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Gestão Universitária

Edições Anteriores 198 O whisky japonês e a crise do ensino superior no Brasil
O whisky japonês e a crise do ensino superior no Brasil PDF Imprimir E-mail
Escrito por Samuel José Casarin   
Qua, 22 de Julho de 2009 00:00

Ao longo do tempo aprendi a apreciar uma bebida a qual bebo com especial prazer, em doses comedidas, sem abusos, mas com um enorme ritual: whisky. Adoro whisky e, desde que comecei a apreciar esta bebida venho alimentando um sonho: viajar para a Escócia, nas “highlands” e saborear um puro malte escocês (ou até mesmo um blended) nas paisagens e no clima da terra de Sir Sean Connery.

 

 

Porém, dia desses, lendo um jornal, deparei-me com um artigo que sentenciava em seu título “Japão vira referência em uísque”[2]. Japão? Uísque? Referência em uísque? Perguntei admirado: desde quando? Sabe-se que o Japão é a terra do sol nascente, da alta tecnologia, dos terremotos, dos samurais, do saquê. Saquê, muito bom! Mas uísque (uísque com u no título do artigo)?

 

Depois de ter lido o artigo por completo, meu sonho de conhecer a Escócia não mudou nenhum pouco, mas que me deu uma vontade enorme de experimentar um whisky japonês, isso lá deu. Quem sabe um dia!

 

Muitos, a essa altura da leitura deste texto devem estar se perguntando: o que este artigo tem a ver com a temática deste periódico que trata de Gestão Universitária? Pois é, não parece, mas tem tudo a ver. Vejamos.

 

Vamos tomar (e não beber), como exemplo, alguns cursos “top of mind” das nossas instituições de ensino superior.

 

Primeiro exemplo: Administração da FGV e do IBMEC. Pergunto: qual coordenador de curso de Administração de uma IES qualquer, não sonha em ter seu curso equiparado aos da FGV e do IBMEC?

 

Segundo exemplo: Direito da USP – São Francisco. Pergunto: qual coordenador de curso de Direito de uma IES qualquer, não sonha em ter seu curso equiparado ao da USP?

 

Terceiro exemplo: Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Pergunto: qual coordenador de curso de Medicina de uma IES qualquer, não sonha em ter seu curso equiparado ao da Unifesp?

 

Poderia citar outros exemplos, mas paremos por aqui.

 

É preciso sonhar para chegar lá! Filosofia barata? Nem tanto.

 

Não adianta um gestor, coordenador de curso ou equivalente de uma IES dizer: “como é que eu vou oferecer um curso de Administração com mensalidade acima de mil reais tal qual o da FGV”? “Que público eu vou atingir”? “Minhas salas vão ficar ainda mais vazias”! “Isso é uma loucura”!

 

Não estou defendendo cursos a preços exorbitantes (ou escorchantes como disse uma vez um famoso político), mas quem pensa assim pensa pequeno e já sai derrotado pela crise atual. Um sonho não se realiza da noite para o dia. É preciso trabalhar, dar tempo ao tempo, semear, esperar, crescer e colher! É preciso também um pouco de benchmarking.

 

O Japão é, hoje, referência em whisky por que um cidadão japonês que também gostava de whisky, morou um bom tempo na Escócia onde aprendeu a arte de destilar esta nobre bebida. Aprendeu tudo sobre seu processo de produção. Depois, voltou para seu país – o Japão – e lá aplicou o que aprendeu. Adaptou o que era necessário. Adequou o produto e a produção à região, copiou, inovou e obteve, tempos depois, o reconhecimento estampado, entre outros lugares, no título do artigo do jornal ao qual me referi e, principalmente, no gosto dos apreciadores de whisky. Trabalhou com seriedade de propósito e obteve sucesso. Quer receita de sucesso melhor que esta?

 

Há mais ou menos cinqüenta anos atrás, um líder negro americano – Martin Luther King, ficou famoso por uma frase de um de seus discursos aos negros americanos da época: “I have a dream”. Lembremos que isso foi dito em uma época em que os Estados Unidos eram racistas ao extremo. Hoje, esse mesmo país elegeu um presidente negro – Barack Obama! O sonho de King era ter um país mais justo socialmente, sem racismo, com igualdade de condições para seus cidadãos. Se esse mesmo sonho não tivesse sido cultivado por outros que o seguiram ou, como disse Ben Zander em uma piada sobre King que teria dito que “teve um sonho mas não sabia porém se seria viável”, os Estados Unidos, provavelmente, ainda seriam um país racista tal qual era a África do Sul no período pré-Mandela.

 

Um sonho não precisa ser, necessariamente, realizado pelo seu idealizador, mas é fundamental que seu idealizador considere seu sonho factível, e é preciso começar por algum ponto.

 

A crise que hoje assola quase todo o ensino superior privado (há ilhas de excelência, sem dúvida) existe, em grande parte, porque o sonho foi sobrepujado pelo desejo de resultados imediatos, principalmente de lucros. Não pensem que estou aqui fazendo um artigo conservador, criticando um modelo mercantilista de ensino, apenas acredito que “a carroça foi colocada na frente dos burros”, e deu nisso.

 

A pergunta que se faz é: por que a grande maioria da oferta de vagas no ensino superior privado se concentra em cursos do tipo “cuspe e giz”? A resposta é simples: é por que são cursos que exigem baixo investimento e dão (ou davam até então) retorno financeiro em curto prazo. Isso é que, literalmente, vem matando o ensino superior privado no Brasil, daí também a desconfiança de muitos no EaD.

 

Quando alguém lança o seguinte pensamento: “Quanto posso pagar? Que tipo de ensino a instituição pode me oferecer por essa mensalidade?”, está caminhando na contramão da lógica. O aluno (cliente?) não pode impor um valor de mensalidade de curso a uma IES. A educação não é uma mercadoria (continuo dizendo, não sou conservador) cujo custo também dependeria da lei da oferta e procura, embora a concorrência extrema no ensino superior privado tenha convertido educação em commoditty. Daí a crise das IES. E não vai adiantar nada financiamento de BNDES. O rombo é mais fundo.

 

Na minha visão “as IES privadas não foram concebidas para oferecer cursos para as classes C e D”. As IES públicas têm seu papel definido na Constituição e elas sim têm que atender tais classes sociais. Fica fácil para uma IES pública oferecer, gratuitamente, curso de ótima qualidade para alunos de qualquer classe social. A União e o Estado, mantenedores das IES públicas, têm fontes de receitas variadas, o que as permitem manter corpo docente em tempo integral, com titulação, com capacitação constante e com financiamentos via órgãos de fomento (CNPq, CAPES, Faps, FINEP etc). A União e Estados têm dinheiro para isso e muito mais, embora apliquem esses recursos de maneira discutível. No caso das IES privadas a situação é totalmente contrária. O acesso a elas pelas classes C e D tem sido incentivado por programas como PROUNI e FIES, e nas públicas por sistemas (discutíveis) de cotas.

 

Ensino superior custa caro e as IES privadas não contam com o mesmo volume de recursos que as públicas (embora a grande maioria reclame da falta de verbas), logo precisam (ou deveriam) cobrar caro (valor justo) por seus serviços educacionais prestados, para que os mesmos tenham qualidade e sejam viáveis. Qualquer outra solução é conversa mole.

 

Professor (bom) custa caro, biblioteca atualizada e equipada custa caro, laboratórios e equipamentos modernos custam caro, infra-estrutura e manutenção custam caro, capacitação de pessoal docente e administrativo custa caro, material didático custa caro e tudo isso (e muito mais) tem que ser repassado para as mensalidades, que passa a ser cara também. Assim, “cursos de R$ 1,99” só enganam, porque é impossível garantir qualidade nessas condições; pois aí vale a máxima: “me engana que está me ensinando que eu te engano que estou aprendendo”. Basta, para conferir isto, verificar os resultados do ENADE dos cursos da maioria das IES privadas, que por sua vez se refletem no CPC (Conceito Preliminar de Curso) e no IGC (Índice Geral de Cursos) os grandes “bichos papões” das IES. Não foi à toa que muitas IES pressionaram o Ministério da Educação a não divulgar publicamente o CPC e o IGC.

 

Cabe ao aluno cliente, que vai pagar caro, exigir qualidade. Pode ter certeza absoluta que os alunos da FGV e do IBMEC, que pagam caro suas mensalidades, têm um padrão de exigência elevado. Não poderia ser diferente.

 

Assim, as IES privadas não conseguirão superar a atual crise seja com empréstimos do BNDES, seja com campanhas de marketing vendedoras de ilusões, seja diminuindo os valores de suas mensalidades, seja fazendo cortes e mais cortes ou ficar inventando diferenciais que de diferencial não tem nada.

 

A propósito, o whisky japonês custa tão caro quanto o melhor malte escocês envelhecido por anos em tonéis especiais. Isso porque para obter o melhor whisky do mundo foi necessário trabalho, investimento e dedicação, que resultou em um produto de qualidade inconfundível. Seria diferente no universo do ensino superior?

 

Saúde! Ou melhor, saionará!



[1] Consultoria e Capacitação.

[2] Jornal o Estado de São Paulo, sexta feira, 24 de abril de 2009. Negócios, B17.

 

Autor deste artigo: Samuel José Casarin - participante desde Qui, 16 de Junho de 2005.

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