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Colunas Edgar Gastón Jacobs Flores Filho SOBRE O ENSINO, A REGULAÇÃO E AS INSTITUIÇÕES ESPECIALMENTE CREDENCIADAS
SOBRE O ENSINO, A REGULAÇÃO E AS INSTITUIÇÕES ESPECIALMENTE CREDENCIADAS PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Edgar Gastón Jacobs Flores Filho   
Seg, 25 de Janeiro de 2010 14:08

Edgar Gastón Jacobs Flores Filho. Doutor em Direito. Professor. Diretor da CONSAEJUR.

 

 

 

Nos nossos cursos tivemos a oportunidade de dizer que, no Brasil, muito antes das atuais agências regulatórias, os conselhos exerciam a importante tarefa de equilibrar os interesses e garantir resultados que não são produzidos na dinâmica dos mercados. Nesse sentido, destacávamos a regulação como uma atividade estatal que busca assegurar os objetivos públicos das atividades econômicas em áreas de grande relevância social como o setor de ensino.

 

Recentemente, o Conselho Nacional de Educação divulgou parecer, ainda pendente de homologação, sobre “a revogação das normas para o credenciamento especial de instituições na?o-educacionais”. A nosso ver, este foi um ato que fugiu a regra dos atos do Conselho, negligenciando a relevância da regulação no setor de ensino e até mesmo alguns dispositivos constitucionais expressos.

As ditas “instituições na?o-educacionais” são instituições que, embora não satisfaçam as exigências mínimas para serem consideradas faculdades (corpo docente e estrutura pedagógica, por exemplo) se caracterizassem como “instituiço?es especializadas ou como ambientes de trabalho” com equipe qualificada, infraestrutura, “tempo de atuaça?o ou tradiça?o institucional, padra?o de excelência e vocaça?o acadêmica ou de pesquisa”. São instituições não-escolares, que apesar de possuírem estrutura diferenciada (hospitais, centros de pesquisa etc.) demonstraram ao longo do tempo a capacidade de oferecer qualificação e conhecimentos no nível de pós-graduação.

O parecer em questão, CNE/CES nº 238/2009, trouxe informações importantes sobre o grande número de instituições especialmente credenciadas e, como fundamento histórico-legal, expôs uma seqüência de resoluções do Conselho – antes Conselho Federal, hoje Conselho Nacional de Educação, da Resolução CFE nº 14/1977 até a Resoluça?o CNE/CES nº 5/2008.

Após estas considerações fáticas e jurídicas, a maioria dos conselheiros votou “pela extinção do credenciamento especial de instituições na?o-educacionais para a oferta de cursos de especializaça?o, preservando-se os efeitos legais decorrentes dos atos autorizativos ja? expedidos”; revogando as normas e pareceres recentes sobre o assunto e deliberando a favor da aprovaça?o do Projeto de Resoluça?o com as disposições transitórias.

Por fim, na proposta de resolução foram expostos os principais três efeitos dessa decisão:

·         O fim do credenciamento especial da instituições não-educacionais;

·         A extinção do credenciamento das instituições que já foram especialmente credenciadas no prazo previsto nos atos autorizativos ou, quando não definido prazo, em setembro de 2010;

·         A revogação das normas atuais sobre o credenciamento especial, notadamente da Resoluça?o CNE/CES n° 5/2008 e do § 4° do art. 1o da Resoluça?o CNE/CES nº 1/2007;

Em resumo, a idéia central do parecer é acabar a possibilidade de credenciamento das instituições “não-educacionais” – ou melhor, as instituições não-escolares – para oferecer pós-graduação. E esta atitude seria imediata, porque “o credenciamento especial na?o tem produzido os efeitos acade?micos e institucionais desejados para a evoluça?o do sistema de ensino superior brasileiro”.

Neste artigo nosso objetivo é analisar os fundamentos legais e os argumentos desse parecer, para contribuir com a discussão já instaurada abordando uma enfoque ainda pouco analisado: a necessidade de regulação do setor de ensino.

 

Nova constituição, novo conceito de educação

 

O Parecer CNE/CES nº 238/2009 deixa de lado o que deveria ser central numa discussão sobre credenciamento, ou seja, sobre a regulação no setor de ensino: a Constituição da República.

O parecer não se sustenta em face dos princípios e regras essenciais da educação nacional, porque se prende a normas menores. Além disso, insiste numa divisão radical entre o seu universo “acadêmico” e  os processos formativos no ambiente não-escolar (profissional, de pesquisa etc.), negligenciando a evolução das normas constitucionais.

Nesse sentido, observamos que apesar do detalhamento das resoluções sobre o credenciamento especial, não há menção a mudança no tratamento constitucional da educação, a partir de 1988. Quem lê o parecer tem a impressão de que o contexto normativo no momento das primeiras resoluções, de 1977, era igual ao da última, de 2008. Entretanto, a simples leitura do principal dispositivo sobre a educação na constituição de cada uma dessas épocas nos permite constatar diferenças:

 

“Constituição” de 1969

Constituição de 1988

Art. 168 - A educação é direito de todos e será dada no lar e na escola; assegurada a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana.

Art. 205 - A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

 

Se antes (à época da primeira resolução mencionada pelo CNE) a regra era uma educação “dada” apenas na escola e no lar, hoje a regra é uma educação promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. E mais, se antes o objetivo parecia ser a “unidade nacional”, atualmente a constituição prevê que a educação deve visar o “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

Desta comparação pode-se deduzir, no mínimo, que o conceito legal de educação foi ampliado. Passando de uma educação formal direcionada à consolidação da unidade nacional, para o desenvolvimento da pessoa, sob qualquer forma e com a participação da sociedade.

Deixando ainda mais evidente esta mudança, a LDB, de 1996, expôs que:

 

Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.

§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.

§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.

 

Diante desse novo quadro[1], é difícil sustentar uma divisão radical entre “acadêmico” e “profissional”. Especialmente, porque antes de ser instituição de ensino as instituições profissionais, por exemplo, são parte da sociedade e desenvolvem processos formativos equivalentes aos desenvolvidos nas escolas[2].

Mesmo diante da nova moldura legal, o parecer nº 238/2009 cita em alguns trechos a excepcionalidade do credenciamento, como conseqüência da ausência de necessidade de sua chancela “acadêmica”. E faz isso como se educação, gravada no nome do Conselho, fosse sinônimo de “academia” e o reconhecimento do processo formativo profissional fosse algo que foge ao seu interesse.

A nosso ver, o que as instituições especialmente credenciadas buscam é a chancela educacional e não acadêmica ou profissional. E essa “chancela” deve ser concedida por meio de regras claras e pelos órgãos competentes para regular a educação, não pelo mercado de trabalho. Em outras palavras, o que procuram as especialmente credenciadas é fazer valer seu direito/dever de atuar num setor regulado.

 

A regulação, o ensino e o Conselho Nacional

 

Regulação é uma atividade do Estado, que não pode deixar de ser exercida sob algumas atividades econômicas. Existem, certamente graus de regulação e até mesmo mercados não regulados, mas o setor de ensino, seja ele voltado para o trabalho ou não, é um setor que merece especial atenção.

Nesse rumo, o art. 209, expressamente preceitua que:

 

Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:

I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;

II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.

 

Diante desta norma, não pode haver ensino privado sem autorização e avaliação do Poder Público, ao contrário do que se depreende do parecer nº 238/2009. O ensino, como atividade econômica estruturada e habitual não pode depender apenas de chancela do mercado, até porque trata-se de um direito fundamental que deve ser oferecido com respeito a padrões mínimos de qualidade.

A afirmação de que muitas  das instituições especialmente credenciadas estão “pleiteando junto ao CNE validade perfeitamente encontrada nas respectivas corporaço?es”[3] resulta de uma interpretação distorcida: É como se a “validade” concedida pelo CNE não fosse atividade regulatória de grande importância para os estudantes; como se fosse apenas uma questão de conceder, ou não, “efeitos acadêmicos”.

Todavia, seja por ato do Ministério da Educação ou do Conselho Nacional deve existir autorização para exercício da atividade econômica de ensino. Deve haver regulação[4] porque o art. 209, da Constituição de 1988 exige esse controle para exercício das atividades de ensino pelos entes privados.

Reconhecer a possibilidade de uma certa “informalidade” do ensino oferecido de forma habitual e com finalidade de lucro é deixar de regular. E transferir esta atividade para outras instituições, como as entidades de classe, é deixar de tratar os estudantes dessas modalidades como alunos. Ou melhor, é tão absurdo – no sistema atual – quanto permitir que as associações e sindicatos de instituições de ensino autorizassem o funcionamento de novas IES.

O aluno tem direito à educação e o Estado tem o dever de autorizar e avaliar a qualidade das instituições que ofereçam ensino. Agir de outra forma seria reeditar o conceito de corporações de ofício, permitindo que o monopólio do ensino, nesse caso, na área profissional, fosse controlado exclusivamente por entidades de classe ou agências de classificação. Este pode até ser um conceito válido para alguns educadores, mas não é o modelo adotado pela Constituição.

Nesse ponto, para reforçar a argumentação, podemos recorrer mais uma vez a literalidade do texto constitucional, que prevê:

 

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

 

Conforme se depreende do texto, o Estado regulador “exercerá” a função de fiscalização, incentivo e planejamento. Não se trata de opção, mas de tarefa inafastável.

Esta tarefa, conforme nos revela a LDB em seu artigo 9º, cabe a União, e a competência no âmbito dos órgãos do Poder Público Federal para deliberar sobre os atos regulatórios de cursos superiores é do próprio Conselho Nacional de Educação (art.  9º, da Lei 9.131/1995).

 

Sobre os fatos e o parecer

 

Como base fática para a argumentação no voto do relator, o Parecer ..., descreve a baixa qualidade e a necessidade de padrões mínimos para o credenciamento especial. Descreve o grande número destas instituições (todas credenciadas pelo próprio CNE) e conclui pela necessidade de cancelar os credenciamentos atuais.

Vejamos alguns trechos do parecer:

 

Mesmo que se conheça o mapa institucional da oferta especialmente credenciada, na?o ha? como mensurar o tamanho do pu?blico beneficiado pelas iniciativas vigentes. Tambe?m na?o se tem avaliaça?o institucional das entidades credenciadas, nem da qualidade da educaça?o oferecida. Por todas essas razões, é natural que se considere, nesse momento, a revogação da
base legal para análise dos processos de credenciamento especial, com vistas a uma criteriosa
avaliação dessa inovação institucional com vistas a posterior deliberação sobre a
desiderabilidade de se restabelecer essa modalidade de credenciamento institucional.

[…]

Registre-se, por fim, que os efeitos do presente Parecer não impedem as instituições
não-educacionais de iniciar, manter ou encerrar a oferta de cursos que, eventualmente, já
oferecem livremente (grifamos).

 

Nestes trechos observa-se que o CNE afirma não ter mais o controle do tamanho do mercado, em função, principalmente, da liberdade das instituições para criar novos cursos de pós-graduação lato sensu, e que “na?o se tem avaliaça?o institucional das entidades credenciadas, nem da qualidade da educaça?o oferecida”. Esta situação realmente é preocupante, segundo dados transcritos no parecer existem 115 instituições especialmente credenciadas, sendo que deste total 75 foram criadas no último triênio (2007-2009).

Porém, se o próprio Conselho Nacional de Educação reconhece que há uma atividade que ele vai regula-la por “posterior deliberação”, no nosso ponto de vista, não há porque descredenciar as instituições que já possuem a habilitação para atuar.

Na prática, existem exemplos como o dos centros universitários, o dos cursos de direito e de medicina, nos quais houve uma reformulação das regras de credenciamento, autorização e reconhecimento, em paralelo às ações de supervisão. No caso dos cursos mencionados, havia também dúvidas a respeito da qualidade e preocupações com o grande aumento da oferta, entretanto a postura comedida de modificar primeiro o marco regulatório e intervir apenas nas IES que efetivamente, mostrou-se correta. Com esta atitude, sem cancelar indistintamente os cursos problemáticos, as modificações feitas pelo MEC receberam legitimação social.

Por outro lado, a constatação de que o instrumental de avaliação “na?o reflete totalmente aquela interpretaça?o efetivamente pretendida pelo CNE” e de que algumas qualidades necessárias “na?o sa?o reunidas pela grande maioria das partes interessadas, ta?o pouco pelos especialistas designados para realizar as avaliaço?es in loco ou mesmo pelos o?rga?os encarregados da instruça?o processual”; não pode servir como argumento para entregar a regulação dos cursos ao mercado. Ao contrario, deveria reforçar a necessidade de manter e aperfeiçoar a regulação, sem prejuízo de mais medidas de supervisão.

Além disso, conforme já exposto, reconhecer a possibilidade de que os cursos possam ser mantidos sem a regulação é negar aos estudantes o direito de um curso com qualidade mínima, deixando de aplicar os artigos 209 e 174, da Constituição.

Para concluir, com base nos mesmos fatos expostos pelo CNE, entendemos que relegar os cursos ao mercado, para aguardar “criteriosa avaliação” de uma possível inovação institucional é criar o caos para discutir a possibilidade de uma nova ordem.

E criar o caos, fato aliás, que já foi ressaltado como “insegurança jurídica” num dos votos vencidos, não é tarefa do Conselho Nacional de Educação, não ajuda no desenvolvimento da educação brasileira e, principalmente, fere dispositivos constitucionais expressos.

 

 



[1] É importante dizer que a LDB anterior – Lei 4.024/61 – era ainda mais tímida que a “Constituição” de 1969, não possuindo sequer uma menção ao relacionamento com o mundo do trabalho.

[2] No próprio Conselho Nacional de Educação, há entendimento de que existe um preconceito em relação à educação para o trabalho e que isto deveria deixar de existir depois de 1988. Nesse sentido o Parecer CNE/CP nº 29/2002 registrou que: “... chegamos à última década do século vinte ainda tratando a educação para o trabalho com o mesmo tradicional e arraigado preconceito, colocando-a fora da ótica dos direitos universais à educação e ao trabalho. Essa visão preconceituosa foi profundamente reformulada em 1988, pela Constituição Federal e, em decorrência, em 1996, pela atual LDB, a Lei Darcy Ribeiro de Educação Nacional...".

[3] Trecho da Indicaça?o CNE/CES no 2/2009, inserida no início do Parecer nº 238/2009.

[4] O Decreto nº 5.773/2006 “traduziu” a expressão constitucional “autorização” como “regulação”. Para confirmar essa alteração de nomenclatura, basta analisar o § 1º, do art. 1º, deste Decreto: “A regulação será realizada por meio de atos administrativos autorizativos do funcionamento de instituições de educação superior e de cursos de graduação e seqüenciais”.

 
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