábulos de procedência indígena, embora tenhamos entrevistado mais informantes deste nível escolar, 74, os quais assinalaram 723 palavras, o que equivale a 57,66% do total. As 39 pessoas entrevistadas do ensino médio assinalaram 321 palavras, perfazendo 25,60% e entre as do ensino fundamental, 17 informantes assinalaram 210 palavras, o que corresponde a 13,08%.
A segunda questão interrogava os informantes sobre o significado das palavras indígenas, que constavam no questionário: 100 pessoas, ou seja, 76,92% disseram não conhecer o significado de cada vocábulo, ao passo que 30 informantes, 23,08%, declararam saber seu significado. Essas freqüências baixas são coerentes com os resultados da 1ª questão, já que a grande maioria teve dificuldade em identificar palavras de origem indígena, conseqüentemente, seria de se esperar que não soubessem seu significado.
A terceira tinha por objetivo verificar se os informantes sabiam, além dos vocábulos assinalados na primeira questão, outras de origem indígena. A maioria dos questionários não obtiveram respostas para essa pergunta, ou seja, em torno de 85% das pessoas não mencionaram outros vocábulos; outras apenas repetiram alguns da questão anterior. Entre os termos de origem indígenas, foram citados: tupi, pagé, Xapecó, Xaxim, Xanxerê, guará, carajá, Curitiba, Tainá, Tunápolis, oca, Indianará, Uruguai, Guarujá, Paraguai, Taianára, Poliana, peteca, Guaracy (Deus do sol), Ubiratã, tupã, Ubirajara, Tiaraju, curumim, Xingu, Oiapoc, Cunhã Porã, Iraceminha, saci, caipora, Iraí, Iguaçu, Iara, curupira, urucum, aipim, Jarágua, cacique, pitanga, Iporã, Içara, Caiçara, uirapuru, Peri, tapioca, Itamara, Mondaí, Caibi, Jupiri, Piauí, Cauê.
A quarta questão estava relacionada ao número de línguas indígenas que ainda existem no extremo oeste catarinense. Embora grande parte dos entrevistados tenha respondido que ainda existem, cerca de, 2, 3 até 4 línguas faladas nessa região, não há nenhuma. Outros informantes entrevistados sequer responderam a essa questão, alegando não terem conhecimento sobre o tema. Houve, também, um número bem reduzido de informantes que disseram não haver mais línguas indígenas faladas, nessa região, mas ressaltaram que ainda existem os conhecidos bugres, dos quais não se sabe a origem: se é indígena ou não.
A última questão proposta aos informantes interrogava-os se consideravam importante terem conhecimento de aspectos relacionados à história da língua portuguesa. 100% responderam que sim, mas não sabemos se essa resposta é sincera, ou se eles achavam que era isso o que gostaríamos de ouvir deles, pois nos apresentamos como membros da UNOESC/SMO e cabe às universidades, às escolas brasileiras fazer algo para resgatar as línguas, a cultura e a história dos povos indígenas.
A história mostra que milhares de índios foram dizimados e aos poucos, vão desaparecendo, bem como suas línguas. Durante 500 anos, a escola feita pelos brancos queria que o índio deixasse de ser índio. O catolicismo guerreiro da época dos jesuítas achava que só existia um caminho para Deus. E os índios eram obrigados a abandonar sua língua e sua religião. A sabedoria indígena contém milhares de informações sobre a floresta, a natureza, a origem do mundo. Se essas línguas desaparecerem, é como se nós estivéssemos queimando uma biblioteca. Não podemos mudar a história, mas talvez tudo pudesse ser diferente, como propõe Oswald de Andrade (apud Coutinho, 1976, p. 220) em sua poesia, Erro de português:
Quando o português chegou Debaixo duma chuva bruta Vestiu o índio Que pena! Fosse uma manhã de sol O Índio teria despido O Português
E quem sabe, se o índio tivesse “despedido” o português, ele não teria sido dizimado como foi e atualmente, não comemoraríamos o Dia do Índio, dado que só os desiguais, discriminados, têm um dia para se pensar neles e no restante do ano, são esquecidos: ou será que existe o Dia do Alemão, do Italiano, do Português?
REFERÊNCIAS BONA, Avelino de. Evolução histórica de São Miguel do Oeste – SC. São Miguel do Oeste, SC: McLee, 2004. CAMARA JR, J. Mattoso. Introdução às línguas indígenas brasileiras. 3. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1979. CARVALHO, Nelly. Empréstimos lingüísticos. São Paulo: Ática, 1989. COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de gramática histórica. 7. ed. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1976. D´ANGELIS, Wilmar da Rocha. Para uma história dos índios do oeste catarinense. In: Para uma história do oeste catarinense: 10 anos de CEOM. Chapecó, 1989. 336 p. FONSECA, Eduardo. É impossível uma unificação ortográfica com os demais países de “Língua Portuguesa”!. Artigo. 2004. Disponível em: <http://www.geocites.com/RainFores/Jungle/6885/ias28-33/31mapa.htm>. Acesso em: 12 set. 2005. FRANCHETTO, Bruna – “Línguas e História no Alto Xingu”. In: Os povos do Alto Xingu - História e Cultura (organizado por Bruna Franchetto e Michael Heckenberger), Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2001. Disponível em: <http://www.socioambiental.org/pib/portugues/linguas/trabling.shtm>. Acesso em: 10 out. 2005. HEINSFELD, Adelar et al. A região em perspectiva: diferentes faces da história catarinense. Joaçaba, SC: Edições UNOESC, 2001. JUNGBLUT, Roque. Documentário histórico de Porto Novo. São Miguel do Oeste: Arco Íris gráfica e Editora Ltda, 2002. MELO, Gladstone Chaves de. Iniciação à filologia e à lingüística portuguesa. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1981. NAVARRO, Eduardo de Almeida. A língua dos índios está de volta.. Artigo. [2004?]. Disponível em: <http://galileu.globo.com/edic/89/conhecimento2.htm.>. Acesso em: 12 set. 2005. OTHERO, Gabriel de Ávila. Introdução ao português histórico. São Leopoldo: Edições COOPRAC, 2000. PIAZZA, Walter Fernando. A colonização de Santa Catarina. 3 ed. Florianópolis, SC: Lunardelli, 1994. POLI, Jaci. Caboclo, pioneiro esquecido. Monografia. Chapecó: FUNDESTE, 1987. In: Cadernos do Centro de organização da Memória Sócio-Cultural do Oeste de Santa Catarina. Chapecó, 1995. RADIN, José Carlos. Italianos e Ítalo-Brasileiros na Colonização do Oeste Catarinense. 2 ed. Joaçaba, SC: Edições UNOESC, 2001. RODRIGUES, Aryon Dall'lgna. Línguas brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 2002. ___________. Sobre as línguas indígenas e sua pesquisa no Brasil. IN: Línguas do Brasil. Ciência e Cultura. N.2. Abril/Maio/Junho de 2005. ___________. As línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. In: D.E.L.T.A, 1993, vol. 9 (1), p. 83-103. ROSSETO, Santo. Síntese histórica da Região Oeste. 1986 . In: Cadernos do Centro de organização da Memória Sócio-Cultural do Oeste de Santa Catarina. Chapecó. Nº 1, 1995. SCHMIDT- RIESE, Roland. Perspectivas diacrônicas brasileiras: o rastro das línguas gerais. Artigo científico. Manuscrito, [1999?]. TEYSSIER, Paul. História da língua portuguesa. 7. ed. São Paulo: Fontes, 1997. THOMÉ, Nilson. Civilizações primitivas do Contestado. 1. ed. Caçador – Santa Catarina: IUL, 1981.
Dirce Welchen (Professora pesquisadora) Márcia Cristina Fassbinder Zonatto (Bolsista pesquisadora)
[1] O autor escreveu Gê com G, mas Aryon Rodrigues grafa tal palavra com J, e nós preferimos seguir este último, uma vez que é considerado o maior especialista em línguas indígenas.
[2] A análise será feita com base no questionário aplicado. |
OK.