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Edições Anteriores 35 A leitura de nossa realidade através da concepção histórica de conhecimento
A leitura de nossa realidade através da concepção histórica de conhecimento PDF Imprimir E-mail
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Escrito por Maurício Cesar Vitória Fagundes   
Qua, 20 de Outubro de 2004 21:00

Neste momento, século XXI, da globalização, da multiplicidade dos meios e das informações, torna-se cada vez mais importante desenvolver a capacidade da interpretação e da contextualização do movimento da história local e mundial.

Há um intenso movimento ideológico que massifica e simplifica as relações que se estabelecem nas diversas instituições, produzindo um senso comum que cada vez mais afasta sujeito de sua verdadeira vocação, ou seja, de ser sujeito de sua história. Impossibilitando-o de compreende-la como campo de construções, de possibilidades, de um espaço de relações construídas por pessoas, a partir de necessidades e intenções.

O que proponho a seguir é discutir uma breve fundamentação da concepção histórica de conhecimento, como possibilidade de ampliar nosso olhar e nossa ação sobre a realidade que vivemos.

Esta concepção de conhecimento fundamenta-se no materialismo histórico, desenvolvida através do método dialético de Marx e Engels. Esta compreensão toma por base para investigação e estudo da realidade a própria realidade concreta. Esta, realidade, como processo construído pelas pessoas, através das relações que estabelecem entre si e entre diferentes grupos sociais, entendendo a sociedade como "produto da ação recíproca dos homens". Construída ao longo de gerações através das forças produtivas dos homens, sendo estas adquiridas do produto da atividade anterior. Ou seja, através da ação humana os homens constituem ao longo da história várias formas de produção. Estas constituem diferentes modos de produção que constituirão a estrutura de cada época histórica.
A estrutura de acordo com o modo de produção vigente, constituirá através da ideologia a superestrutura. Para Marx, a ideologia é um instrumento utilizado pela classe dominante, donas dos meios de produção, como forma de falsear a realidade concreta que emana do modo de produção, objetivando a perpetuação de status quo, através das relações, do pensar, agir, da cultura, da manifestação das instituições (Estado, Igreja, Poder judiciário, Polícia, Família, etc ), definindo ou redefinindo coisas de nosso cotidiano como, por exemplo, o trabalho.

Marx (1989, p. 32) define as forças produtivas como: "o resultado da energia aplicada dos homens, mas essa mesma energia é limitada pelas circunstâncias em que os homens se encontram, pelas forças produtivas já obtidas, pela forma social preexistente, que eles não criam e que é produto da geração precedente." O encadeamento destas forças produtivas, da nova geração com as da geração anterior, resulta na história da humanidade, que evolui na medida que estas forças produtivas dos homens e suas relações sociais crescem. "A conseqüência necessária: a história social dos homens nada mais é que a história do seu desenvolvimento individual, tenham ou não consciência disso. Suas relações materiais são a base de todas as suas relações. Essas relações materiais não são mais do que as formas necessárias em que se realiza a sua atividade material e individual". (grifo nosso)

Nesse mesmo texto, em que Marx faz a crítica a Proudhon, (id. p. 438), é interessante destacar a ênfase dada a produção das relações sociais de acordo com suas forças produtivas, e que "também produzem as idéias, as categorias, ou seja, a expressão abstrata, ideal, dessas mesmas relações sociais (...) Elas são produtos históricos e transitórios".

A partir desta compreensão materialista mais geral da construção da história da humanidade, cabe-nos fazer uma incursão no método dialético, para aclararmos a percepção histórica de conhecimento. Para tal, buscaremos fundamentar através do Posfácio à 2ª edição de O Capital, no qual Marx insere a crítica do periódico Mensageiro Europeu, de Petersburgo, (1989, p.427), da seguinte forma:
"Para Marx, somente uma coisa é importante: descobrir a lei dos fenômenos que pesquisa. E, para ele, tão logo os fenômenos tenham forma definida e se ponham em uma relação observada em dado período histórico, não mais apenas a lei dos fenômenos é importante. Para Marx, o mais importante de tudo é a lei da sua transformação, do seu desenvolvimento, isto é, da transição de uma forma para outra. Uma vez descoberta esta lei, ele passa a investigar detalhadamente seus efeitos na vida social..."
Marx (id, 428) observa o movimento social dirigido por leis oriundas de fenômenos exteriores, ou seja, não provenientes das idéias como ponto de partida. Destaca ainda que a análise deve ser de um fato com outro fato e não como pregam os historicistas - idealistas - de realizar a crítica do fato com uma idéia. Afirma, assim, que não existem leis abstratas "pelo contrário, de acordo com o seu pensamento, cada período histórico tem as suas próprias leis (...) Com o desenvolvimento diferente das forças produtivas, mudam as relações e as leis que as regem". A importância científica dessa analise reside em perceber de forma mais clara, retirando seu véu ou sua maquiagem, "(...) as leis específicas que governam o nascimento, a existência, o desenvolvimento e a morte de um dado organismo social e sua substituição por um outro mais elevado".

Na seqüência, Marx dá ênfase ao método de pesquisa e salienta a diferença entre este e o método de exposição. "A pesquisa deve dominar a matéria até o detalhe; analisar suas diferentes formas de desenvolvimento e descobrir a conexão íntima que existe entre elas. Só depois de concluído esse trabalho é que o movimento real pode ser adequadamente exposto".(grifo nosso)

Nesta mesma perspectiva Caio Prado, na Dialética do Conhecimento, (1969, p.589), diz o seguinte: "O materialismo amparado na Dialética, como se dá com Marx, permite penetrar o mais profundo das feições e fatos do Universo porque põe inteiramente e diretamente em contato o pensamento e sua mobilidade natural e orgânica, com aqueles fatos, e sem ser através da barreira imobilizadora e portanto deformadora das rígidas categorias lógicas da Metafísica".

Caio Prado reforça ainda (id. p. 648), a importância de nos colocarmos no interior dos fatos e processos do conhecimento objeto de pesquisa, pois sendo esta uma experiência inicialmente externa ao indivíduo, percebida através da sensibilidade que resultará no primeiro contato do indivíduo pensante com a realidade objetiva e exterior, que constituirá o ponto de partida e de retorno, pela ação de tal processo.

Nesse processo é imprescindível ter clareza que o indivíduo é um ser ativo e entra em contato com o mundo exterior através da ação e não da contemplação.

A ação do indivíduo através da observação, da pesquisa e da experimentação, concretiza o contato deste indivíduo pensante com a realidade, gerando o ponto de partida do conhecimento, e também de uma ação. Caio Prado, (id. p. 653), lembra que toda a ação implica modificação da realidade e esta realidade se liga direta e indissociavelmente ao fato do conhecimento.

Caminhando nesta mesma senda, Kosik em seu livro Dialética do Concreto, aponta que a dialética trata da coisa em si, porém esta não se manifesta imediatamente ao homem. Para chegar até ela, se faz necessário um détour.
Kosik (1986, p. 10) diz que "a realidade não se apresenta aos homens, a primeira vista sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente... apresenta-se como o campo em que se exercita a sua atividade prático-sensível, sobre cujo fundamento surgirá a imediata intuição prática da realidade. No trato prático utilitário com as coisas (...) o indivíduo em situação cria suas próprias representações das coisas e elabora todo um sistema correlativo de noções que capta e fixa o aspecto fenomênico da realidade".
Esta práxis utilitária imediata e o senso comum possibilita orientar-me no mundo, porém é uma práxis fragmentária, me dá visão da parte, muitas vezes contraditória com a lei do fenômeno, com a estrutura da coisa e portanto, com a essência e seu conceito correspondente. A percepção através desta práxis constitui o mundo da pseudoconcreticidade, ou seja, o mundo da verdade e engano, ao mesmo tempo que indica a essência a esconde.

Portanto, num primeiro momento é captado o fenômeno e não a coisa em si, se faz necessário então a decomposição do todo. Esta destruição do todo nada mais é que a destruição da pseudoconcreticidade que se dá através da crítica revolucionária da praxis da humanidade; do pensamento dialético a fim de dissolver o mundo do fetiche e alcançar a realidade e a coisa em si e da realização da verdade e criação da realidade humana em um processo ontogenético.

Kosik (id, p 30-32) nos ensina que ao conhecermos determinada realidade não temos a possibilidade de apreende-la em sua essência de forma sensível. "Portanto, o todo é imediatamente acessível ao homem, mas é um todo caótico e obscuro. Para que eu possa conhecer este todo, possa torná-lo claro e explicá-lo, o homem tem que fazer um détour: o concreto se torna compreensível através da mediação do abstrato, o todo através da mediação da parte".

Dentro da percepção de conhecimento histórico, ontologicamente o conhecimento bem como sua construção acontece a partir do sujeito concreto, ser que estabelece relações com o meio em que vive, a partir de uma ordem historicamente produzida. Investigação esta que necessariamente passa pela apreensão sensível da realidade concreta, captação do fenômeno, para então mergulhar no íntimo dessa realidade, decompondo-a, indo ao detalhe, "analisando suas diferentes formas de desenvolvimento e descobrindo a conexão íntima entre elas" considerando sempre a totalidade das relações históricas constitutivas desse processo, bem como entendendo seus limites. Estas relações como transitórias, geradoras de novas realidades e de novas relações, sem perder a noção de que a realidade em estudo é sempre parte de uma realidade maior e em constante transformação, dentro de uma sociedade historicamente em movimento através das relações de suas forças produtivas.

Este conhecimento uma vez construído não tem fim em si mesmo, mas um elemento dialético de possibilidades, de vir-a-ser, gerador de novos conhecimentos, de ampliação e de transformação do próprio conhecimento e das relações concretas constitutivas do entorno dessa realidade pesquisada.

Nessa perspectiva de conhecimento, passaremos a entender que nossa realidade cotidiana vai muito além das explicações simplistas, que pelo seu reforço diário, através da mídia, constituem ou interferem nas relações e na compreensão do caos econômico, social, político e educacional que vivemos.

BIBLIOGRAFIA
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. História. FERNANDES, Florestan (org) São Paulo: Editora Ática, 1989.

KOSIK, Karel. Dialética do Concreto. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.

JUNIOR, Caio Prado. Dialética do Conhecimento. 5 ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1969.

 

Autor deste artigo: Maurício Cesar Vitória Fagundes - participante desde Qui, 14 de Outubro de 2004.

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