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Edições Anteriores 234 A singularidade na sociedade contemporânea: a emergência da discussão étnica nos espaços educacionais
A singularidade na sociedade contemporânea: a emergência da discussão étnica nos espaços educacionais PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Meire Fava   
Qua, 28 de Julho de 2010 00:00

             A questão étnica é presença constante no meio educacional, seja pelo debate ou pela necessidade de repensar práticas pedagógicas com caráter formativo e ético, na reformulação de estratégias ao se pensar os espaços formativos, sobretudo, o escolar, considerando as relações existentes entre a produção do conhecimento e a formação de identidades.

             Mesmo sem estar presente uma postura reflexiva, com base científica, é possível identificar que a igualdade, liberdade e oportunidades, preconizada sobretudo pela Constituição, não é uma realidade para todos/as. A realidade  pluriétnica que configura o Brasil, somada ao distanciamento aos bens culturais e econômicos da população em geral, preconiza por meio das diferenças, a possibilidade de acirramento de preconceitos e, conseqüentemente, a discriminação étnica.

           Discriminação esta entendida como o ato concreto de intolerância frente a grupos com relativas semelhanças culturais e caracteres somáticos. Como sinaliza, SANTOS (2002, p. 34), “o Estado brasileiro continua em fuga de uma ação política que resgate a honra nacional. A ausência irresponsável do setor público em vários locais, como nas favelas, por exemplo, reflete a cultura de exclusão cultuada aqui. O desleixo com que sempre se tratou os mais humildes no Brasil, advém desse caráter que  dominou o país por 350 anos: nada para a escravaria.”

            Se a origem e a realidade brasileira se configuram a partir da diversidade étnica, é fundamental para o acolhimento e exercício solidário, ético, crítico, enfim cidadão, que as pessoas sejam provocadas às reflexões sobre os elementos constituintes na criação e configuração das sociedades humanas, dialogando sobre a discriminação étnica.

            É fundamental gerar espaços significativos de discussão e intervenção na construção efetiva de uma democracia étnica. Haja vista que nas redes dos simbolismos da sociedade, é condição para essa efetivação, o desvelamento das significações que são construídas em torno da questão étnica. Essas significações enquanto construção simbólica se embasam, de acordo com BORDIEU (1988), nas representações mentais dos/as atores/atrizes sociais, com base nos interesses e acervo cultural que partem de processos de visualização, reconhecimento e conhecimento de símbolos culturais.

            No mundo contemporâneo, em meio a múltiplas representações coletivas, a problemática dos/as afro-brasileiros/as é penalizada pela hierarquização dos saberes e bens culturais que privilegiam a cultura européia branca, estigmatizando a origem negra no processo de apropriação cultural, o que leva a cristalização de um imaginário estereotipado e excludente.

            Uma vez que a população brasileira é fruto de uma mistura de etnias, muitos/as não se conscientizaram do problema da discriminação étnica enquanto exercício de atitudes sectaristas ao distorcer e dissimular problemas sociais e políticos no preconceito, na exclusão e na prática discriminatória. SANTOS (2000, p.72) afirma que “o racismo disfarçado da sociedade brasileira ocupa todos os espaços, desde a escola até o cotidiano das ruas.” A fragmentação cultural fragiliza uma nação e, hoje, a busca de uma identidade humanizadora é um desafio para toda a comunidade mundial. A influência e a valorização da origem negra faz parte desse desafio, na medida em que a consolidação da sua condição de marginalidade acarreta grave desconstrução identitária e semelhante fragilidade cultural.

            Diante desse cenário – exclusão, estigmas, preconceito, alienação identitária – faz-se necessário enveredar nas tramas sociais, para compreender como as pessoas, ao produzirem sua existência, produzem igualmente as condições de sua destruição, na medida em que não possibilitam enxergarem a si mesmos/as e aos/as outros/as como sujeitos/as que, constituídos/as por inúmeras diferenças, promovem a dinâmica da vida.

            No cotidiano educacional ainda é premente conhecimentos e instrumentos para que se possa lidar com questões envolvendo diversidade de gênero, classe e etnia dos/as educandos/as. A ausência de saber e instrumental podem contribuir para que as crianças, adolescentes e jovens aprendam e cristalizem idéias anti-étnicas e prática discriminatórias. Acredita-se que é fundamental a busca de um convívio entre pessoas baseado na alteridade e acolhimento do/a outro/a, com todas as suas diferenças, com identidade própria e com sua história, pois é essa. O móvel principal da presente pesquisa e seus objetivos voltaram-se à investigação das manifestações de discriminação étnica na escola de Educação Básica e a forma como os/as docentes questionam e constróem suas práticas pedagógicas, bem como as possíveis formas para enfrentamento do preconceito, relacionando atitudes discriminatórias decorrentes de lacunas na formação e atualização profissional dos/das profissionais da educação. A partir da análise dos discursos empreendida foi possível circundar o problema e alcançar os objetivos do estudo, indicando a necessidade de aprofundamento da pesquisa.

            Muitos/as autores/as referenciados/as propõem a reflexão sobre essa temática, discutindo a questão da raça. Contudo, a partir da análise empreendida na pesquisa, verificou-se que tal termo não condiz com a dimensão dos diferentes grupos, uma vez que só existe uma raça, a humana. Portanto, optou-se, diferentemente desses/as autores/as pelo uso do termo etnia, acreditando que o mesmo possui abrangência necessária para incluir todos/as com as suas diferenças.

           Com relação à análise dos discursos, estes refletiram imagens estereotipadas, impregnadas de preconceitos e discriminações étnicas, com relações entre os/as diferentes totalmente ignoradas, mediante a utilização de mecanismos de negação que dificultam a conscientização para o combate à discriminação étnica.

            Sendo o/a docente um dos/as atores/atrizes fundamentais para o fazer pedagógico, buscou-se no início das entrevistas verificar se os/as profissionais da educação tinham clareza de sua raça e etnia, e caso não tivessem consciência dos referidos conceitos, evidenciar, desta forma, um dos motivos do acirramento do processo de discriminação étnica nos espaços formativos dos quais participam.

           Após essa pesquisa, clarificou-se, por meio dos depoimentos, a ausência de um discernimento acerca da significação contemporânea das palavras raça e etnia por parte dos/das docentes,  apontando para uma possível alienação, pois, se desconhecem os termos usais do cotidiano e as situações que deles derivam, como então, intervirão eficazmente frente a situações de discriminações étnicas em suas salas de aula? Há, porém, um pequeno número de docentes que percebe a existência de uma heterogeneização entre seus/suas alunos/as. Contudo, um número significativo acredita na padronização e homogeneização, levando à reprodução de situações concretas de preconceitos étnicos entre os/as ditos/as diferentes, denotando que, além de ignorados eles são reforçados no ambiente escolar.

            Por acreditar-se na importância da distinção entre os termos preconceito e discriminação, o que permitiria aos/às profissionais da educação intervirem em situações reais de discriminação no interior de suas salas de aula e outros espaços formativos, por meio de atividades reflexivas de valorização e acolhimento dos/das diferentes, buscou-se verificar se os/as docentes conseguiam diferenciá-los. Infelizmente, detectou-se que esses conceitos se encontram naturalizados, fomentando a discriminação étnica como uma realidade natural e fantasiosa, pela não definição clara do que vem a ser uma discriminação ou um preconceito, assumindo ,assim, uma atitude defensiva, por não saberem agir frente a situações reais, favorecendo a exclusão das minorias.

            Um outro questionamento levantado entre os/as profissionais que participaram da  pesquisa foi em relação a formação que tiveram, e que estão tendo, para lidar com situações reais de discriminações étnicas, pois se discute muito as lacunas deixadas pelos centros formadores em seu preparo técnico e político. Porém, pouco se faz para a superação desse problema.

           Ao perguntar-se aos/às educadores/as se a sua  formação acadêmica lhes deu condições para enfrentar situações concretas de atos preconceituosos e discriminadores, intencionou-se  que suas respostas apontassem para caminhos favoráveis ao enfrentamento dessas questões. Contudo, o conteúdo de suas respostas afastou tal intenção, posto que um número considerável afirmou não ter acesso, em sua formação inicial, em qualquer discussão acerca das discriminações étnicas que poderiam ocorrer no cotidiano escolar, e ainda, afirmaram uma ausência de formação específica em seus cursos, denotando insegurança dos/das mesmas no trato com as questões ocorridas entre os/as desiguais.

            Ficou visível em algumas respostas a reprodução dos padrões de discriminação presente na realidade escolar, e o quanto está enraizada essa cultura, bem como a banalização de situações reais, nas quais seria exigida a intervenção do/da docente na superação dessas ocorrências. Constatou-se, igualmente, a falta de preparo dos/das mesmos/as para o exercício de ações afetivas. No entanto, os/as profissionais demonstraram ter a consciência da complexidade do trabalho com as diferenças no interior da escola, e, por não se sentirem inábeis, muitos buscam fundamentos na metafísica, apregoando a igualdade e a harmonia divina como resposta aos fatos, tal como eles se apresentam, escamoteando a realidade, fugindo do saudável conflito necessário à negociação das diferenças. A fuga do saudável conflito, culmina na homogeneização dos/das alunos/as, levando à adoção de uma postura massificada de negação das diferenças. 

          Percebe-se então, lacunas na formação atual dos/das profissionais que transitam no meio educacional. Devido, também, a essas lacunas, esses/as profissionais que deveriam colaborar no combate à discriminação étnica, acabam, contrariamente, favorecendo e disseminando preconceitos, de maneira imperceptível e sutil, impedindo um trabalho que propicie a troca entre os/as diferentes.

            Os atos de discriminação étnica aparecem revestidos de inúmeras roupagens, e muitos dos/das docentes entrevistados/as afirmaram não terem vivenciadas situações discriminatórias em seus espaços formativos, demonstrando constrangimento em suas respostas, dissimulando a inabilidade em lidar com tais situações, advindas de uma série de fatores como: formação deficitária, ausência de política de formação da categoria dos/das profissionais da educação e ausência de uma política de atualização constante.  Somados à negativa apresentada pelos/as docentes, encontra-se, ainda, aqueles/aquelas que não percebem, ou não desejam perceber, que comentários, piadinhas e anedotas são mais uma forma de discriminação contra os/as afro-descendentes, sinalizando para aqueles/aquelas aos/às quais discriminam que podem repetir a sua ação, pois nada é feito, levando a uma banalização da discriminação étnica.

           Piadinhas, gracejos, apelidos e chacotas induzem a negação da humanidade dos/as afro-descendentes, contribuindo para alimentar a teia de sua inferiorização, que é naturalizada na cultura brasileira, como uma atitude considerada por muitos/muitas como louvável e engraçada. E, aqueles/aquelas que se indignam são estigmatizados/as, quando, na realidade, tais situações denotam falta de respeito para com os/as afro-descendentes, ocorridas na sociedade e no meio educacional, isolando ainda mais os/as considerados diferentes.

            O discurso mais freqüente entre os/as docentes é de que ao/a negro/a são relegados papéis secundários, devido à ignorância em que vivem, desconhecendo a sua história, suas raízes, de onde poderiam retirar apoio e estímulos para lutar contra a discriminação dissimulada que sofrem, deixando de possuir, desta forma, um papel mais ativo na sociedade brasileira. Esta postura parece eximir a sociedade de sua responsabilidade, delegando unicamente aos/às negros/as a manutenção e permanência de sua condição. Nesse sentido, observou-se a resistência de muitos/as educadores/as em explicitar, de modo claro e aberto, o problema da discriminação étnica no interior de seus espaços formativos.

            Portanto, é complexo apontar o/a discriminador/a e o discriminado/a uma vez que, a discriminação permanece na sociedade, e, especificamente na instituição escolar, aparece de forma sutil, velada e enraizada nas consciências de quem nela transita. Muitos/as preferem a dissimulação ao afirmar que não vivenciaram nenhuma atitude discriminatória, não reconhecendo, dessa forma, o que é, infelizmente, usual acontecer no interior dos espaços formativos. Negando a realidade, como forma de buscar um tratamento igualitário para todos/as, silenciando as vozes daqueles/as que mais precisam ser ouvidos/as, não reconhecendo as diferenças entre seus/suas alunos/as e evitando sua aceitação, fertiliza-se o campo para a discriminação étnica, ferindo e marcando profundamente aqueles/as que são diferentes, e por sua diferença não são aceitos/as, salvo aqueles/as que se encaixam em uma padronização social e culturalmente aceita.

         Urge a necessidade no sentido de que todos/as os/as educadores/as, no ambiente escolar, lutem para não transformar diferenças étnicas e culturais em desigualdades embasadas em resultados escolares de reprovação ou aprovação. Para conseguir tal intento, a escola precisa tornar-se um ambiente profícuo em termos de trabalho de aceitação das identidades. Porém, pelas respostas dos/das entrevistadas, verificou-se que esse espaço não é aproveitado em função do despreparo dos/das profissionais em lidar pedagogicamente com o tema, bem como pela ausência de orientação por parte da equipe pedagógica. Um fato relevante observado nas entrevistas realizadas é que os/as docentes delegam a pessoas externas ao ambiente escolar, ou à equipe pedagógica da escola, uma espécie de capacitação  sobre a temática das relações étnicas, o qual poderá estar reduzido ao caráter meramente informativo, não compreendendo os/as mesmos/as a necessidade de uma atitude práxica, na qual a articulação, troca e negociação das diferenças, são componentes curriculares na educação escolar.

          É necessário que cada educador/a assuma o seu papel no processo de transpor a lacuna da formação inicial, preocupada tão somente com princípios pedagógicos e didáticos gerais, olhando criticamente para possíveis ações pedagógicas que favoreçam o combate ao preconceito e à discriminação étnica, tais como programas pedagógicos multiculturais, encontros, seminários e cursos de especialização que abordem, analisem e discutam os problemas das relações multiculturais, todos baseados na troca entre os/as diferentes, visando a superação da mera transmissão de informações fundamentadas em propostas pedagógicas reprodutoras da cultura da dominação e manutenção de um grupo subordinado a outro.

        Percebeu-se por meio dos depoimentos dos/das docentes a necessidade de uma formação continuada, permanente e, sobretudo em serviço, articulada com o cotidiano da sala de aula e com o contexto escolar, por meio de um trabalho interdisciplinar sobre as questões pertinentes a essa problemática, envolvidas entre as diferentes áreas curriculares, e que integram os diversos saberes, nas quais se reconheçam as múltiplas identidades culturais. Esses profissionais constituem os/as atores/atrizes que intermediam a escola com a sociedade, na qual a questão étnica deve ser pensada, não só com relação ao/à negro/a, mas também com relação ao/à branco/a.

         Há de se concordar que as atuais leis brasileiras são contrárias a qualquer ato de preconceito e discriminação contra os/as afro-descendentes e protegem o/a cidadão/ã. Ações afirmativas estão aflorando na sociedade, mas os resultados ainda são pequenos, e a impunidade encontra-se em níveis alarmantes.

         A legislação brasileira permite que se tenha o acesso à igualdade, contudo não se preocupa com a chegada à igualdade de fato, a qual dificilmente será alcançada, pela característica de seres humanos/as mutáveis e eternamente desiguais. Entretanto, essas leis apregoam uma igualdade de direito para se chegar, ou se tentar chegar, a uma eqüidade de fato. Por isso, a importância de uma concepção multicultural e uma mediação crítica nos  processos educativos.

          O que está acontecendo no cotidiano escolar? Buscou-se detectar em que medida os/as docentes possuem discernimento acerca dos preceitos legais que  têm a intenção de proteger os/as afro-descendentes de possíveis discriminações étnicas e outras formas de enfrentamento do preconceito e discriminação. Por meio das entrevistas verificou-se que os/as docentes desconhecem a legislação vigente. O fato é que a lei, por si só, não garante a inclusão das minorias na sociedade, na realidade, observa-se o contrário, pois faltam mecanismos que favoreçam o alcance dessa possibilidade. No meio escolar, a tentativa de mudança  acontece de maneira isolada em determinados movimentos sociais, apresentando-se de maneira conflituosa e contraditória.

         A lei só se transformará em direito na medida em que os/as profissionais da educação, no interior de suas escolas, construam práticas concretas e inclusivas que não discriminem e nem excluam nenhum grupo étnico. Repensando os direitos, reformulando as leis, redimensionando a formação dos/as educadores/as, construindo argumentos éticos que superem os legais, far-se-á, talvez, com que os equívocos, estigmas e estereótipos sejam gradativamente uma lembrança infeliz da história. Ao concluir a pesquisa, ao menos parte dela, constatou-se não no todo, mas em parte, que inúmeras discriminações étnicas vêm ocorrendo no meio educacional, por meio de piadinhas e chacotas, as quais os/as docentes acreditam ser normais, não se concretizando efetivamente em uma discriminação de fato, o que mostra que o caminho para mudar tais atitudes será muito árduo, pois a falta de ações pedagógicas torna a escola um palco de violências étnicas.

         Urge a necessidade de  discussão da questão étnica com a participação de todos/as os/as envolvidos/as com a educação escolar, reconhecendo que a discriminação contra os/as afro-descendentes existe, identificando-a no espaço escolar, e, posteriormente elaborando trabalho de acolhimento, reconhecimento e troca com os/as diferentes, emergindo o problema, dialogando sobre e com ele, combatendo os medos e receios que ocorrem no cotidiano.

         Os/as profissionais da educação necessitam buscar continuamente o desafio da constatação das diferenças, incentivando em seus/suas grupos formativos o entendimento, a aprendizagem, a aceitação e troca entre as diversas etnias, praticando cotidianamente a alteridade, favorecendo, dessa forma, o crescimento e a compreensão das diferentes identidades.

         É fundamental entender que o processo de troca entre os/as diferentes torna a aprendizagem muito mais rica, criativa e integradora, favorecendo a criação de uma nova realidade. Intenciona-se, dessa forma, que a pesquisa relatada nesse artigo, contribua para que os/as profissionais da educação no seu fazer pedagógico, tenham condições de refletir sobre essa temática, transformando a sua prática,  bem como àqueles/as que sofrem discriminações e preconceitos, para que, por meio de um novo olhar, insistam na luta pelo reconhecimento e aceitação de sua identidade.

 

Autor deste artigo: Meire Fava - participante desde Ter, 18 de Agosto de 2009.

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