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Edições Anteriores 178 Formação Reflexiva Docente: Perspectivas Segundo
Formação Reflexiva Docente: Perspectivas Segundo PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Inezita   
Qua, 12 de Novembro de 2008 11:27
FORMAÇÃO REFLEXIVA DOCENTE: PERSPECTIVAS SEGUNDO A METODOLOGIA DA PRÁXIS PEDAGÓGICA*1  
DA SILVA ANTUNES, Inezita*2 – Unilasalle
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Área Temática: Formação de Professores

Agência Financiadora: Não contou com financiamento. Resumo: 

Esta comunicação problematiza a formação continuada de educadores a partir da “Metodologia da Práxis Pedagógica - MPP, proposta por Elli Benincá. O processo de investigação da temática situa-se no paradigma qualitativo. Considerando a interação entre pesquisador e seus sujeitos de pesquisa, em seus aspectos subjetivos no cotidiano escolar, procura-se com este tema analisar e ressignificar a relação entre teoria e prática no ato de construir, desconstruir e reconstruir por meio da ação reflexiva de uma metodologia que considere a práxis como necessidade permanente de ação pedagógica, no processo de formação dos educadores.

 

A experiência da ação-reflexão de um grupo de estudo de educadores mestrandos da Unilasalle, em Canoas, RS, foi basilar para esta discussão-reflexão objetivando analisar, ressignificar e propor novas modalidades de atuação no âmbito pedagógico. Com ênfase na Formação Docente como artefato permanente, no intuito de minimizar a dicotomia entre teoria e prática, buscando compreender e discutir as implicações que se fazem presentes na ação e na sua auto-formação.

 

A metodologia que permeia este ensaio fundamenta-se nos seguintes passos: a) observação; b) registro - memória; c) sessão de estudos; d) análise – teorização; e) relatório síntese; mais especificamente no ato de VER, JULGAR, AGIR (BENINCÁ, 1998, p.134ss; 2004,  p.24).

 

Portanto, a formação continuada se caracteriza como trabalho coletivo reflexivo. Acredita-se que o confronto de saberes e práticas de todos os participantes do grupo dão margem à instauração de um sistema de trocas que resulta em desenvolvimento individual.  Assim pode favorecer a aprendizagem através de situações concretas, valorizando as especificidades de cada sujeito - aprendiz, partindo da prática observada, registrada e analisada em confronto com a  teoria e a esta retornando para atualizar a ação.

 Palavras-chaves: Ação reflexiva; Formação continuada de educadores; Metodologia da Práxis.   

Abstract

  

It discusses the continuing education of educators from the "Methodology of Práxis Pedagogical” - MPP, proposed by Elli Benincá. The process of investigation of the issue lies on the quality paradigm, considering the interaction between researchers and their subjects of study, in its subjective aspects in the daily school, looking up with this theme, and ressignificar examine the relationship between theory and practice in the act of building, deconstruct and rebuild through a reflexive action methodology which considers the practice, but need to share in the educational process of training of educators. The  action-reflection experience of a study group of Masters from  Unilasalle in Canoas, Brazil, meant to  establish a path  to this discussion-reflection aiming review and propose new ways of acting within teaching. This study itself, intends  to problematize and resignify as permanent artifact, in order to overcome the dichotomy between theory and practice, seeking to understand and discuss the implications that are present in action and self-education teacher. The methodology that permeates this article is based on the following steps: a) observation, b) memory registration, c) studies sessions, d) analysis – based on theories and e) synthesis report; more specifically in the act of SEEING, JUDGING, ACTING (BENINCÁ, 1998, p.134ss, 2004, p. 24). So, the continuing education is characterized as a collective and reflexive work. It is believed that the confrontation of knowledge and practices of all participants of the group give scope to introduce a system of trade that results in individual development. Thus, it is possible to encourage learning through practical situations, highlighting the specificities of each subject - apprentice, starting the practice observed, recorded and analysed in comparison with this theory and returning to update the action.

  Key Words: Reflexive action, Continued training for educators, Methodology of Práxis   A “formação do professor não se constrói por acumulação (de cursos, conhecimentos, ou técnicas), mas sim, mediante um trabalho de reflexividade crítica sobre as práticas e de reconstrução permanente de uma identidade pessoal” (Nóvoa, 1995, p. 25).  Introdução 

A complexidade que envolve a práxis docente na contemporaneidade remete a reflexões que perpassam a análise da formação continuada de educadores na sociedade atual, uma sociedade consumista, de informações e relações instantâneas, por vezes, sem processo permanente; conseqüentemente, faz-se necessária uma reflexão embasada em uma proposta metodológica*3 por ela utilizada. Segundo Elli Benincá*4 (2004, p. 34), é a metodologia que “orienta o processo pedagógico com base numa concepção teórica que permite [compreender] o modo como são e como devem acontecer as relações no processo social”. Daí, a importância do pensar reflexivo docente.

 

Na análise de Nóvoa (1995), os educadores encontram-se em uma encruzilhada que aponta para a reformulação de sua identidade. Para o autor a construção de uma cultura profissional é processo que requer tempo e só tem sentido se for assumido em uma perspectiva crítico-reflexiva, promovendo o pensamento autônomo e a vivência de dinâmicas de autoformação participada. Para ele, um dos caminhos que leva à formação da identidade do educador é a reflexão sobre a prática nas suas dimensões complementares: prática individual e prática coletiva.

 

Diante desse cenário revela-se a incompletude da formação docente na atualidade, uma formação dialética, capaz de relacionar teoria e prática pedagógica no seu cotidiano. Com base no exposto, o tema desta proposta de investigação surgiu a partir da vivência pessoal de um grupo de estudo junto às instituições educacionais e, sobretudo, no exercício da Metodologia da Práxis Pedagógica - MPP, assessorado por Benincá.

 As vivências foram determinantes nessa trajetória enquanto educadores, provocando inquietudes e indagações no sentido de fazer com que a práxis se tornasse uma ação que contribuía de modo significativo com a educação, pois não basta constatar a realidade e ter vontade de transformá-la. Faz-se necessário estar atento a ela e saber “suportar o peso real" (SOBRINO, 2007). Impregnada dessa ação-reflexão e retroalimentação, surgiu a necessidade de buscar uma metodologia com aporte transformador de alguns “equívocos”, que o próprio educador traz em seu bojo e/ou em suas práxis pedagógicas, talvez por falta de reflexões na ação e ações com reflexão. Essas vivências conduziram ao aprofundamento e à compreensão de algumas questões consideradas vitais, que serão retomadas ao longo deste texto. 

Desafios na ação reflexiva docente

 

A complexidade das questões do cotidiano escolar, e das políticas públicas e sociais do próprio sistema educacional, são desafios que implicam diretamente na formação continuada dos educadores e, de algum modo, revelam a precariedade e a dificuldade por parte de muitos profissionais, em fazer o link entre teoria e prática.

 

Uma abordagem reflexiva valoriza a construção pessoal do conhecimento e legitima o valor epistemológico da prática profissional (SCHÖN, 1983; VIEIRA, 1995), surgindo a prática como elemento de análise e de reflexão do educdador. Ao envolver-se em projetos de investigação-ação sobre a prática numa abordagem reflexiva, o professor está a refletir sobre a sua prática, aumentando o seu conhecimento profissional à medida que consegue explicitar diferentes aspectos do seu conhecimento tácito.

 

Nesse sentido, o que se percebe nas atitudes e falas dos educadores é a supervalorização de suas práticas, em detrimento de teorias processuais, concebendo a formação continuada, o conhecimento acadêmico: estudo, pesquisas, teorização e sistematização como elemento supérfluo e descartável, na sua trajetória profissional, ou seja, algo desconectado de suas vivências, visto que “a universidade não dá nenhuma formação, o que vale mesmo é a prática, o dia–a–dia do professor!*5” Observando depoimentos, entrevistas, artigos em revistas e os meios de comunicação em geral, percebe-se uma mentalidade cultural que está visivelmente presente no imaginário e no consenso comum de alguns educadores, a idéia de que “basta ter coração” e fazer “qualquer coisa” para ser educador. Isso é algo preocupante. A afetividade é importante sim, porém não é suficiente; o ser humano é um todo, racionalidade, coração, vontade etc. e urge formar todas as partes em sintonia.

 

Todo o esforço do educador em “auto-cultivar-se”, em “auto-formar-se”, em tornar-se presente, em tomar consciência diante da complexidade da educação e em acolher as interfaces e implicações educacionais, fará com que a escola, num processo dinâmico, possa discutir, pensar e agir de forma diferente, na administração de uma sala de aula, bem como de um projeto de vida social, fora da sala de aula. Portanto, a necessidade da formação continuada do educador segundo a metodologia da práxis é um compromisso ético vital para o educador, que necessita estabelecer consigo mesmo, e com seu entorno, este novo fazer pedagógico. Nas palavras de Freire (1997, p. 74):

 

O professor que não leve a sério sua formação, que não estude que não se esforce para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de uma classe (...) a incompetência profissional desqualifica a autoridade do professor.

 Um dos aspectos que se pode considerar importante no aprimoramento da educação oferecida aos profissionais da educação em nosso país pelas academias é a formação inicial do educador, principalmente em relação ao processo reflexivo na ação. Também é primordial garantir políticas educacionais que dêem sustentabilidade à formação continuada, pautada na construção de valores éticos, de cidadania, autonomia e responsabilidade individual e coletiva e, para isso, é necessário dar suporte ao professor possibilitando-lhe a vivência de sua práxis. 

A Metodologia da Práxis Pedagógica

 

A metodologia da práxis pedagógica poderá oportunizar aos educadores o exercício de educadores-pesquisadores, no qual realizam observações documentadas sobre suas práticas pedagógicas, pois parte do pressuposto de que as pessoas, os grupos/comunidade são agentes primeiros de sua própria educação na relação entre educador-educando, educador-educador e educador-comunidade. O registro, a memória da ação possibilita o distanciamento indispensável para a observação, processo este da escrita que é uma forma de objetivar as relações conscientes. Nas sessões de estudos são realizadas as narrações dos registros, resultantes desse processo de investigação e, documentado em texto que reapresentam o conhecimento produzido (cf. BENINCÁ, 2004, p. 24-27).

 

Atualmente constata-se que existem inúmeros trabalhos sobre a formação de educadores, mas, há uma escassez de informações empíricas para referenciar o tema em questão, com o enfoque específico na “metodologia da práxis pedagógica”. Fator este profícuo para abertura de novos caminhos no campo da pesquisa científica. Deste modo, urge que se faça um investimento sério na construção analítica que possibilite de forma qualificada o comprometimento desta questão atual e extremamente desafiadora, uma vez que perpassa a prática cotidiana do ser e fazer na educação. Portanto, é um tema que por si só se justifica.

 

A sociedade contemporânea exige, necessariamente, uma educação comprometida com mudanças e transformações sociais que vai além da esfera sala de aula e para isto faz-se necessário profissionais preparados para exercer sua função. Essa formação constitui um processo que implica uma reflexão permanente sobre a natureza, os objetivos e as lógicas que presidem a sua concepção de educador enquanto sujeito que transforma e ao mesmo tempo é transformado pelas próprias contingências da profissão. Questão esta complexa pelos múltiplos modos de processar o conhecimento, pela incorporação das novas tecnologias, e principalmente pela comunicação em rede, quanto aos processos de ensino e aprendizagem.

 Acredita-se que a formação continuada de educadores é uma necessidade da atividade profissional no mundo atual tendo como referência a prática e o conhecimento teórico, que vai além da oferta de cursos ou treinamento esporádicos, necessita, porém, integrar-se no cotidiano escolar, como componente essencial da práxis docente. É formar e ser formado para a responsabilidade reconhecendo a liberdade de ser ele mesmo, com capacidade de entrar em relação-diálogo com o que é diferente de si mesmo, de escolher, de errar e de recomeçar cada dia.

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2000, p. 32).

 

O imenso volume de informações se aglomera, formando um aparente caos educacional, dificultando a ação reflexiva docente como elemento inseparável da práxis do educador. Por outro lado, o estudo e a formação continuada se tornam uma exigência fundamental à práxis docente, e requerem necessariamente uma educação comprometida com mudanças e transformações sociais que vai além da esfera da sala de aula. Essa formação constitui um processo que implica uma reflexão permanente sobre a natureza, os objetivos e as lógicas que presidem a sua concepção de educador enquanto sujeito que transforma e ao mesmo tempo é transformado pelas próprias contingências da práxis.

 A ressignificação da práxis pedagógica pela formação de educadores*6 segundo uma metodologia específica é refletida, nesse contexto, enquanto processo permanente do educador e ação necessária para o exercício profissional. Ressignificar denota dar um novo significado a algo que já existe; porém, faz-se necessário analisar o seu sentido de ser, que nas considerações de Benincá (2002, p. 212) perpassa pelos sentidos:

 

Contudo, se não conseguir ressignificar os sentidos presentes no senso comum disponíveis para serem intencionados pela consciência, não conseguirá se tornar prático. A dicotomia, por isso, localiza-se entre o discurso sem ação (teoria) e a prática intencionada pelos sentidos presentes no senso comum. A consciência, por disponibilizar os sentidos, é, por essa razão, denominada de “consciência prática”. [...] O fenômeno da dicotomia teoria e prática é muito comum nas escolas, sobretudo entre os professores. Em reuniões de avaliação, eles chegam a condenar erros pedagógicos cometidos e injustiças feitas contra os alunos.

 

A ação pedagógica no contexto de uma sociedade volátil corre o risco de perder seu significado tornando-se algo apenas metódico - mecânico sem razão de ser, “faz-se porque tem que fazer”. A dinâmica da reflexão da práxis garante o estabelecimento do pensamento pedagógico. Quando o educador começa a atuar na gestão escolar, com um aluno, na sala de aula ou nas diversas áreas de conhecimento e busca construir estratégias para a reflexão na ação e a reflexão-sobre-ação, é possível acontecer uma práxis transformadora, com significado, pelo viés da formação.

 

Apoiando-se na compreensão marxista, Vázquez (1977, p. 185) faz uma distinção entre práxis e atividade:

 

Toda práxis é atividade, mas nem toda atividade é práxis. Quando Marx assinala que o idealismo, ao contrário do materialismo, admite o lado ativo da relação sujeito-objeto, e quando acentua, por outro lado, seu defeito – não ver essa atividade como prática - ele nos adverte contra qualquer tentativa de estabelecer um sinal de igualdade entre atividade e práxis.

 

O sujeito da práxis, ou agente, segundo esta concepção, é um ser reflexivo teórico-prático, de ação e reflexão com consciência, sensibilidade, vontade de criar e produzir para satisfazer suas necessidades humanas, "do estômago à fantasia" (Marx, 1996). Este sujeito é o ser humano; e sua ação propriamente humana só se verifica quando os atos são dirigidos a um objeto com o objetivo de transformá-lo, momento esse que se inicia com um resultado ideal, ou finalidade, e termina com um resultado ou produto efetivo, real (Cf. VÁZQUEZ, 1977).

 

Benincá (2004, p. 99) faz referência à práxis do educador na perspectiva freireana enquanto confronto “dialético da desumanização” de “tarefa permanente” da pessoa:

 

O conceito de formação continuada decorre da compreensão de todo o ser humano que embasa o pensamento pedagógico freireano, entendido como finito e inconcluso. Na obra Pedagogia do Oprimido, Paulo Freire mostra que a preocupação com a humanização, tarefa permanente de todo o ser humano, implica admitir o confronto dialético da desumanização.

 

A práxis também é compreendida por Konder (1992, p. 115) como

 

a atividade concreta pela qual os sujeitos humanos se afirmam no mundo, modificando a realidade objetiva e, para poderem alterá-la, transformando-se a si mesmos, “a ação que, para se aprofundar de maneira mais conseqüente, precisa de reflexão, do autoquestionamento, da teoria; e é a teoria que remete à ação, que enfrenta o desafio de verificar seus acertos e desacertos cotejando-os com a prática..

 

O confronto dialético da humanização e desumanização de Freire é retomado por Benincá (2004) para expressar a premissa de que a pessoa humana ancorada no paradigma hermenêutico-dialético*7 é um ser em construção, que requer continuidade em seu processo de aprendizagem. Ela, a pessoa, “não é apenas uma possibilidade ontológica, mas uma realidade histórica”. Isto implica em reconhecer um passado que se faz história no aqui e no agora, um presente em metamorfose, e que enquanto tal constrói um futuro que também está presente. Em outras palavras, a pedagogia da práxis requer ininterrupção no processo e na mudança dos sujeitos nela envolvidos. Por isso, pode causar situações de medo. (Cf. Benincá 2004, p. 99-101).

 

Para Benincá (2004, p. 100-101) “o passado se faz história e realidade, embora seja sempre uma determinada leitura dos acontecimentos e dos textos já construídos. O futuro, porém, é sempre um presente em transformação enquanto desejado e utopia”. Nessa perspectiva, a pessoa humana é um ser histórico que vive uma constante dialética entre o passado presente e que é um ser “inconcluso”, consciente de sua condição e por isso busca “transcender-se”, “ser mais”. Na trajetória de sua fragilidade, procura eternizar-se como absoluto e conseqüentemente se “aliena” e se “desumaniza”. Mas a “sua construção é permanente e, por isso, um ‘eterno’ aprendiz” (BENINCÁ, 2004).

 

Segundo Freire (1997), o momento histórico fundamental na formação do educador é o da “reflexão crítica sobre a prática”. Ou seja, deve-se considerar que a reflexão é essencial para o desenvolvimento e “humanização” do educador. Ressalta-se também que o conceito de reflexão proposto por Schön (1992), como “ação-reflexão-ação”, deve ser um processo pelo qual o docente aprende partindo da análise e interpretação de sua própria prática pedagógica, tornando-se um profissional reflexivo, crítico, autônomo e criativo, aberto a novas possibilidades, com o intuito de contribuir com o processo de ensino e aprendizagem.

 

Lampert (2000, p. 178), em sintonia com Benincá e Freire, aborda a formação como necessidade intrínseca do ser humano pela sua própria condição, visto que a humanidade se apresenta em constante transformação. Aliás, segundo ele, ao se fazer “uma incursão na história da humanidade, percebe-se que o homem sempre se preocupou com a própria formação e atualização para atender as suas demandas e assim poder viver em sociedade” (cf. LAMPERT, 2000, p. 178). Essa importância da educação se desvela à medida que as pessoas em suas necessidades tendem a ajustar-se às mudanças sociais, espirituais, psicológicas, econômicas, ideológicas, tecnológicas pelas quais passam na sociedade em que vivem.

 

Sendo assim, aos poucos foi surgindo nas sociedades a idéia da educação continuada que, historicamente, sabe-se é muito antiga. Para alguns autores a educação continuada sempre esteve atrelada aos interesses do capital, isto é, a educação permanente, vista apenas, para responder à necessidade do desenvolvimento econômico, à lógica do mercado, sem levar em conta as necessidades pessoais e profissionais. Nessa perspectiva Nóvoa (1995, p. 26) chama a atenção para a formação de educadores como herança histórica:

 

Ao longo da sua história, a formação de professores tem oscilado entre modelos acadêmicos, centrados nas instituições e em conhecimentos “fundamentais”, e modelos práticos, centrados nas escolas e em métodos “aplicados”.  É preciso ultrapassar esta dicotomia, que não tem hoje qualquer pertinência.

 

Uma dimensão importante de perceber é a realidade de sala de aula, a qual, não raras vezes, se transforma apenas em enunciados e esclarecimentos. Não se trata de uma reflexão e verificação da aula expositiva ou uma defesa da aula como espaço de pirotecnias didáticas, animadas como um show, e nem por isso carregadas de construção do conhecimento. Freire já fez esta crítica na década de 1970 e, infelizmente, ainda é válida e muito atual em todos os níveis de ensino (FREIRE, 1978, p. 65):

 

Quanto mais analisamos as relações educador-educando na escola, em qualquer de seus níveis, (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante – o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras. Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, seja pelos valores ou dimensões concretas da realidade.

 

Lampert, falando sobre a educação continuada, afirma:

 

[...] no mundo contemporâneo, ela [educação continuada] surgiu para atender ao desenvolvimento tecnológico da indústria. Nos países de industrialização tardia, ela foi vista como possibilidade de ajudar no desenvolvimento econômico e, no Brasil, na década de 1960, após o desmantelamento dos movimentos de educação popular, como uma arma poderosa de alienação (LAMPERT, 2000, p. 178, grifo  nosso).

 

Ainda, segundo o autor, a educação permanente aflorou a partir da Segunda Guerra Mundial, enquanto uma exigência do capitalismo que tenta responder à demanda por industrialização em muitos setores da produção. Naquela época, como hoje, acreditava-se que por meio da educação continuada e a cultura de massa se chegaria ao desenvolvimento. Isso nos mostra que os objetivos da educação continuada sempre estão atrelados ideologicamente ao poder, e quase nunca aos interesses da singularidade dos indivíduos.

 

A palavra pode ser dita como um convite, uma porta de entrada para o mundo que mora dentro dela, ou como um enunciado, bem formulado, mas que deixa, quando muito, seus significados, suas histórias, seus sentidos para quem a formulou. Madalena Freire nos chama a atenção para uma questão já naturalizada nos discursos pedagógicos: “o professor (a) dá aula e o aluno (a) assiste à aula”. Essas palavras são reveladoras do que acontece geralmente no espaço-atividade sala de aula. Na perspectiva apontada e defendida por Freire (1978, p. 92), a palavra carregada de significado é práxis, “daí, por que dizer a palavra verdadeira seja transformar o mundo”:

 

A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.

 

Problematizar os desafios da formação continuada de educadores, tendo presente uma visão da realidade local sem esquecer o global, permite tematizar questões e propostas pedagógicas que não se esgotam pelo conhecimento. De fato, o conhecimento adquirido através da problematização é uma compreensão parcial da realidade em construção, visto que pode, haver outras realidades, construídas, relidas a partir de outras visões de mundo.

 

A partir da metodologia da pedagogia da práxis, os educadores permitem-se serem surpreendidos pelo que eles próprios fazem, refletem sobre esses acontecimentos, pensam sobre o que sucedeu durante a práxis e tentam compreender a razão pela qual foram surpreendidos (Schön, 1992). Benincá (2002–2004), caracteriza essa práxis como um momento de reflexão na ação, em que o educador pensa na reconstrução de sua prática, a partir da observação, descrição, análise e explicitação dos fatos. Deste modo o “segredo” do saber docente ocorre pela formação continuada, permanente, enquanto arte que une reflexão, ação e construção coletiva, em qualquer situação ou circunstâncias do âmbito educacional.

 

A partir do ato de parar, refletir, discutir os elementos significativos, as situações educacionais enquanto problematização, compreensão da realidade em construção daquilo que se vê e o modo como se vê, com liberdade e unidade, que não dicotomiza, é possível gerar situações desconfortáveis que causam “medo e ousadia”, mas gera o novo (Cf. Benincá, 2004). Não obstante isso torna-se possível também potencializar melhor as energias e potencialidades existentes nas pessoas quando juntam os fatos para serem discutidos, estudados, refletidos. Por outro lado, sente-se que o ser humano é sujeito e ser histórico, que fica radiante ao conseguir resolver e desenvolver sua própria história e a história do universo na relação com o outro. Freire (1996, p. 58) expressa muito bem esse sentimento quando diz:

 

Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu "destino" não é um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tom parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo.

 

Nas palavras de Freire, sente-se a sintonia entre o dizer e o fazer, entre a teoria e a prática. O autor concebe o ser humano enquanto protagonista da sua própria história, da sua formação cotidiana.

 

Quanto à formação continuada de educadores, a LBD art. 61 diz que: 

 

Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e às características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá como fundamentos: (Regulamento)

 I - a associação entre teorias e práticas, inclusive mediante a capacitação em serviço;

II - aproveitamento da formação e experiências anteriores em instituições de ensino e outras atividades.

 

Constata-se no texto acima a preocupação com a formação de educadores nos diferentes níveis.

 

A possibilidade de realização da práxis docente, bem como o seu entendimento no interior segundo a Matriz Curricular, implica enfrentar várias dificuldades quando se depara com uma “nova” e radical reorganização nos cursos como, por exemplo, de Pedagogia, principalmente no que diz respeito ao lugar da Prática de Ensino. Pode-se constatar na citação do Parecer a abaixo (CNE/CP 009/2001, p. 22):

 

Uma concepção de prática mais como um componente curricular implica vê-la como uma dimensão do conhecimento, que tanto está presente nos cursos de formação nos momentos em que se trabalha a reflexão sobre a atividade profissional, como durante o estágio nos momentos em que se exercita a capacidade profissional.

 

                Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão: (Regulamento)

 

I - cursos formadores de profissionais para a educação básica, inclusive o curso normal superior, destinado à formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental;

 

II - programas de formação pedagógica para portadores de diplomas de educação superior que queiram se dedicar à educação básica;

 

III - programas de educação continuada para os profissionais de educação dos diversos níveis.

 Art. 64. A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. 

Freire (1987, p. 64) diz que “o pensar do educador ganha autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados, ambos, pela realidade, portanto, na intercomunicação”. Na ótica de Paulo Freire, a comunicação realiza educação quando a situação social estiver fundada no diálogo, permitindo que as pessoas possam criar conhecimentos juntas, em interação, em relações de igualdade. Educação, comunicação e cultura são dimensões indissociáveis entre si, a serem criadas e recriadas através da nossa práxis, a fim de que também o nosso universo simbólico seja cada vez mais abrangente.

 

Freire (1983, p. 70) afirma: “Não há pensamento que não esteja referido à realidade, direta ou indiretamente marcado por ela, do que resulta que a linguagem que o exprime não pode estar isenta destas marcas”. Cabe aos sujeitos da educação promover a “comunicação didática” em oposição à difusão de idéias, cujos interesses nem sempre condizem com os interesses dos educadores.

 

Algumas Considerações

 

A Formação Docente segundo a “Metodologia da Práxis Pedagógica” implica no processo de “ressignificação” da própria prática. Processo este alicerçado na questão da “ação-reflexão-ação”, em uma junção entre teoria e prática cotidiana. Segundo Benincá (2002 e 2004), Donald Schön (1992) e Freire (1996 e 1987), esse processo remete a alguns questionamentos referentes às praticas pedagógicas que, uma vez assumidas, vivenciadas enquanto movimento dinâmico, dialético, entre o ato de fazer e o pensar sobre a práxis pedagógica, vislumbram a possibilidade de mudança.

 

Atualmente, é preciso buscar novos métodos, novos caminhos no âmbito educacional, capazes de sensibilizar pela ampliação da consciência o papel político-histórico do educador. Nesse processo de um pensar reflexivo da educação, surgem muitas inquietações a respeito de como se faz emergir as mudanças necessárias para a construção de uma escola, que assuma essa nova concepção de formação. Essa transformação não é fácil, pois não se trata de um método pelo método, uma forma, uma receita; é algo mais complexo, o que implica uma metamorfose na formação dos profissionais da educação.

 

Cabe à escola, no seu todo, o papel de dinamizar, fomentar esse desafio e oportunizar espaços, ancorados em uma metodologia que auxilie no pensamento reflexivo pelo viés da práxis pedagógica dos profissionais em educação. Desse modo, estaria possibilitando uma formação de educadores, no intuito de desenvolver ações pedagógicas que formem para o exercício consciente da cidadania. Porém, também competem ao educador a responsabilidade e o direito de investir tempo e vontade em sua própria formação.

 

Ser um profissional reflexivo traduz-se na capacidade de ver a prática como espaço/momento de reflexão crítica, problematizando a realidade pedagógica, bem como analisando, refletindo e reelaborando, criativamente, os caminhos de sua ação de modo a resolver os conflitos, construindo e reconstruindo seu papel no exercício profissional. O educador reflexivo é, então, o que busca o equilíbrio entre a ação e o pensamento, e uma nova prática implica sempre uma reflexão sobre a sua experiência, as suas crenças, imagens e valores.

 

Referências

BENINCÁ, Elli. O senso comum pedagógico: práxis e resistência (tese-doutorado). Porto Alegre: UFRGS, 2002.BENINCÁ, Elli. & CAIMI, Flávia Elisa (orgs.), Formação de professores: um diálogo entre a teoria e a prática, 2ª edição, Passo Fundo: UPF, 2004.BENINCÁ, Elli. A prática pedagógica da sala de aula: princípios e métodos de uma ação dialógica. Revista de Educação – AEC, Ano 23, n. 90, jan./mar. p. 85-103. 1994.

BENINCÁ, Elli. Indicativos para a elaboração de uma proposta pedagógica. Espaço Pedagógico, Passo Fundo: Ediupf, v.1, n.1, p.7-12, dez. 1994.

BENINCÁ, Elli. et al. Em busca de um método para a ciência pedagógica. Espaço Pedagógico, Passo Fundo: Ediupf, v. 5, n. 1, p. 129-153, 1998.

BENINCÁ, Elli. Metodologia pastoral. Caderno de formação, Passo Fundo, n.2, 1994a.BENINCÁ, Elli. Prática pedagógica: uma questão de método. Espaço Pedagógico, Passo Fundo: Ediupf, v. 4, n.1 1997.

BENINCÁ, Elli. (Coord.). A memória como elemento educativo. Projeto de pesquisa: A relação teoria e prática no cotidiano dos professores. Passo Fundo: UPF, 2000a (Relatório) (mimeo.).

BRASIL. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. Parecer CNE/CP 009/2001 aprovado em 08 de maio de 2001.FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. (7a edição), 1996.

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 *[1]-Artigo construído por ocasião do VIII Congresso Nacional De Educação – EDUCERE, E o III Congresso Ibero-Americano sobre Violência nas Escolas – CIAVE - Edição Internacional.  Com a temática “FORMAÇÃO DE PROFESSORES”. Sediada pela PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ – Curitiba nos dias 06 à 09 de outubro de 2008. É um recorte do Projeto de Dissertação do Programa de Pós-Graduação - Mestrando em Educação pela UNILASALLE – Canoas/RS. No ano de 2007-2008, no exercício da Metodologia da Práxis Pedagógica=MPP com um grupo de oito (8) educadores de diferentes áreas do conhecimento.  

*[2] Pós-Graduada em Educação Inclusiva pela PUCRS; Mestranda em Educação pela UNILASALLE. Atualmente faz parte da equipe diretiva da Escola Fundamental Jesus Bom Pastor – Pastorinhas, Caxias do Sul/RS.

*[3]  A “Metodologia da Práxis Pedagógica- MPP”, assim denominada por um grupo de pesquisadores de Passo Fundo – RS, sob a orientação do Prof. Dr. Elli Benincá, um dos gestores desse método desde 1997. Consiste em relacionar teoria e prática no cotidiano dos sujeitos.

*[4] Elli Benincá, autor da Metodologia da Práxis Pedagógica, mestre em Ciências da Religião pela PUC/SP e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor nos cursos de filosofia (IFCH) e pedagogia (Faed) da Universidade de Passo Fundo, e integrante do Projeto “a relação teoria e prática no cotidiano dos professores”. Autor de vários artigos sobre educação e um Manual de introdução à filosofia já em sua 11ª edição. Consultor da revista AEC/Brasil (Cf. BENINCÁ, Elli, & CAIMI, Flávia Elisa (orgs), Formação de professores: um diálogo entre a teoria e a prática, 2ª edição, Passo Fundo: UPF, 2004).

*[5]Fala de uma educadora, retirada do registro de uma sessão de estudo, relatório da Escola Infantil Consolação em 2003.

*[6]Em função das diferentes denominações que os profissionais da educação recebem no debate nacional, neste trabalho denomino educadores todos os profissionais que atuam no âmbito escolar: professor, diretor, coordenador pedagógico, etc. Mesmo sabendo que a maioria dos educadores da educação são mulheres, optei por utilizar a forma tradicional da língua portuguesa, o masculino, com a clareza, no entanto, do quanto a nossa linguagem revela sobre as questões de gênero.

*[7]A união da hermenêutica com a dialética leva o intérprete a entender o texto, a fala, o depoimento, como resultado de um processo social (trabalho e dominação) e processo de conhecimento (expresso em linguagem), ambos fruto de múltiplas determinações, mas com significado específico (p. 227).  
 

Autor deste artigo: Inezita - participante desde Dom, 09 de Novembro de 2008.

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