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Managerialismo e a questão da gestão das universidades PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Dalva Magro   
Qua, 15 de Julho de 2009 00:00

Dalva Magro

Resumo:

As Instituições de Ensino Superior contemporâneas enfrentam crescentes instabilidades e turbulências bem como constantes pressões para se modificarem para responderem às solicitações da actualidade, gerir de forma eficiente os recursos disponíveis e adaptarem-se continuamente às mudanças no seu ambiente. A gestão managerialista desponta como prática ideal para bem governar, especialmente, instituições grandes e complexas, como as universidades públicas. Como sinónimo de bom governo, este sistema reorganiza e transforma as universidades sob os olhares preocupados do corpo docente. Neste ensaio, propomos uma discussão a respeito das consequências deste tipo de gestão para a criação do conhecimento científico nas universidades públicas e até que ponto a gestão destas se aproxima do modelo empresarial. Este paper faz parte de estudos que se encontram em andamento na Faculdade de Economia da Universidade do Porto - Portugal em projeto de doutoramento na área de Ciências Empresariais.



1. Introdução Para entendermos as mudanças que vêm ocorrendo nas instituições de ensino superior nestas últimas décadas, devemos começar por entender as pressões governamentais exercidas sobre as administrações públicas para obtenção de maior eficiência, eficácia, competição pela qualidade, prestação de contas e as tentativas de eliminação da corrupção, ou seja, as práticas administrativas do New Public Management conjugadas com a introdução do managerialismo. O New Public Management


A crise do Welfare State nos Estados Unidos e na Europa conduziu a perguntas sobre o papel e o carácter institucional do Estado. Deste questionamento surge a necessidade de reformas na administração pública. Porém, estas reformas só vão acontecer por pressões externas e no contexto de programas de ajuste estrutural.


A filosofia da New Public Management (NPM) torna-se a filosofia dominante na implantação destes ajustes estruturais. Seu objectivo central é a melhoria dos modos pelos quais o governo é administrado, com ênfase em eficiência, economia e eficácia (Larbi, 1999), bem como na implantação de políticas que premiam estas qualidades como forma de reorganizar e modernizar burocracias públicas.


No auge das ideias neoliberalistas, nos anos 70, este tipo de gestão era somente aplicado em países em desenvolvimento, através de instrumentos de gestão orçamentária que visavam tornar as finanças públicas mais vinculadas a objectivos. A partir dos anos 80, verificaram-se aplicações de variantes de técnicas de NPM em países com economias em transição os quais passaram a adoptar os modelos gerenciais importados da iniciativa privada, os quais foram os propulsores das grandes mudanças implementadas na administração pública (LARBI,1999).


No Brasil podemos dizer que este processo teve início em 1995 com a terceira reforma da gestão pública ou reforma gerencial do Estado, com o Plano Director da Reforma do Estado e o envio para o Congresso Nacional da emenda constitucional, que se transformou em 1998, na Emenda 19 (DOU, 1998).


Dentre as ideias chamadas neoliberais, podemos destacar, no que diz respeito as Universidades: os procedimentos avaliativos, a expansão do sistema de ensino privado; a ampliação das matrículas, o pagamento de propinas em alguns países; a diferenciação salarial entre os académicos, por introdução de sistemas méritos; a re-alocação de recursos públicos e a modificação do percentual do PIB nacional para os diferentes níveis de ensino; além da submissão de políticas públicas às recomendações de órgãos financeiros internacionais.


Com base nestas mudanças, podemos destacar três factores principais para que as organizações governamentais sejam impelidas a NPM: pressões económicas, ou seja, menores incentivos governamentais a certos sectores; compromisso político com a mudança por parte dos governantes, e um clamor popular por maior eficácia dos governos (Larbi, 1999).


Com ênfase no managerialismo, a NPM propõe padrões explícitos de medidas de desempenho, definição de metas, objectivos, indicadores de sucesso, sendo exigidos dos gestores que trabalhem a responsabilidade, clareza de metas, disciplina e eficiência, buscando sempre a realização plena dos objectivos, além de parcimónia no uso dos recurso.


Na forma de governação, a NPM prediz a incorporação de novos modelos de conselho de administração com a redução da influência de representantes eleitos e sindicatos. A autoridade de administração descentralizada substitui a tradicional alta hierarquia, criando estruturas mais achatadas (LARBI, 1999).


Além destas, algumas outras situações contribuem para a discussão em torno da necessidade de modificação do formato gerencial da administração pública. Em face da visão negativa que se tem da forma gerencial do sector público, fortaleceu-se a crença de que o sector privado possui o modelo ideal de gestão (Nogueira, 2005). Esta óptica foi fortalecida e ganhou aliados com a vitória dos conservadores na Grã-Bretanha, em 1979, tendo à frente Margareth Thatcher.


A partir dos estudos que estão sendo desenvolvidos buscando definir o tipo de Estado que se pretende para este século XXI, verifica-se um privilégio dos aspectos de gestão, com ênfase em resultados, através da optimização da utilização dos recursos financeiros, humanos e materiais disponíveis, o que representa um desafio diante das diversas vertentes teóricas que se dispõem a discutir a forma como deve ser estruturada a administração pública.


O Managerialismo


A introdução do managerialismo na gestão pública se dá a partir das consepções filosóficas do NPM e pode ser compreendida à luz das dificuldades a que o Estado e a sua organização administrativa tiveram que responder (Santiago, Magalhães & Carvalho, 2005). Nestes aspectos este tenta legitimar-se através da introdução de mudanças nas estruturas institucionais com o fim específico de melhoria na eficiência e eficácia organizacional. Ainda neste sentido, a introdução deste no sector público foi potencializada pela autonomização das instituições públicas, uma vez que na retórica managerialista a autonomia e a introdução de mecanismos de competição entre as instituições são consideradas essenciais para a obtenção da eficácia (SANTIAGO, et al, 2006).

Em sua consepção o managerialismo vai buscar soluções do sector privado para problemas do sector público, podendo ser interpretado como um sistema de descrição, explicação e interpretação do mundo a partir das categorias da gestão privada (Chanlat, 2002), traz ainda em seu contexto não só a indagação para eficiência e efectividade nas administrações públicas, mas também a necessidade de reformas tais como: a adopção de técnicas de administração de sector privadas e práticas defendidas para lidar com os problemas da velha administração pública.


Numa definição mais abrangente o managerialismo pode ser sintetizado em três termos genéricos: “desagregação+competição+incentivos” (Santiago, et al, 2005). A desagregação dá a ideia de fragmentação do sistema. A competição pressupõe introdução de mecanismos de competição através de escolha individual e das escolhas estratégicas das instituições no fornecimento dos serviços. Por último, destaca-se o incentivo da recompensa financeira pelos bons resultados obtidos.


Em seus estudos da Nova Gestão Pública, Felie et al, (1996), propõem que o managerialismo seja analisado com base em quatro modelos que seguem cronologicamente as diferentes fases de introdução e desenvolvimento na administração pública inglesa, desde meados de 1970, sendo eles: orientação para a eficiência, descentralização, busca pela excelência e orientação para os serviços públicos.

a) Orientação para a eficiência


Este modelo corresponde a introdução das técnicas de gestão privada para a gestão pública através do controle financeiro, comando e controle hierárquico, monitoração da performance, flexibilização do mercado de trabalho e a introdução de formas de governo do tipo empresarial (corporate governance).


b) Descentralização

Neste podem ser observadas a popularização do modelo orientado para a eficiência bem como da maior liberdade com controle e vigilância, mais especificamente nos programas de downsizing organizacional, maior flexibilização organizacional, padronização dos processos e a separação entre os grupos estratégicos da grande massa operacional.

c)Busca pela excelência


Neste modelo a busca pela excelência é o maior dos objectivos, tendo sido amplamente popularizada nos anos 80 através do chamados programas de qualidade enfatizando o importante papel dos valores da cultura organizacional. Neste modelo veremos o papel importante da aprendizagem, a valorização dos campeões organizacionais e a motivação para a descentralização, embora esta esteja atrelada aos resultados.


d) Orientação para os serviços públicos

Neste modelo veremos uma versão híbrida, a junção de pressupostos da gestão pública integrados a processos e pressupostos da gestão privada através da busca de qualidade nos serviços públicos, valorização da participação do voto e gestão diferenciada de tarefas, valores e políticas de acordo com as necessidades e especificidade do público alvo.


Os críticos do managerialismo, por sua vez, ignoram os contributos positivos que este oferece nos casos da regulação e do controle na gestão pública, tais como: a tentativa de eliminação da corrupção, a imparcialidade no tratamento dos casos individuais, regras previsíveis, desencorajamento de atitudes oportunistas em relação a incentivos externos e a equidade (POLLIT, 2003; SANTIAGO, et al, 2005).

Em suma, o managerialismo traz em seu bojo elementos normativos e descritivos sobre aplicação no sector público de técnicas da gestão privada, com vista a melhoria da qualidade, eficiência e eficácia dos serviços públicos, além da diminuição da despesa pública. Soma-se a isso um conjunto de técnicas para a obtenção de clientes, medidas de performance, descentralização da tomada de decisões (sem descuidar do controle), e o uso do mercado como fornecedor de serviços.


Partindo dos pressupostos acima descritos propomos como objetivo deste artigo a discussão de quais as conseqüências para as universidades públicas desta forma de gestão voltada para o mercado e até que ponto estas se encontram mais próximas do modelo empresarial. Sabendo que tradicionalmente estas sempre se posicionaram no mercado como instituições diferenciadas, não se aplicando na gestão das mesmas as regras que valem para o mercado. No entanto, devemos ter em conta que por contingências financeiras e pela normal evolução do mercado a meritocracia está chegando as universidades e estas terão que se adequar a fim de conseguirem financiamento para pesquisas de relevância mercadológica, ou que atendam ao questionamento “ qual a relevância prática e a aplicabilidade do resultado da pesquisa?” (SOARES, 2005).


Para atingir nosso objetivo a abordagem principal centrar-se-á no estudo destas mudanças, ao nível organizacional e de “governance”, e as suas implicações na forma de gestão. Usaremos como referencial (1) as teorias do New Públic Management- NPM e sua consepção filosófica de um estado minimalista, que opta pela autonomia dos seus entes reservando-se o poder de controle e o managerialismo que por sua vez trata da forma como o NPM é implantada dentro das instituições, fazendo com a gestão tenha um caráter mais voltado para índices de produção, com técnicas de gestão importadas da iniciativa privada, já apresentadas acima, (2) inseriremos as universidades neste contexto (2.1) descreveremos as possíveis conseqüências desta forma de governação já estudadas por outros autores e (2.2) analisaremos as implicações. Finalmente faremos algumas considerações (3) e para encerrar o artigo apresentaremos a (4) bibliografia utilizada. 2. As universidades neste contexto O managerialismo vem tomando conta da investigação no âmbito das universidades desde a década 80. Por conta deste, a autonomia das instituições e dos docentes-investigadores está a ser posta em causa e constitui-se como um indicador da adopção deste tipo de gestão. Outro indicador resulta, por exemplo, do fato de a investigação básica estar sendo colocada em segundo plano em detrimento da investigação aplicada . Certos países começam a ter défices pronunciados no domínio da ciência básica a qual, sendo um bem público, não obtém as atenções do mercado. (SANTIAGO, 2005).A revolução Tatcheriana, incidindo primeiro no sector da saúde e depois no do ensino superior, veio reforçar a ideologia managerialista, dado que as reformas no sector da saúde foram muito semelhantes às do ensino superior, embora na saúde tenham, em geral, sido mais fáceis de implementar. As tradições de autonomia do Ensino Superior e sua maior capacidade de influência direta sobre as decisões políticas faz com que as Universidades ainda esbocem algum tipo de reação.No entanto, alguns teóricos discutem que as universidades já estão a mover-se para um tipo de gestão mais voltada para as leis de mercado, ou seja managerialista. Santiago, et al, (2006), atribuem estas transformações aos impactos da globalização da educação, onde a ideologia de mercado e o mercado de regulação são fundidos com um grupo de práticas de gestão do sector privado - por exemplo, accountability, privatisation, downsizing, outsourcing, e budget diversification.Acrescido a estas práticas, nas instituições de ensino superior passa a ser privilegiada a integração disciplinar dos curriculuns dos cursos como forma de economia monetária além de uma maior integração de competências e o reconhecimento pela produtividade docente. Este processo está baseado na economia do conhecimento, que move as organizações públicas para uma economia de mercado (ALESTANO, 2006).


Nota-se ainda uma tendência das universidades para a criação de organismos de relacionamento com a comunidade, de centros de investigação interdisciplinar, gabinetes de imprensa e de marketing, estes dois ultimos nitidamente instigam a competição. Por outro lado, com possíveis evidências na lei, surgem pressões para a existência de conselhos de curadores (com representantes majoritários externos às instituições), substituindo-se aos órgãos colegiais. A sutileza desta tendência reside no fato de, a par da descentralização, estar a ocorrer uma concentração de poderes no topo (SANTIAGO, et al, 2005).

Todos estes imperativos gerenciais, agregados as pressões internas e externas, colocam as universidades em rota de colisão com a gestão tradicional, o que acarreta consequências. Consequências estas que veremos a seguir.


2.1 Possíveis consequências nas universidades

Algumas das possíveis consequências já observadas nos países da Europa são que em face da competição entre as universidades e outros produtores de conhecimento, as universidades terão que mudar seu status de financiadas pelos monopólios estatais para outros tipos de financiamento (Czarniawska & Genell, 2002), tendo que se voltar para da produção de conhecimento “produtivo” a fim de obter recursos para a investigação e desenvolvimento.


Uma consequência disso será a mudança de identidade das universidades e sua forma de gestão, não mais privilegiando a autonomia universitária, mas sim a meritocracia dos projectos com aceitação mercadológica, fazendo com que teorias como do NPM e do managerialismo tenham mais espaço na implantação das mudanças.


Outro efeito que já esta sendo sentido é a diminuição dos recursos destinados à educação. Esta mudança faz com que as universidades tenham que ir ao mercado captar recursos e em isto acontecendo, terão que encontrar uma fórmula para se adequarem à mudança e aumentar sua arrecadação.Aliado a isto, as instituições de ensino superior ainda terão que se adaptar a profundas mudanças tais como: o crescimento da procura de formação superior; a internacionalização da educação e da investigação; o estabelecimento de convênios e trabalhos de cooperação entre universidades e empresas, além da reorganização do conhecimento.No tocante a reorganização do conhecimento, passa a existir uma nova forma de produção de conhecimento, mais voltada para o contexto de aplicação (Gibbons et al, 1994), sendo efectuada através da transdiciplinaridade, heterogeneidade e diversidade organizacional com responsabilidade social e controle de qualidade.


Na transdisciplinaridade o “conhecimento emerge de um contexto particular de aplicação com suas próprias estruturas teóricas distintas, métodos de pesquisa e modos de prática, mas que pode não ser localizável no mapa disciplinar prevalecente” (Gibbons et al, 1994). O processo de conhecimento transdisciplinar não é provido através das estruturas disciplinares mas é reconhecido no contexto de uso e aplicação, possuindo características distintas, como: (a) frameworks para resolução de problemas gerados no contexto da aplicação; (b) as soluções compreendem componentes empíricos e teóricos sendo inegável a contribuição para o conhecimento; (c). a difusão dos resultados não é efectuada através do canais institucionais mas para aqueles que participaram do processo de produção e (d) trata-se de um processo dinâmico de criação de conhecimento.


A heterogeneidade e diversidade organizacional resultam de um aumento dos locais produtores de conhecimentos, ou seja um acoplamento destes locais através de redes de comunicação. Pelo facto de não existir uma central de controle, as comunidades interagem entre si sem que haja um administrador ditando os rumos das investigações, resultando assim no desenvolvimento de instituições híbridas e comunidades com o objectivo de resolver problemas.


Neste contexto se faz necessário uma maior sensibilidade para o impacto da produção do conhecimento na sociedade o que requer responsabilidade social e reflexividade explícitas nos valores individuais/grupos dos que são envolvidos na produção de conhecimento.


O controle de qualidade possui alguns componentes distintos, deve responder a questões do tipo: é competitivo no mercado é valido e efectivo e é socialmente aceitável? Isto porque a produção de conhecimento acontece dentro de contextos passageiros de aplicação sendo improvável que as comunidades que exercitam o controle de qualidade estejam apoiadas em instituições estáveis (conselhos profissionais e universidades) o controle se apoiará em regulamentos e normas efectuados para aquela situação específica (Gibbons et al, 1994). Os produtores de conhecimento tenderão a ter afiliações institucionais diferentes, simultaneamente ou consecutivamente.


O sucesso terá que incluir critérios adicionais como eficiência ou utilidade, definido em termos da contribuição que o trabalho fez à solução global de problemas de transdiciplinaridade. Esta forma de produção de conhecimento estará contextualizada num ambiente de novas tecnologias com transporte rápido de informação, muitos locais diferentes para interagir e comunicar, investimentos em infra-estrutura de conhecimento, proliferação de locais com competências de conhecimento e com a massificação do ensino superior.


A maior cooperação entre as universidades e empresas é outra consequência do managerialismo e das novas formas de criação do conhecimento, ocorrendo por dois motivos: primeiro, pelas universidades terem que se lançar no mercado em busca de recursos; segundo, por as novas formas de produção de conhecimento estarem ligadas a resolução de problemas voltados para a aplicação prática.

Esta questão nos leva a outro ponto de análise nas mudanças nas universidades no que diz respeito a produção de conhecimento científico. Iniciaremos a explanação citando Dagnino (2006), que aventa a possibilidade de uma mudança nas formas de elaboração das políticas de ciência e tecnologia. Para entendimento desta mudanças se faz necessária uma retrospectiva das políticas de ciência dos governos europeus que se caracterizaram pelo contrato social que vigorou no período de pós-guerra que previa: [...] o governo promete apoiar a ciência básica que a revisão por pares considera mais meritória, e os cientistas prometem que a pesquisa será executada bem e honestamente e que proverá um fluxo constante de descobertas que possam ser traduzidas em produtos novos, medicamentos, ou armas (Guston & Kenniston,1994, p. 2).


Este acordo foi se modificando ao londo do tempo quando no final dos anos 80, foi substituido por um novo acordo onde as IES controlariam suas demandas por autonomia e aumento de recursos e se comprometeriam que em troca de fundos públicos, os cientistas e as universidades orientariam suas pesquisas para satisfazer usuários económica e socialmente significativos e ainda assumiriam responsabilidades, no sentido de persuadir os políticos e a sociedade do mérito destas. (Guston & Kenniston,1994).


Assim, passa a existir uma nova forma de se fazer ciência com um valor político muito peculiar, (Dagnino, 2006), deixando de ser vista como orientada pela curiosidade e pelo desinteresse, e sim por necessidades estratégicas associadas ao desenvolvimento de redes, e com interesses bem definidos.


Este novo modo de produção de conhecimento, que tem um carácter transdisciplinar, é designado por Gibbons, et al, (1994), como Modo 2, por contraponto à forma tradicional de fazer investigação, fundada na criação de conhecimento numa base disciplinar, entendida como “o” caminho para a busca da verdade (designado por Modo 1).


O modo 1 de produção do conhecimento trata-se da forma de produção como a conhecemos hoje, baseada no paradigma Mertoniano que se traduz na produção do conhecimento certificado, onde o produto da ciência e sua qualidade reflectem-se integralmente nos instrumentos escritos formais de comunicação científica, particularmente nos artigos publicados em periódicos científicos. Nessa visão está também embutida a noção de autonomia e de neutralidade da ciência, além da ideia de que o pesquisador que busca outros objectivos (por exemplo, contribuir para a solução de problemas práticos), não faz propriamente ciência.


No modo 2 o entendimento de “ciência pela ciência” perde grande parte de sua importância, a criação do conhecimento passa a ser voltada para o contexto de aplicação prática e com interesses sociais, executada através da trans-disciplinaridade, heterogeneidade, integração organizacional, social accountability e controle de qualidade. Isto resulta de uma expansão paralela da produção do conhecimento e do seu uso em sociedade. Neste modo o conhecimento é buscado com a utilização de várias metodologias integradas e a relevância está associada a considerações estratégicas e de utilidade.


Um exemplo desta nova forma de fazer investigação é a multiplicação de centros de investigação ligados às IES. Estes centros possuem uma parte de seu efectivo de investigadores financiados pela IES, mas grande parte dos recursos para a investigação advêm de contratos com a iniciativa privada. O objecto da investigação passa a ser de interesse da comunidade e de aplicação prática, além das pesquisas serem feitas integrando diversas áreas de conhecimento.


Desta forma, sabendo-se que os pressupostos básicos do managerialismo são o aumento de produtividade com diminuição e optimização dos gastos públicos, estima-se que as investigações voltadas para interesses da sociedade e com financiamento da iniciativa privada será cada vez mais incentivado, dado que com ela os gastos com a investigação por parte das universidades e dos governos serão progressivamente reduzidos.


Outro aspecto central neste processo de mudança na investigação é sintetizado por Skoie (2001) da seguinte forma: “[...] a transição do Modo 1 para o Modo 2 demanda uma considerável mudança no que diz respeito à avaliação e à selecção de propostas. A selecção mediante a revisão por pares, que era uma peça chave do Modo 1, baseava sua força em sua capacidade para premiar a pesquisa académica do mainstream, deixando de lado propostas ruins. Mas, por estar apoiada apenas no “método científico” e não em considerações externas ao ambiente científico, ela não é adequada para seleccionar propostas de pesquisas inovadoras: inovações radicais na orientação da pesquisa e pesquisas de alto risco científico tendem a ser rejeitadas pelo julgamento por pares.” (SKOYE, 2001, p. 69).


A crítica a este argumento vem de Dagnino (2006), quando avalia que:

“Nesse novo ethos, a avaliação a qualidade por pares e a liberdade na escolha individual dos temas de pesquisa vão sendo substituídas por uma “contabilidade” (accountability) mais ampla da “excelência” e pela adopção colectiva de uma agenda estabelecida em função de interesses económicos que deixa de dar origem a bens públicos (comunalismo) e passa a produzir “propriedade intelectual”. Valores “não-científicos” de natureza societária, como segurança, rentabilidade e eficácia, passam a participar explicitamente da determinação da agenda de pesquisa.” ( 2006, p.193).


Estes dois autores indicam outros factores que estão interferindo na produção do conhecimento. O primeiro trata dos financiamentos da investigação que, em grande parte, advêm de agências governamentais, as quais adoptam a selecção de propostas apoiadas no método científico. Se esta postura se mantiver, podemos crer que as investigações das questões básicas da produção de conhecimento não serão postas em causa, pois o governo garantirá financiamento para as mesmas. No entanto, como já referimos anteriormente, a lógica da relevância da investigação está a mudar, e não tardará a chegar aos órgãos de financiamento. Assim sendo, cabe-nos investigar qual a postura que os órgãos de financiamento estão a adoptar neste sentido.


O segundo aventa a possibilidade da liberdade na escolha individual dos temas de pesquisa serem substituídas por uma accountability mais ampla da “excelência” e pela adopção colectiva de uma agenda estabelecida em função de interesses económicos. Aqui, devemos considerar também o facto de o conhecimento poder estar sendo influenciado pela lógica de se fazer carreira em detrimento da liberdade nas investigações.


Encaminhando-se por um caminho paralelo, Bertilsson (2001), chama a atenção para o fato de que a transição do Modo 1 para o Modo 2 estaria tendo como resultado um processo de burocratização da pesquisa. Estariam surgindo “pesquisadores- burocratas”, que, segundo o autor, apresentariam vantagens em relação aos cientistas tradicionais.


Neste mesmo sentido Santiago (2002), questiona:

“Será então possível que num contexto político e institucional sob forte influência "managerialista" a metáfora do "professor/académico" possa dar lugar à metáfora do "professor/empreendedor" e que, deste modo, a natureza do trabalho académico seja re-significada e os papéis profissionais objecto de uma transformação profunda?” (2002, p.17).


Constata-se que as práticas managerialistas, tanto nos governos como nas próprias universidades, têm exercido pressão no sentido de limitar a autonomia científica dos investigadores (Santiago, 2002). A incorporação de elementos da gestão empresarial no governo e na gestão das IES está sendo responsável por esta situação, que pode ser traduzida na possibilidade de se poder vir a assistir à transformação das tarefas académicas "tradicionais" em tarefas cada vez mais orientadas para a ideia de "mercado" (Santiago, 2001; Deem, 2001).


Verificamos até este momento uma grande diversidade de informações a respeito de como se dá o processo de fazer e gerir investigações. No entanto, de todo o exposto depreende-se uma grande questão: teria o managerialismo força suficiente para mudar a relevância das investigações (da forma tradicional de se fazer investigação para um modo voltado para os interesses económicos) e a forma de pensar e agir dos investigadores? Teria também força para mudar as universidades públicas tornando-as menos burocráticas, mais eficientes, flexíveis e mais cooperativas?

Estes imperativos que acabamos de relatar se constituem num dos principais desafios enfrentados pelas universidades, que já vêm sofrendo constantes pressões para se modificarem, por forma a poderem acompanhar o desenvolvimento da actualidade. No entanto, a resistência à mudança é uma característica das universidades, não sendo facilmente superada (Scheytt e Scheytt, 2005). 2.2 Análise das implicaçõesA jusante desta questão de mudanças nas investigações existem as implicações decorrentes de tais transformações. Uma das questões trata-se da mudança na identidade dos docentes que de docentes passam a ser cientistas. Com esta ida ao mercado por parte das universidades a relevância da actividade académica está a sofrer transformações e estas transformações podem estar a afectar a própria identidade dos docentes.Devemos ter em conta que a investigação está no ensino superior, mas ela nem sempre esteve lá. Antes do século XIX, as investigações eram feitas em academias, museus, e outras instituições. Somente passou a ser do âmbito do ensino superior, quando este fez da investigação uma forma de ensino-aprendizagem (Magalhães, 2006). O fato é que docência e ciência são vocações e bastante distintas diga-se de passagem. No entanto, de um momento para outro as universidades passam a exigir que além de “docentes” os professores sejam cientistas e mais, de excelência. Esta mudança na forma de gestão, onde cada indivíduo deve ser de excelência, na totalidade das áreas em que atua, muda as relações pessoais e a forma de encarar o ensino. É sabido que são raras as universidades que contratam pesquisadores. A grande maioria contrata docentes e após este processo, acaba por exigir deste profissional uma vocação para a qual este não foi contratado.Aliados a estas políticas, o managerialismo traz consigo a cobrança por produção e incute medidas e prémios como forma de recompensa aos mais produtivos, factores estes que minam as relações interpessoais e incentivam a competitividade pessoal o que na grande maioria dos casos acarreta a desintegração de grupos de pesquisa já formados. Neste sentido uma pesquisa das redes de investigação no Brasil nos daria grandes respostas. Poderiamos verificar a existência das redes descritas no modo 2 de produção de conhecimento, bem como a existência de grupos de pesquisa bem estruturados.Adicionalmente aos estudos das influências managerialistas na produção do conhecimento, a identificação de sinais de mudanças na identidade dos docentes e nas relações que os envolvem também passa a ser um indicativo das consequências do managerialismo. Esta constatação nos dá uma noção de quão profundas podem ser as transformações impostas por esta nova forma de gestão (ideologia) adoptada pelas instituições de ensino superior.

3. Considerações finais

As universidades iniciaram o século XXI a sofrer enormes pressões (internas e externas) tais como: a necessidade de desenvolver a pós-graduação e a internacionalização da investigação; a mudança dos financiamentos governamentais e o aumento do volume do financiamento empresarial à universidade .


Reinventada após o século XIX a universidade tem demonstrado grande capacidade de interação com o meio industrial e extraordinário valor para a sociedade em geral. Por conta disso o poder político tem lhe reservado um lugar de topo nos sistemas de ensino nacionais, confirmando seu monopólio no que toca a concessão de graus académicos.


Nesta sociedade do saber em que nos encontramos neste século, o papel delas como legitimadoras do saber denota-lhes grande poder, poder este a ser usado ao serviço da sociedade, da humanidade e na promoção do espirito crítico e participativo, sem nos esquecermos que as oligarquias sempre favoreceram a combinação da ignorância política com a eficiência técnica (Caraça, 1999).


Ao longo deste trajeto, as universidades evoluiram como instituição. Esta evolução se procedeu de forma a não terem suas estruturas e filosofias muito alteradas. Porém, neste momento, por força de pressões internas e externas as universidades estão movendo-se para um tipo de gestão mais voltada para as leis de mercado, o que chamam de managerialismo. Santiago, et al, (2006), citando Currie and Newson (1998), atribui estas transformações aos impactos da globalização da educação, onde a ideologia de mercado e o mercado de regulação são fundidos com um grupo de práticas de gestão do setor privado: e.g accountability, privatisation, downsizing and outsourcing, e budget diversification.


Com respeito ao managerialismo nas universidades, seria inevitável pensar que as universidades públicas não fossem atingidas por esta onda. Nesta nova forma de gerenciamento as universidades públicas se vêem impelidas a participarem do mercado, em face da competitividade com outros organismos de investigação e na forma do financiamento das pesquisas, alterando assim a forma com que tradicionalmente foram geridas.


As universidades por se tratarem de organizações de grande importância no meio político e empresarial, sua forma de governação possui implicações na sociedade em geral, fazendo com que a lógica de orientações de ação em uma universidades é pelo menos muito problemática para ser controlado pela lógica simplista do managerialismo ou de uma pura orientação econômica Scheytt & Scheytt (2005). Ainda segundo o mesmo autor, a lógica de eficiência não alcança o nível de complexidade no qual a universidade como um organização funciona, nem como investiga.


A característica básica da realidade acadêmica, por exemplo o contraste entre a reunião social, relevância de pesquisa e a liberdade individual de um único cientista como condição prévia contraditória mas necessária para prósperidade da pesquisa, tem um nível de complexidade tal que a orientação em eficiência baseada no managerialismo não pode alcançar. No entanto, esta nova nomenclatura economica, chamada de “nova administração pública” é bastante forte para forçar o sistema a fazer mudanças fundamentais, não só em termos de mais eficiência de custo, mas também em termos de ações meta-orientadas e estratégias.


Enfim, esta mudança de comportamento por parte da sociedade, dos governos e dos órgãos de financiamento está fazendo com que os administradores universitários acabem por adotar na gestão universitária os pressupostos da gestão privada, managerialista, fazendo com que paradigmas sejam quebrados, estatutos alterados, planos de carreira refeitos, além de estarem as universidades se submetendo ranking de produtividade e reconhecimento.


Todas estas instabilidades e turbulência constituem um dos principais desafios enfrentados pelas universidades, que vêm sofrendo constantes pressões para se modificarem, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento da atualidade, gerir de forma eficiente os recursos disponíveis e adaptar-se continuamente às mudanças em seu ambiente.


No entanto, resistência para mudança também é uma característica da universidade e isto não é facilmente superado.


4. Referencias bibliográficas


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Autor deste artigo: Dalva Magro - participante desde Sex, 29 de Maio de 2009.

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