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Escrito por Alan Henrique Pardo de Carvalho   
Qua, 24 de Novembro de 2004 21:00

Muito se fala (e até se vê em outdoors e outros tipos de anúncios) em "ensino baseado em competências". O conceito de competência parece estar sendo discutido em diversos círculos acadêmicos brasileiros e um dos pensadores mais citados é Philippe Perrenoud, sociólogo suíco e professor na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação na Universidade de Genebra e autor de obras como "Construir as competências desde a escola" e "Avaliação - da excelência à regulação das aprendizagens". Suas obras são consideradas leitura obrigatória para profissionais da educação. Mas o quanto realmente tem sido discutida essa idéia entre aqueles que estão na linha de frente, os professores? Pois, com o perdão da palavra, é neles que estoura a bomba.

Existem pessoas que julgam ser o conceito de competência antagônico ao de conhecimento, como se um ensino baseado em competências acabasse por diminuir a importância do conhecimento. Em oposição ao papel proposto (o local para construção - produção - do conhecimento), não tem sido a Universidade o local para a transmissão do conhecimento há anos? Pergunte a um aluno de nível superior o que ele acha que deve ser o ensino. Se o ensino por competências se propõe a acabar com a "hegemonia do conhecimento", adotá-lo significaria o fim da sala de aula, o fim do professor? Alguns acreditam que sim.

O fato é que não há competência sem conhecimento, mas competência não significa somente "saber fazer" (habilidades), como pode supor o senso comum. Diz-se popularmente que alguém é competente quando sabe fazer algo, mas a competência é mais do que saber fazer. Se fosse assim, um ensino baseado em competências nada mais seria do que um simples treinamento, onde os alunos seriam instruídos de forma a tornarem-se aptos a desempenhar determinadas tarefas num nível, digamos, mais operacional, sem exatamente saber o que estão fazendo ou, principalmente, o porque estão fazendo ou que objetivos serão atingidos com a consecução daquela tarefa.

A noção de competência nos leva a situações em que é necessário lançar mão do conhecimento para que se possa tomar decisões e resolver problemas. O desenvolvimento de competências precisa estar ligado diretamente à resolução de problemas, sejam do cotidiano - como interpretar o guia de ruas da cidade, decidir o melhor dia para pagar uma conta -, ou específicos - calcular o valor das prestações de um empréstimo usando noções de juros, erguer uma parede usando princípios de geometria e física. E muitas vezes o desenvolvimento de uma competência transcende o saber compartimentalizado das disciplinas, aquele saber com o qual fomos nos acostumando ao longo do tempo, pois desde as primeiras séries do ensino fundamental os alunos tiveram aulas de Português, onde só se discutia a língua portuguesa sem estabelecer qualquer relação com outra área, aulas de Matemática, onde se esquecia como se usam as letras e só eram usados números (aparecia um "x" ou "y" de vez em quando - e ainda tem gente que acha que não se pode usar usar "a" ou "b" do mesmo jeito).

Pode-se dizer que, com freqüência, para o desenvolvimento de uma competência pode ser necessário articular conhecimentos e habilidades desenvolvidas em áreas aparentemente distantes entre si. E aí está um dos desafios atuais e futuros (aliás, um futuro cada vez mais próximo e urgente) da educação: como ultrapassar a fronteira das disciplinas? Como organizar um currículo de forma que o aluno não tenha notas ou conceitos na disciplina "A" ou "B", mas sim que tenha desenvolvido uma determinada competência, como num exemplo simples "preparar um pedido de compras com valores em reais e em dólares". Parece algo extremamente simples, mas que determinados alunos de nível superior apresentam dificuldades para fazer.

Talvez um dos problemas mais complicados em relação a esse desafio seja o fato de que a escola sempre preparou o aluno para reter conhecimentos, deixando para a vida o papel de desenvolver as competências. Não se pode esperar, então, que um aluno que tenha ficado 11 anos na escola (na melhor das hipóteses) apenas sendo apresentado a símbolos, fatos, "coisas" e sem que tenha sido feita uma conexão com a sua realidade nem lhe mostrado como aquele saber todo pode e deve ser usado no dia-a-dia, relacionando o que foi ensinado (porque não sabemos se foi realmente aprendido) chegue no ensino superior com essa capacidade. E justamente no lugar onde essa capacidade de relacionar símbolos, fatos e "coisas" precisa ser usada para a produção do conhecimento, o aluno levará um choque, pois não se espera mais que o professor fique numa aula expositiva simplesmente falando, falando, falando, num verdadeiro "vomitório do conhecimento" e sim que esse aluno se aproprie da informação pelos meios que lhe convierem (professor, livros, jornais, revistas, tecnologia), relacione-as entre si e com o cotidiano, com os problemas que devem ser resolvidos e seja capaz de construir o conhecimento.

Mas o que espera o aluno? Será que ele ingressa no ensino superior com essa expectativa, a de ser co-responsável pela produção do SEU PRÓPRIO conhecimento e de contar com o professor apenas como um dos aliados nessa batalha? Sem dúvida que se trata de um aliado poderoso, pois tem mais "horas de vôo" do que o aluno (existem exceções em carreiras muito especializadas, onde o aluno possui tanto ou mais prática que o professor, mas pode lhe faltar o saber metodológico ou teórico que o professor possui). Ou ele espera que os professores levem esse conhecimento pronto, acabado, e que inclusive lhes ensine a resolver os mais diversos problemas dentro de uma determinada área profissional? Novamente, repito, perguntem aos alunos o que eles acham.

É certo que o ensino baseado em competências abre grandes possibilidades para professores, alunos e instituições verdadeiramente preocupadas com a construção do conhecimento e mesmo com a capacitação do aluno para um mercado cada vez mais competitivo, pois não se pode prescindir dessa circunstância que é a universidade também servindo para a formação profissional dos quadros da iniciativa pública, privada ou do terceiro setor. Ao mesmo tempo em que se abrem diversas portas, uma delas preocupa muito aqueles que estão nas trincheiras: aquela que vai lhes permitir compreender o "como fazer isso tudo dar certo". Essa é a pergunta e desafio que este artigo deixa para os leitores. A troca de experiências é fundamental nesse processo de aprendizado contínuo e eterno. Pois muito se fala, mas pouco se fala ao mesmo tempo.


 

Autor deste artigo: Alan Henrique Pardo de Carvalho - participante desde Qui, 11 de Novembro de 2004.

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