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Edições Anteriores 21 A Entropia da Educação Superior
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Escrito por Daltro José Nunes   
Qua, 14 de Julho de 2004 21:00

Sucessivos governos vêm, de afogadilho, de cima para baixo, sem uma discussão efetiva com a sociedade, definindo políticas para a educação superior. Para implementar essas políticas, os governos têm escolhido o caminho mais fácil. Reaproveitando as instituições de ensino existentes, especialmente as instituições de ensino públicas porque sobre elas podem exercer o poder, os governos realizam as transformações desejadas. As mutações e mutilações causadas sobre essas instituições, ao longo dos anos, são tão grandes que muitas estão tão deformadas de tal modo a perderem a identidade.

Nos países desenvolvidos, os cidadãos ou exercem profissões, como a de técnicos eletricistas, de engenheiros, de médicos, etc. ou exercem profissões transformadoras, geradoras ou modernizadoras das funções do mercado de trabalho. Os primeiros tocam o dia-a-dia das atividades do país, mantendo a qualidade de vida das pessoas, alem de movimentar e sustentar a economia. Esta é a componente estática do mercado de trabalho. Os segundos geram e transformam as funções do mercado de trabalho com vistas a aumentar a produtividade e a qualidade dos processos e produtos e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Esta é a componente dinâmica, evolutiva, do mercado de trabalho.

As instituições de ensino superior profissionalizantes desses países, através de seus cursos profissionalizantes, são responsáveis pela formação de profissionais para o mercado de trabalho, ao passo que as instituições de ensino e pesquisa, através de seus cursos acadêmicos, são responsáveis pela formação de profissionais modernizadores e geradores do mercado de trabalho. Esta distinção é muito clara nos países desenvolvidos.

O termo "mercado de trabalho" é entendido aqui como sendo o conjunto de funções necessárias à manutenção da sociedade e executadas por profissionais. As profissões para execução dessas funções são obtidas no pós-médio, como a de técnico eletricista, hidráulico, mecânico etc e na educação superior como engenheiro, médico, advogado etc.

Os profissionais de nível superior para o mercado de trabalho são egressos de cursos em que a formação básica é necessária o suficiente para que os profissionais possam tirar o máximo proveito das tecnologias, técnicas, métodos, processos etc. usados no mercado de trabalho. São cursos de curta duração (3-4 anos) com muita atividade prática. São cursos que possuem uma forte inserção regional, resolvendo os problemas locais e regionais, fixando, inclusive, os jovens na sua própria região. São cursos onde o estágio tem um papel relevante. São cursos com muitas diversidades de denominações, coerentes com as funções do mercado de trabalho. Nos EUA, as instituições responsáveis por esses cursos são chamadas de, entre outras, Community Colleges, na França de Instituts Universitaires de Technologie (IUT) e na Alemanha de "Fachhochschule" (Escola Superior Profissional).

Os profissionais de nível superior para a geração e modernização do mercado de trabalho são egressos de cursos acadêmicos de longa duração (5-6 anos), diurnos, tempo integral, assentados em bases científicas sólidas. Na Europa, muitos incluem o mestrado. Em Portugal, esses cursos possuem uma ciência básica como raiz. São cursos de poucas denominações. São cursos responsáveis pelo desenvolvimento científico e tecnológico do país e, principal responsável pela geração de riquezas e de novos postos de trabalho. São cursos integrados aos respectivos cursos de pós-graduação. Os egressos desses cursos estão, do ponto de vista científico e tecnológico, no estado da arte. Daí para frente os egressos ou buscam o mercado de trabalho, por exemplo, nas empresas de consultoria, nos laboratórios de pesquisas e desenvolvimento das indústrias, nos departamentos de planejamento estratégico e de sistemas de informação das organizações ou buscam as universidades, com vistas a avançar o estado da arte (doutorado). Os egressos têm a função social de mudar, gerar, inovar, transformar, alavancar e modernizar o mercado de trabalho. O futuro do país depende deles. Os cursos de Ciência da Computação são exemplos dessa categoria. Em quase todos os países desenvolvidos, essa formação profissional é de responsabilidade das universidades.

Este é, em resumo, o quadro da educação superior nos países desenvolvidos. O número de instituições de ensino superior profissionalizante é bem maior que o número de universidades, a julgar pelas estatísticas. Alem disso, muitos países especializam as universidades por área, entre outras, tecnológica, da saúde, de humanas e de artes, devido às especificidades de cada uma e a simplicidade administrativa.

No Brasil, as diferenças de tipos de cursos, do ponto de vista do exercício profissional, existem somente em nível de pós-graduação, com os mestrados profissionais, acadêmicos e MBA, instituídos na gestão FHC.

Existem várias universidades brasileiras que possuem creches, ensino básico, ensino técnico e desenvolvem, nas quatro grandes áreas, tecnológica, saúde, humanas e artes, cursos superiores profissionalizantes, especialmente os cursos noturnos, cursos superiores acadêmicos, extensão, especialização, mestrado, doutorado e pós-doutorado. São, na verdade, super-universidades e algumas, até, hiper-universidades. Os cursos de nível superior profissionalizantes e acadêmicos são tratados da mesma forma. Nivela-se por baixo.

No país, ainda, pela legislação vigente, não se consegue distinguir entre cursos superiores profissionalizantes e acadêmicos. A grande maioria dos cursos de bacharelados é, de fato, profissionalizante, pois é voltada para o mercado de trabalho local e regional. A menos na duração, esses cursos de bacharelado nada diferem dos cursos de tecnologia. Assim, na prática, os cursos de bacharelados, do ponto de vista de seus objetivos, podem ser profissionalizantes ou acadêmicos.

No país usa-se, genericamente, a denominação de "cursos de tecnologia" tanto para cursos da área tecnológica como da área da saúde, das humanas e das artes. Mas, é muito estranho formar "tecnólogos" fora da área tecnológica.

No país, a maioria dos cursos de bacharelado noturnos tem características profissionalizantes, pois são voltados para uma população de alunos que trabalha oito horas por dia e, ainda, querem aprender uma profissão. Nesses cursos, a atividade extra-classe é mínima. O aluno deve aprender o máximo em sala de aula.

Os CEFETs, criados para formar profissionais para o mercado de trabalho, através de cursos profissionalizantes, oferecem, também, cursos superiores acadêmicos e alguns possuem mestrados e até doutorados.

Para aumentar a confusão, não existe diferenciação clara entre cursos seqüenciais de formação específica e cursos de tecnologia. Na área de informática, muitos cursos se diferenciam apenas pela denominação. Exemplo: Curso de Tecnologia em Redes de Computadores e Curso de Formação Específica em Redes de Computadores.

No país, não existe uma definição clara de modalidades de cursos de graduação. Alguns cursos são de bacharelados, como por exemplo Direito, outros específicos da profissão, como por exemplo Medicina. Muitas instituições conferem o grau de bacharéis a egressos de cursos de Engenharia, Nutrição e Serviço Social, enquanto outras como específicos da profissão. Há, ainda, os cursos de formação de professores (licenciaturas). Todos são extensões do Art. 44, inciso II, da LDB (cursos de graduação).

No país, raro são as universidades que fazem pesquisas. A maioria finge que faz pesquisa para satisfazer a legislação vigente. De fato, no país, uma instituição se transforma em universidade muito mais pelo volume de cursos que oferece do que pela produção científica. O número de universidades que, realmente, faz pesquisas, chamadas de universidades de pesquisa, não ultrapassa a dez, segundo uma avaliação feita pela USP com base na produção científica. São essas as universidades que detêm a maioria dos cursos de graduação acadêmicos.

Os Centros Universitários, como foram definidos, devem oferecer um ensino de excelência. Ora, isso implica que as demais instituições não precisam oferecer necessariamente um ensino de excelência.

Este é, em resumo, o quadro da educação superior no país. Com se vê, não existe uma relação entre tipos de profissionais e tipos de instituições de ensino superior. Tudo está no mesmo saco! Alem disso, não existe uma definição clara e concisa das diversas modalidades de cursos de graduação.

A entropia da educação superior leva à ineficiência, à confusão, à redundância, ao excesso de regras, ao aumento da burocracia, a redução de qualidade, a falta de estabilidade, à falta de identidade e de referências e aumenta os custos. Assim, a reforma universitária deveria começar organizando a casa.

A falta de definição de cursos profissionalizantes e acadêmicos complica sobremaneira as avaliações de cursos de bacharelados. Como os padrões de qualidade (critérios de avaliação) são os mesmos para ambos os tipos de cursos, quando aplicados sobre os cursos profissionalizantes, mostram, via de regra, que são fracos, por se situarem abaixo dos padrões de qualidade e quando aplicados sobre os cursos acadêmicos mostram, via de regra, que são excelentes, por se situarem acima dos padrões de qualidade.

A vocação dos professores brasileiros é para ensinar aplicações de tecnologias, com vistas a preparar os alunos para o mercado de trabalho. Devido, talvez, a cultura sub-desenvolvimentista do país, dificilmente um professor adquire vocação para trabalhar os alunos na geração de novas tecnologias. É um problema de complexos, de impotência, de escopo, de mentalidade. A educação superior reflete a vocação de seus docentes e o país reflete a vocação da educação superior. O resultado é um país atrasado tecnologicamente e socialmente. Não adianta mudar as regras da educação superior se não mudar a "cabeça" dos professores. Um curso acadêmico, que tem como objetivo a formação de profissionais para o desenvolvimento de novas tecnologias, fica completamente distorcido pela maneira como os professores trabalham os alunos. Muitos cursos de Ciência da Computação são exemplos dessas distorções.

No país, essas diferenças de objetivos, níveis e tipos de cursos são mais difíceis de serem compreendidas pelos humanistas porque elas são mais naturais nas áreas de ciências tecnológicas e da saúde. Alem disso, os educadores das áreas de humanas e das áreas de tecnologia têm visões diferentes a respeito dos objetivos da educação superior. Portanto, é preocupante orientar a reforma universitária a partir da área de humanas. Mas, cabe lembrar, entretanto, que a formação humanística, trabalhando a questão da ética e dos objetivos maiores do exercício profissional, permeia todas as profissões. Se a reforma universitária não acertar o alvo, as conseqüências poderão ser desastrosas para o país e gerações serão necessárias para colocar a educação superior no rumo certo.

Cotejando dados de 2002 da CAPES e do INEP foi possivel estabelecer uma relação e estimar a quantidade de concluintes de cursos de graduação acadêmicos e profissionalizantes (ver tabela). Para comparar, considere-se dados do governo alemão sobre a quantidade de concluintes em 2002 de cursos de graduação acadêmicos (Universidades) e profissionalizantes (Escolas Superiores Profissionalizantes).


(*) Estimativa máxima: Concluintes de cursos de graduação que possuem pós-graduação na mesma área de formação.
(**) Excluídos cursos que, na Alemanha, são oferecidos por outros tipos de instituições.

A diferença é gritante! É o retrato de um país sub-desenvolvido. Um país de vocação para o consumo de tecnologias. Enquanto que, na alemanha, de cada 100 concluintes, 58 são acadêmicos, no Brasil, de cada 100 concluintes, no máximo, 12 são acadêmicos. Para a população brasileira, o número de concluintes de cursos profissionalizantes é ainda pequeno mas, a relação está muito ruim quando comparada com a de um país desenvolvido.

O país poderia ter seu próprio modelo de educação superior, mas que fosse completo, consistente, coerente, sem redundâncias e de qualidade. O país, por exemplo, dado a escassez de profissionais para a geração e modernização do mercado de trabalho, não pode adotar, como política, a formação de profissionais para a geração e modernização de setores específicos do mercado de trabalho, através de cursos acadêmicos especializados de curta duração, como acontece em alguns países desenvolvidos.

A reforma universitária deve garantir, no mínimo, cursos técnicos (pós-médio) e superiores profissionalizantes para todo brasileiro. Deve garantir que existam esses cursos em cada município do país, perfeitamente integrados às realidades regionais. Deve garantir vagas para todos, pois cada brasileiro tem o direito a uma profissão. Se isso for cumprido, não haverá necessidade de cotas para negros, índios etc. Se os governos estadual e municipal não tiverem condições de cumprir essa meta, deveriam, então, dividir responsabilidades com a iniciativa privada. Sem burocracias, esses cursos poderiam ser regulados e supervisionados pelos estados e municípios com base em normas gerais do MEC.

O futuro do país depende da inovação e da modernização do trabalho. É uma questão de soberania nacional. A formação de profissionais para mudar, gerar, inovar, transformar, alavancar e modernizar o mercado é estratégica para o país. É a única maneira para poder crescer e competir com outras nações. Portanto, a reforma universitária deve atribuir à união, no caso de instituições federais, e aos estados, no caso de instituições estaduais, a sustentação das universidades de pesquisa públicas e gratuitas, responsáveis pelos cursos acadêmicos. O processo de seleção dos alunos deve levar em conta a vocação e o nível intelectual dos candidatos. Para as universidades de pesquisa, a seleção de alunos, com base em critérios sociais ou raciais, prejudica o país como um todo. Sem burocracias, esses cursos deveriam ser regulados e supervisionados pela união ou estados com base em normas gerais do MEC. O Ministério de Ciência e Tecnologia-MCT não pode deixar de contribuir para a reforma universitária quando se discute, também, o destino das universidades de pesquisa.

A universidade pública brasileira está em crise, sim, mas crise pela falta de recursos e pela falta de eficiência, e uma reforma universitária vem em boa hora. Sem generalizar, a universidade pratica fortemente, no mau sentido, o corporativismo. Usando a argumentação de que se trabalha pelo quanto se ganha, professores de dedicação exclusiva fazem "bicos" e professores de 40 horas por semana só dedicam, efetivamente, 20 horas ou menos. Professores improdutivos são, praticamente, impossíveis de serem exonerados, devido à legislação vigente. Estudantes reprovam inúmeras vezes porque não pagam nada.

Assim, se a reforma universitária:

- Definir de forma clara as funções e atribuições das instituições de pesquisa (Universidades) e as profissionalizantes (Escolas Superiores Profissionalizantes),
- Definir de forma clara as funções e atribuições dos cursos de bacharelado profissionalizantes e acadêmicos,
- Garantir recursos públicos e corrigir os problemas de eficiência das instituições públicas e gratuitas,
- Responsabilizar o estado pelo controle, manutenção e investimento das atuais e de novas universidades de pesquisa,
- Garantir Escolas Técnicas e Escolas Superiores Profissionalizantes em cada município do país

já terá feito um grande avanço.

 
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